Em clima de rara sintonia entre setores envolvidos na Lei do Gás (PL 6407/2013), a Comissão de Minas e Energia da Câmara do Deputados realizou hoje a audiência sobre o texto. Enquanto os grandes consumidores defenderam diversidade de transportadores e harmonizações com setor elétrico e entre regras federais e dos estados, ANP defendeu que o novo modelo promova chamadas públicas anuais com oferta de capacidade de transportadores. Para a Petrobras, a nova legislação precisa estar atenta ao risco jurídico embutido nas alterações relativas ao ICMS e o Congresso precisará aprovar um projeto de lei complementar capaz de impedir judicialização.
Na primeira apresentação do dia, o superintendente de Infraestrutura e Movimentação da ANP, Hélio Bisaggio, defendeu que no novo modelo para o setor de gás os transportadores promovam chamadas públicas anuais com oferta de capacidade, garantindo que haja ofertas constantes de contratos de transporte.
Para a ANP, o transportador independente é fundamental para um mercado competitivo. O objetivo da agência é que as áreas de mercado, os hubs, convirjam para uma única área, seguindo os exemplos europeus, podendo chegar a um mercado organizado do tipo bolsa, com contratos padronizados.
A agência vê como pontos fundamentais para um projeto de lei sobre o setor: a mudança no sistema de outorga dos gasodutos do modelo de concessão para o modelo de autorização; o livre acesso à infraestrutura essencial (como gasoduto de escoamento e PGN); a mudança do sistema de outorga de estocagem para o sistema de autorização; e a previsão da realização de programas de gás release associados a programa de capacidade de gás.
Petrobras demanda lei complementar para regra de ICMS
Falando logo após a ANP, Álvaro Tupiassu, gerente geral de Planejamento e Marketing das Operações de Gás e Energia da Petrobras, frisou que a companhia reconhece a necessidade de alterações em todos os elos da cadeia para permitir a transição para um mercado competitivo, mas que acredita já ser possível de início a criação de uma área de mercado única, que aumentaria número de possíveis transações de mercado.
Segundo ele, os pontos principais que demandam atenção na mudança do mercado são a necessidade de harmonizar regras entre os estados e com a União; a necessária desverticalização na distribuição, tornando a gestão independente dos interesses de produtores e consumidores; e a harmonização com o setor elétrico para coordenar os calendários entre o setor de gás e aquele que é o consumidor de cerca de 50% de sua capacidade de produção.
A Petrobras, no entanto, alerta para o que vê como um risco jurídico eminente na mudança do mercado: a necessidade de regras claras para a tributação estadual sobre o gás. Para Tupiassu, a comercialização de gás só consegue ocorrer hoje porque existe um único agente graças às limitações impostas pelas legislação de ICMS.
“Hoje as regras de tributação do ICMS impedem que possa haver comercialização entre agentes sem que a Petrobras esteja presente porque é necessário comprovar que você vendeu para um agente em que seu gás fluiu fisicamente e numa indústria de rede isso não é possível”, afirmou o executivo.
A proposta da Petrobras é que esse ajuste – que não está previsto hoje no PL 6407/2013 – seja feito no Confaz. Mas a companhia alerta para o risco jurídico e sugere aos parlamentares e a mudança na tributação seja prevista em lei complementar na próxima reforma tributária.
Abegás defende consumidor livre e clareza no debate em caso de mudança de regras de contratos
Diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça afirmou que as distribuidoras de gás natural no país tiveram um papel importante na interiorização do gás natural que chegou ao país com o Gasbol, um trabalho que levou oito anos. “As distribuidoras terão também um trabalho importante com o gás natural que virá do pré-sal”, disse.
O diretor da Abegás afirmou também que as distribuidoras precisam estar fortalecidas para fazer frente aos investimentos que serão necessários para interiorizar o gás do pré-sal que chegará na costa. Tentou também desfazer alguns mitos criados e disse que as distribuidoras de gás natural não são contra a abertura de mercado.
“A abertura de mercado favores as distribuidoras já que desobriga da contratação de capacidade e permite uma ação maior das distribuidoras na sua atividade fim. As distribuidoras não têm ganho com a comercialização da molécula. Nós somos a favor da abertura de mercado, mas temos que observar sempre o artigo 25 da Constituição e a preservação dos contratos de concessão”, disse.
Mendonça ainda frisou que considera importantes o desenvolvimento de rotas de escoamento de produção, a criação de gestor técnico de capacidade do sistema, a estruturação de um programa de desenvolvimento de demanda – com novas aplicação de gás natural. Por exemplo em veículos pesados – e de um programa de oferta compulsória de gás, o chamado gas release.
Atgas pede contratos de concessão de 10 anos
Representante das transportadoras, a presidente da Atgas, Luciana Rachid, pediu que o debate sobre o nono mercado vá além da mudança do modelo de outorga e preveja novas formas para planejam a infraestrutura do setor, com previsibilidade e contratos mais longos, de ao menos 10 anos de concessão.
Luciana demandou ainda que uma nova lei traga simplicidade aos processos e dar mais autonomia de atuação aos agentes e com uma mudança gradual e segura e pediu que alterações nos contratos existentes sejam negociadas individualmente.
Consumidores pedem diversidade de transportadores e harmonizações com setor elétrico e entre regras federais e dos estados
Representante da Abrace, Paulo Pedrosa, defendeu que o governo e o Congresso tenham atenção para promover a abertura completa do mercado, da boca do poço ao consumidor final através de um sistema com livre acesso. A prioridade da indústria, afirmou, é a defesa da diversidade de produtores e transportadores e o livre acesso às instalações de transporte, distribuição, beneficiamento e tratamento de gás com tarifas adequadas. A associação também defendeu a harmonização com a questão fiscal dos estados e entre o setor de gás e o setor elétrico.
Mas Pedrosa defendeu que seja criado um mercado secundário de gás com regras sobre provedor de última instância e mecanismos para gestão de riscos. “Esses mecanismos é que vão permitir que um pequeno produtor que tenha um poço possa vender gás para uma planta para usar o gás no seu forno siderúrgico”, disse o executivo, segundo quem, a Abrace mantém a expectativa de que o gás do pré-sal chegue à costa brasileira com preços abaixo de US$ 5 por milhão de BTUs.
A fala de Pedrosa foi semelhante à do presidente da Abraceel, Reginaldo Medeiros, para quem a necessidade de harmonização entre a regulamentação federal e a estadual é um ods pontos consensuais do debate que envolve a Lei do Gás. ” Hoje os estados têm liberdade de regular o consumidor livre mas muitos colocam uma barreira de volume de consumo que , na prática, impede a abertura do mercado”, disse o executivo.
Entre os representantes dos consumidores, , o superintendente da Abvidro, Lucien Belmonte, teve a postura mais dura em defesa da modernização do setor. Ele classificou a aprovação da nova legislação como “o fim do encastelamento de uma série de agentes” e afirmou que há hoje “um abuso da posição dominante da Petrobras”.
Se dizendo crítico da falta de clareza sobre a precificação de gás no Brasil, Belmonte pediu pressa à ANP e ao Cade na mudança de regras infralegais para que se construa um mercado de gás mais saudável.
A crítica aos monopólios que envolvem o setor também foi feita mais tarde pela representante da Firjan, Karine Fragoso, e da CNI, Roberto Pereira. Para Karine, a independência do transportador no novo mercado é essencial e vai ajudar a garantir a demanda para o gás. A harmonização tributária com estados e a harmonização entre o setor de gás e o setor elétrico, além da cobrada desverticalização, são essenciais para destravar o setor e garantir o aporte de mais de R$ 240 bilhões em projetos para o setor no Brasil.
Fernando Figueiredo, presidente-executivo da Abiquim, lembrou que o setor tem o maior déficit da balança comercial brasileira. O maior consumidor de gás do Brasil (com 23% da produção) criticou a “inércia das autoridades brasileiras” com a indústria. Figueiredo fez elogios ao ex-ministro e deputado Fernando Coelho Bezerra (DEM/PE) por incentivar o debate sobre a modernização do setor de gás no país.
Estamos perdendo tempo há uma década. Esta casa aprovou a Lei do Gás em 2009 e não aconteceu nada com o ministério, exceto no curto período do Fernando Bezerra”.
Figueiredo defendeu o trabalho do Congresso na aprovação o artigo 3 da lei 3669, que estabeleceu possibilidade de leilão de óleo e gás, decisão que não foi regulamentada pelo CNPE. “Isso foi covardia do CNPE, sinto dizer”.
90% das posições foram pacificadas no debate, diz IBP
O secretário-executivo do IBP, Luiz Costamilan, defendeu que o debate acerca da Lei do Gás volte a se aproximar do relatório do deputado Marcus Vicente (PP/ES), apresentado ainda em 2017. Segundo ele, o texto pacificava de 80% a 90% das demandas dos atores envolvidos no debate.
Vendo a Lei do Gás como a oportunidade de criar um novo ciclo de desenvolvimento industrial no Brasil, Costamilan destacou a abertura que o texto deve garantir para a competição no setor elogiou também o ex-ministro Coelho Filho (DEM/PE) pela iniciativa do projeto Gás para Crescer.
“Não tivemos nada concreto sendo realizado mas ele teve o grande efeito de permitir ao Congresso uma contribuição decisiva com um amplo debate”, disse o executivo do IBP.