Diálogos da Transição

Biomassa e eletrificação podem reduzir consumo fóssil na indústria a 1% até 2050

Organizações alertam que políticas devem buscar a menor participação possível de combustíveis fósseis na matriz

Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima
Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima | Foto: Caetano Scannavino

NESTA EDIÇÃO. Indústrias de cimento e química podem alcançar 80% de redução de emissões em 2050, e o aço pode ser 90% menos intensivo, aponta estudo do Observatório do Clima.
 
Enquanto o governo brasileiro elabora sua nova meta climática, organizações alertam que políticas devem focar nas renováveis e buscar a menor participação possível de combustíveis fósseis na matriz.
 
O que inclui rever decisões sobre Margem Equatorial e teto para hidrogênio de baixo carbono.


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Com 35% do seu consumo energético dependente de derivados de petróleo e carvão mineral, a indústria brasileira pode reduzir esse percentual fóssil a cerca de 1% até 2050, ampliando a participação de biomassa e a eletrificação dos processos, aponta um estudo divulgado nesta terça (22/10) pelo Observatório do Clima (OC).
 
biomassa, especialmente do setor sucroenergético, que hoje já representa 43% da matriz energética da indústria, precisaria saltar para 63% de participação. Já a eletrificação dos processos sairia dos atuais 22% para 30%.
 
hidrogênio renovável também aparece no cenário, conquistando 6% da demanda e ajudando a compor um mix 99% verde.
 
Com isso, o relatório estima que indústrias de cimento e química, por exemplo, poderiam alcançar uma redução de 80% nas emissões de gases de efeito estufa em comparação com o cenário de políticas atuais.
 
Já a produção de ferro-gusa, aço e outras metalúrgicas poderia chegar a 90% de redução de carbono.
 
Isso depende, claro, de decisão política. O estudo traz uma série de recomendações ao governo brasileiro, que está construindo sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) ao Acordo de Paris.
 
E marca a posição das organizações ambientais: o país não precisa explorar novas reservas de petróleo (especialmente na Foz do Amazonas), nem prorrogar contratos de térmicas a carvão. Veja na íntegra (.pdf) 
 
“A reversão da proposta governamental de expansão da exploração de petróleo em novas fronteiras, notadamente a Foz do Amazonas e outras bacias da Margem Equatorial brasileira” e a “a transformação da Petrobras numa empresa de energia”, são duas das recomendações.
 
Assim como “a garantia do desenvolvimento da indústria de hidrogênio com efetivo baixo teor de carbono, livre do gás fóssil;” e “a eliminação do uso do carvão mineral para geração de eletricidade até 2027 e a redução progressiva de seu uso industrial”.
 
O grupo também  é crítico aos investimentos em tecnologias de captura e armazenamento de carbono (CCS) no setor de petróleo, por entender que seria uma forma de prolongar a presença de fósseis no mercado.
 
Neste sentido, defende que incentivos para o hidrogênio deveriam observar um limite de 2 kg de CO2 por kg de H2 – a legislação permite 7 kgCO2/kgH2. Segundo a análise, o teto aprovado pelo Congresso e sancionado pelo governo Lula (PT) abre espaço para a rota fóssil com CCS.



O OC reuniu 23 organizações da sociedade civil que atuam na área de energia para elaborar uma visão para a NDC energética do Brasil. 
 
Embora o país já tenha uma matriz energética 49,1% renovável, a metade fóssil é a principal contribuinte para os 17,8% de participação nas emissões totais de gases de efeito estufa do país, além dos 3,4% dos processos industriais, de acordo com o SEEG, o sistema de estimativas de emissões do OC.
 
No setor de energia, transportes e indústria são os principais emissores e devem responder por 68% das emissões setoriais nos próximos dez anos, projeta a Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
 
O estudo lançado hoje pelo OC observa, no entanto, que é possível chegar a 2050 emitindo cerca de 102 milhões de toneladas de CO2 equivalente no setor – quase 80% a menos do que é emitido atualmente.

Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do OC, afirma que é possível que o Brasil se torne o primeiro país carbono negativo, entre as maiores economias, até o ano de 2045, caso adote medidas realmente comprometidas com a substituição de combustíveis fósseis.
 
Para o segmento de transportes, o estudo recomenda uma combinação entre híbridos-elétricos e biocombustíveis, enxergando a maior oportunidade de descarbonização nos veículos leves.
 
Substituição da gasolina por etanol e eletrificação gradual da frota são parte da solução, que passa também por políticas urbanas que incentivem cidades mais compactas e com deslocamentos menores, investimentos em transporte público por ônibus, metrô, VLT e na infraestrutura para o uso das bicicletas. 
 
Já o transporte de cargas, majoritariamente rodoviário, é o mais desafiador nesse processo de descarbonização. As possibilidades de mudanças de curto prazo incluem aumento do uso de biodiesel a 20%, eletrificação parcial de caminhões médios e leves, e aumento de eficiência. A partir de 2040, a inserção do diesel verde pode ter um efeito maior na redução de emissões.


Eletrobras estuda eólica offshore. A companhia assinou nesta terça (22/10) um memorando de entendimento (MoU) com a Ocean Winds (OW) para avaliação de oportunidades de negócios. É o primeiro MoU da Eletrobras sobre eólicas offshore. Já a OW, joint-venture entre EDP Renováveis e ENGIE, tem 15 GW de projetos com pedidos de licenciamento no Rio de Janeiro, Piauí, Rio Grande do Norte e Rio Grande do Sul.
 
A ampliação do mercado livre de energia para consumidores menores e a expansão das fontes eólica e solar na matriz elétrica brasileira têm levado a um aumento nas negociações no Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE). Comercializadoras buscam “travar preços” e fazem mais transações de contratos e derivativos para se proteger de riscos.
 
Terras raras. O Serra Verde Group, que desenvolve um projeto de exploração de terras raras em Goiás, foi adicionado, nesta segunda (21/10), à lista de projetos considerados “de importância crítica” para a transição energética global pela MSP, uma colaboração internacional com parceiros como Estados Unidos e União Europeia. O Serra Verde é o único produtor em escala, fora da Ásia, dos quatro elementos de terras raras fundamentais para ímãs essenciais para turbinas eólicas e motores de veículos elétricos.
 
Gasoduto para hidrogênio. O Ministério Alemão de Assuntos Económicos e Ação Climática (BMWK) anunciou a aprovação, nesta terça (22/10), da construção da maior rede de hidrogênio da Europa. O projeto, apresentado em julho, deve investir 18,9 bilhões de euros até 2032, em 9.040 quilômetros de dutos capazes de transportar até 278 TWh de hidrogênio. O foco será a descarbonização de setores industriais cruciais como siderurgia e química.
 
Combustível do Futuro. A lei do Combustível do Futuro tende a acelerar a consolidação e a verticalização no mercado de biometano, na avaliação de João Caetano Magalhães, diretor da Redirection International, assessoria especializada em fusões e aquisições (M&A). As operações de M&A no setor de biogás e biometano vêm crescendo no Brasil: nos últimos 12 meses, entre setembro de 2023 e agosto de 2024, foram mapeadas ao menos 13 transações no país.
 
Navegação fóssil. A urgência de reduzir emissões e migrar do bunker derivado de petróleo para outros combustíveis tem motivado a encomenda de embarcações movidas a combustíveis com menor intensidade de carbono, mas os fósseis continuarão abastecendo o setor. Segundo a IMO, o gás natural é o principal combustível alternativo para a frota encomendada, com 9,07% dos pedidos de navios novos movidos a GNL. O hidrogênio e a amônia representam, juntos, apenas 0,9% das encomendas.