BRASÍLIA – Em um novo parecer tornado público ontem (29/10), técnicos do Instituto Nacional de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) voltaram a rejeitar os planos da Petrobras para a perfuração do primeiro poço em águas profundas na Bacia da Foz do Amazonas.
A licença não foi negada, nem era esperada, de fato, neste momento. A Petrobras poderá complementar as informações ao órgão ambiental.
Antes da publicação do parecer, a Petrobras mobilizava fornecedores para se preparar para o envio de uma nova sonda para o bloco FZA-M-59.
Isso porque a companhia conta que, dessa vez, conseguirá que o Ibama defina as condicionantes que precisam ser atendidas para viabilizar a emissão da licença, segundo fontes ouvidas pela eixos.
É também a expectativa do governo, evitando uma nova rejeição da licença ou o arquivamento do processo. Lula já deixou claro que, de um ponto de vista político, a posição do Planalto é favorável à ampliação da exploração de petróleo no Brasil.
A decisão final cabe ao presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, e passa pela diretoria de licenciamento.
De toda forma, o parecer representou mais um revés nos planos da companhia de abrir a fronteira para exploração de petróleo na costa do Amapá, em um licenciamento que chega ao seu terceiro ano, mas totaliza quase uma década, contando as tentativas frustradas da bp e TotalEnergies, que desistiram das áreas.
O documento é assinado por 26 analistas ambientais e avaliou a ampliação do Plano de Proteção à Fauna (PPAF), enviado pela Petrobras em agosto, após solicitação do Ibama.
“Considerando-se esta revisão do PPAF e as condições meteoceanográficas da região, não foi apresentada alternativa viável que mitigue, satisfatoriamente, a perda de biodiversidade, no caso de um acidente com vazamento de óleo”, concluem os analistas.
Em maio de 2023, o Ibama negou a licença e a Petrobras recorreu, apresentando os novos planos.
“Desta forma, não foram identificados, nos documentos analisados, elementos suficientes que permitissem a revisão da sugestão de indeferimento da licença ambiental e do arquivamento deste processo de licenciamento ambiental”, diz o parecer.
Servidores defendem contratação de estudo prévio pelo governo
O licenciamento, em tese, está restrito à análise da viabilidade ambiental da perfuração de um poço. Outras questões já foram colocadas, contudo, como a necessidade de contratação de estudos prévios, pelo governo – a Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS).
Os 26 analistas do Ibama voltam a defender este ponto: “uma manifestação a respeito da viabilidade ambiental de um projeto de perfuração exploratória que ignore este contexto [ambiental] é fragilizada e temerária, portanto incondizente com a missão e os valores do órgão [Ibama]”, dizem.
“(…) Cabe a esta equipe a recomendação técnica que seja realizada uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar para a Bacia Sedimentar da Foz do Amazonas previamente à concessão da licença de perfuração exploratória”.
O parecer registra, contudo, que a ausência de AAAS não foi considerada nas conclusões.
A tese jurídica associando a necessidade dos estudos à licença, levantada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede), e pelo Ibama, em 2023, foi afastada pela procuradoria do órgão e pela Advocacia-Geral da União (AGU).
Nessa etapa, a Petrobras está licenciando a perfuração do poço de Morpho no FZA-M-59, um dos prospectos mapeados na região. Mas há outros que totalizam quase 6 bilhões de barris de petróleo e gás em volumes in place – uma estimativa inicial das reservas, que precisa ser confirmada com os poços.
É o que leva a resistência não apenas ambiental, mas de um ponto de vista climático. O sucesso na descoberta de petróleo e gás em Morpho representará a demanda por mais poços, trilhando o caminho para os estados do Amapá e Pará se tornarem províncias produtoras nas próximas décadas.
A Petrobras detém seis blocos na Foz do Amazonas e assumiu as desistências da TotalEnergies, bp e BHP. A PRIO opera dois blocos, herdados na compra da Brasoil, em 2017, enquanto a Brava tem um bloco, contratado pela Enauta, antes da fusão com a 3R.
A região é a principal aposta da Petrobras para repor reservas a partir da próxima década, com o declínio da produção no pré-sal.
Em abril de 2023, 80 organizações da sociedade civil se uniram para pedir que o Ibama não autorize a Petrobras a iniciar a perfuração na Foz, enquanto não for realizada a AAAS.
Preparação para envio da sonda para o Amapá
A janela para iniciar a campanha este ano está perdida de toda forma, mas a companhia vem se preparando para iniciar a perfuração no primeiro semestre de 2025. Cada poço tem um prazo estimado entre cinco e seis meses.
A intenção é utilizar a OND II, sonda da Foresea, que está no Sudeste. Uma das etapas é a retirada do coral-sol, uma espécie invasora que contaminou o litoral brasileiro e pode migrar, presa às unidades.
O que é o coral-sol?
- Duas espécies, T. coccinea e T. tagusensis, foram introduzidas no Brasil nas décadas de 1980 e 1990, principalmente através de plataformas de petróleo e cascos de navios.
- O coral-sol reduz a abundância de macroalgas e corais nativos, aumentando a diversidade de espécies em algumas áreas.
- É encontrado em diversas regiões costeiras do Brasil, tanto em ambientes naturais quanto artificiais, com potencial de expansão. As informações são do Ibama.
É um procedimento típico, quando envolve a mobilização de equipamentos do Sudeste para áreas não afetadas, como é o caso da região Norte. O tratamento dura cerca de 60 dias, mas a companhia avalia como reduzir esse tempo para deixar a unidade de prontidão.
“A Petrobras ainda aguarda a resposta do Ibama em relação ao pedido de reconsideração do indeferimento da emissão da licença do bloco FZA-M-59, protocolado em maio de 2023, para a definição das próximas ações e continuidade do processo de licenciamento ambiental”, disse a companhia, em nota enviada à eixos, antes da publicação do parecer.
Ibama resistiu à mediação pela AGU
A AGU tentou mediar, por meio de uma câmara de conciliação pública, a definição das condicionantes para a exploração da Bacia da Foz do Amazonas.
O Ibama resistiu e o caso foi encerrado, como mostrou a eixos, com exclusividade, em agosto.
Marina Silva chegou a afirmar que não há “conciliação para questões técnicas”.
Participaram representantes da Controladoria Geral da União (CGU), AGU, Ibama, Petrobras e dos ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente.
No parecer em que recomenda o encerramento do procedimento, AGU relata que durante as reuniões os mediadores perceberam “uma resistência em avançar nas tratativas, em razão de questionamentos do Ibama sobre os limites de se negociar por acordo questões de índole técnica relativas ao licenciamento ambiental”.
O Ibama informou à época que participou de todas as reuniões e endossou não haver controvérsia jurídica neste caso, mas sim uma discussão técnica.