Por que as gigantes do petróleo Shell, BP, Chevron, Exxon ou Total nunca investiram em refino no Brasil?

Greve dos caminhoneiros: desafios do refino no Brasil
São Paulo - A Replan, refinaria da Petrobras em Paulínia entrou em greve neste domingo. O movimento faz parte da greve nacional dos petroleiros, que é por tempo indeterminado (Rovena Rosa/Agência Brasil)

Por que as gigantes do petróleo, Shell, BP, Chevron, Exxon ou Total nunca investiram em refino no Brasil? Porque não podiam ou porque não valia a pena.

Tentarei explicar em mais detalhes este assunto, já que muita gente questiona-se a respeito disso. As gigantes multinacionais do petróleo possuem refinarias por diversas partes do mundo, exceto no Brasil.

Uma série de fatores, historicamente, tornou nosso mercado de refino pouco atrativo: a presença de uma gigante estatal, a interferência do governo no preço dos combustíveis e a menor rentabilidade do refino em relação ao E&P são os principais motivadores para o escasso investimento privado na cadeia de refino brasileira.

Petrobras: a gigante estatal

Quando a Petrobras foi criada em 1953, o refino de petróleo entrou no rol de atividades que constituiria monopólio da empresa. As refinarias privadas em operação naquele ano eram a Refinaria Ipiranga (RS) e a Destilaria Matarazzo (SP).

As demais refinarias privadas – Refinaria de Manaus (AM), Refinaria de Capuava (SP) e Manguinhos (RJ) – entrariam em operação nos meses ou anos seguintes, mas por lei ficaram impedidas de ampliarem suas instalações. Não é difícil imaginar que, tal decisão, as deixariam com pouca relevância em virtude do crescimento do parque de refino estatal.

Com o passar dos anos, a Petrobras ficou com a responsabilidade de construir novas refinarias no país, conforme o consumo por combustíveis aumentasse. E assim o fez. A estatal montou um complexo esquema logístico país afora para atender a demanda em um país continental.

Quando o monopólio legal foi quebrado em 1997, 44 anos depois de ser instituído, o resultado era o seguinte: a empresa detinha 11 refinarias (98% da capacidade instalada de refino), dezenas de navios, terminais marítimos e terrestres, milhares de quilômetros de dutos, entre outros ativos logísticos.

A Petrobras tornou-se uma gigante da área de óleo e gás, que cresceu apoiada nas atividades de refino e distribuição.

Como ingressar hoje no refino de petróleo, se a estatal é proprietária de praticamente toda a infraestrutura envolvida nas atividades? Como concorrer com uma gigante, que possui mercado cativo há décadas? Ainda que por lei não haja mais tal impedimento, é muito difícil entrar em um mercado dominado por um quase-monopólio.

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A interferência do governo nos preços dos combustíveis

Vimos que de 1954 a 1997, somente a Petrobras podia construir refinarias no país. Com a reabertura do mercado de petróleo no Brasil em 1997, porém, esperava-se que novos investimentos privados fossem feitos no setor e, de fato, em pouco tempo, ocorreram alguns movimentos de mercado que reforçavam as expectativas inicialmente imaginadas.

O grupo Repsol YPF, por exemplo, adquiriu parte do controle da refinaria de Manguinhos. Mais tarde, adquiriu 30% de uma das refinarias da Petrobras, no Rio Grande do Sul. Além disso, as refinarias de Manguinhos e Ipiranga propuseram à ANP planos de ampliação das suas unidades.

Duas novas refinarias privadas surgiram, a Univen (SP) e a Dax Oil (BA).

A reestruturação do setor e a livre concorrência pareciam estar de fato surtindo o efeito planejado com o fim do monopólio e seria uma questão de tempo para atrair as gigantes multinacionais para o setor.

Porém, os anos seguintes mostraram que as dificuldades para as refinarias privadas no país seguiram imensas, sendo a interferência do governo nos preços dos combustíveis um dos principais motivos de tais dificuldades. Para mais detalhes, sugiro que você leia o texto Os desafios do refino privado de petróleo no Brasil.

O controle de preços é um subterfúgio muito comum em épocas de crises econômicas e o Brasil já experimentou isso muitas vezes ao longo da sua história. Os preços dos combustíveis foram tabelados e perduraram durante o monopólio da Petrobras à frente do refino.

Quando o mercado brasileiro de óleo e gás foi reaberto às práticas de livre concorrência e de flutuação de preços, o barril de petróleo custava próximo de 20 dólares. Com o óleo relativamente barato, a política de preços livres funcionou bem e assim permaneceu até meados de 2003.

Uma impressionante escalada nos preços internacionais da commodity (Figura 1) nos anos seguintes pressionaram a economia brasileira, de tal forma que em 2008 a cotação do barril de petróleo alcançava inimagináveis 100 dólares. Um prato cheio para o governo interferir no setor. As Figuras 2 e 3 demonstram as cotações do GLP e da gasolina, respectivamente, para ilustrar a defasagem de preços registrados a partir do final de 2003.

Figura 1 – Preços médios do petróleo Brent de 1997 a 2008

Fonte: elaboração própria, baseado em BP, 2018

Figura 2 – Evolução das cotações do GLP de 2002 a 2008

Fonte: MME, 2008

Análise do gráfico: observa-se que de 2004 a 2008 o preço interno (PI) do GLP residencial e industrial se manteve abaixo da cotação internacional, demonstrando o subsídio estatal para esse combustível, no referido período.

Figura 3 – Evolução das cotações da Gasolina de 2002 a 2008

Fonte: MME, 2008

Análise do gráfico: observa-se que em diversos e longos períodos o preço interno (PI) da gasolina esteve abaixo da cotação internacional. Embora em alguns momentos o preço interno tenha sido maior do que o importado, é nítida a percepção de que ele esteve muito mais tempo sob o subsídio da estatal.

Os preços dos derivados artificialmente mantidos abaixo das cotações de referência ocorreram por interferência do governo federal na Petrobras. Como sócio majoritário da empresa, o governo não autorizava os reajustes de preços.

Diferentemente do passado, não houve tabelamento de preços, a estatal é que fora usada para manter os preços estáveis, com enorme prejuízo ao caixa da companhia.

Com a Petrobras subsidiando preços, nenhum grande refinador privado entraria no mercado para perder dinheiro. Além disso, os poucos refinadores privados existentes foram a bancarrota.

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Rentabilidade do refino versus E&P

Quando uma empresa de petróleo vai fazer investimentos, o dinheiro pode ser alocado em diferentes projetos com rentabilidades muito distintas. Atividades de maior risco costumam oferecer maior lucro. É exatamente por envolver maior risco e custo, que a atividade de exploração e produção de petróleo (E&P) oferece o maior retorno, quando comparado ao refino.

No segmento de E&P você muitas vezes perfura um poço, que custa milhões de dólares e ele se mostra seco ou subcomercial, mas ali adiante pode haver uma reserva que renderá centenas de milhões de dólares.

No refino, uma vez que se conheça a demanda por derivados, o risco é baixo, bem como o lucro. A produção de petróleo costuma ter margens de dezenas de dólares por barril produzido, enquanto no refino o lucro médio costuma ser de algumas dólares, quando não é negativo. Uma análise sobre o balanço da Petrobrás de 2007 a 2017 demonstra bem isso (Figura 4).

Figura 4 – Lucro líquido Petrobrás por segmento de 2007 a 2017

Fonte: elaboração própria, a partir de relatórios anuais Petrobras

Observa-se que de 2007 a 2014, o lucro por barril do E&P da Petrobrás foi muito superior ao do refino. De 2011 a 2014 a estatal voltou a praticar preços dos combustíveis abaixo da cotação do petróleo, o que justifica o grane prejuízo líquido por barril no refino no período. Curiosamente, em 2015 e 2016 o refino teve maior lucro do que o E&P, em função da queda dos preços do petróleo (Figura 5).

Figura 5 – Preços médios do petróleo Brent de 2013 a 2017

Fonte: elaboração própria, baseado em BP, 2018

A pergunta que os executivos do petróleo se fazem o tempo todo é: “onde iremos alocar nossos recursos financeiros?”.

A escolha quase sempre será naqueles projetos cuja rentabilidade é maior. Assim, o segmento de E&P costuma ficar com a maior parte dos investimentos. As multinacionais como Shell, BP, Total, Chevron e Exxon estão presentes na produção de petróleo no Brasil, mas não no refino muito também em função disso.

Os riscos associados ao refino, bem como menor margem de lucro, afastam as empresas de investir neste segmento no país.

Diante do que foi descrito ao longo deste artigo, é possível perceber que os principais motivos pelos quais as grandes empresas privadas não tiveram interesse pelo refino de petróleo no Brasil são variados.

A presença da Petrobrás como proprietária de quase toda a infraestrutura de refino, a interferência estatal nos preços dos combustíveis e a possibilidade de investir em segmentos mais rentáveis, fizeram com que o refino privado de petróleo não decolasse, contrariando o que se vislumbrava com a quebra do monopólio em 1997.

O Brasil precisa de mais refinarias e infraestrutura logística, segundo sinaliza a Agência Nacional do Petróleo (ANP), e o investimento privado é bem-vindo, necessário e aliviaria o caixa da Petrobras dessa obrigação, além de trazer novos players para a área.

Para atrair o investimento privado, contudo, são necessárias regras claras, acesso ao mercado consumidor e liberdade de preços para todos os atores envolvidos, inclusive para a Petrobras.

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REFERÊNCIAS

(BP). BP Statistical Review of World Energy 2018. Disponível em: https://www.bp.com/statisticalreview. Acessado em julho de 2018.

MINSTÉRIO DE MINAS E ENERGIA (MME). Relatório do Mercado de Derivados de Petróleo. Brasília: MME, 2008.