Os detalhes da denuncia de Renato Duque que liga Lula aos contratos da Sete Brasil

O ex-diretor da Petrobras, Renato Duque, presta depoimento em CPI na Câmara dos Deputados  ( Marcelo Camargo/Agência Brasil)
O ex-diretor da Petrobras, Renato Duque, presta depoimento em CPI na Câmara dos Deputados ( Marcelo Camargo/Agência Brasil)


Atualizada às 18h01 com a posição da Enseada Indústria Naval
Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, deu um novo depoimento ao juiz Sérgio Moro nessa sexta-feira (3). Afirmou ter sido informado que o acordo para pagamento de valores relativos às sondas da Sete Brasil incluía repasses à Antônio Palocci para o ex-presidente Lula, além de pagamentos à José Dirceu, ao PT e à ex-executivos da Sete Brasil. O ex-presidente Lula e o ex-ministro Palocci estão presos na Polícia Federal em Curitiba.
O ex-ministro José Dirceu, condenado a mais de 30 anos de prisão pela Lava Jato por crimes de corrupção passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro, foi beneficiado por uma decisão da  Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) e aguarda em liberdade o julgamento dos recursos. 
O depoimento foi feito na ação penal relativa ao pagamento de propinas dos contratos das 21 sondas contratadas originalmente com a Sete Brasil, posteriormente, alterado para 28 unidades. Condenado há cinco anos em outros processos, Duque não assinou termo de colaboração neste caso.
Os valores pagos, segundo Duque, seriam relativos a 1% do valor dos contratos da Sete Brasil com os estaleiros. A intermediação foi feita por Pedro Barusco, à época o diretor da Sete Brasil que estava à frente das negociações para construção das sondas.



Entenda o caso
A Sete Brasil foi criada pela direção da Petrobras no rastro do anúncio da descoberta do pré-sal, feito pela estatal em novembro de 2007, e demanda de perfuração de poços para o desenvolvimento da produção da região.  Em fevereiro de 2011, depois diversas reuniões com estaleiros nacionais,  Petrobras aprovou a contratação do estaleiro EAS, controlado por Camargo Corrêa, Queiroz Galvão e a sul-coreana Samsung Heavy Industries, para a construção no Brasil de um lote de sete sondas de perfuração por US$ 4,637 bilhões. 
Em junho do mesmo ano, a Petrobras aprovou a realização de licitação para a contratação de mais 21 sondas de perfuração. A licitação foi vencida pela empresa Ocean Rig, mas acabou cancelada pela diretoria da Serviços da estatal, na época comandada pelo próprio Duque. Um ano depois, a Petrobras decidiu contratar 26 sondas, 21 com a Sete Brasil e 5 com a Ocean Rig. Seis meses depois a estatal decidiu cancelar o contrato com a Ocean Rig. O motivo: eram preciso menos sondas do que o estimado. 
Os contratos da Petrobras para a construção das sondas foram repassados para a Sete Brasil. Executivos da Petrobras, da Sete Brasil, políticos e representantes comerciais já foram condenados pelo recebimento de propina na contratação da construção das sondas de perfuração. Atualmente, a Sete Brasil tenta aprovar um plano de recuperação judicial após um acordo com a Petrobras que prevê o cancelamento do fornecimento de 24 das 28 sondas e manutenção do contrato de quatro sondas, que estão à venda pela Sete Brasil. Os credores da empresa, que deve R$ 17,2 bilhões, se reúnem no próximo dia 14 para discutir pela décima terceira vez o plano de recuperação da empresa, que está em pauta desde dezembro de 2016 e ainda não foi aprovado. 
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E como ficaram os contratos da Sete Brasil?
11/02/2011 – A Petrobras informa que aprovou a contratação do estaleiro EAS para a construção no Brasil do lote de sete sondas de perfuração por US$ 4,637 bilhões. É é o primeiro lote de sete sondas de um total de 28 unidades que a Petrobras vai contratar para seu programa de perfuração de longo prazo, que tem foco nas áreas do pré-sal. No pacote fechado com o EAS, cada sonda terá custo de 662 milhões de dólares e a construção será realizada em Pernambuco.
22/11/2011 – A Keppel Offshore & Marine anunciou que firmou um contrato de US$ 809 milhões com a Urca Drilling BV, uma subsidária da Sete Brasil Participações, para desenvolvimento e construção de uma sonda semi-submersível.  O equipamento, que deve ser entregue no quarto trimestre de 2015, dará suporte à exploração de reservas estimadas de 50 bilhões de barris de petróleo e gás em águas profundas, de acordo com comunicado da Keppel.
07/02/2012 – A Sembcorp Marine assinou contrato de US$792,5 milhões com a Guarapari Drilling B.V, Netherlands, uma subsidiária da Sete Brasil Participações S.A. (Sete Brasil), para a criação e construção de navio-sonda baseado no modelo do Jurong Espadon, de propriedade da Jurong Shipyard, a ser construído no Estaleiro Jurong Aracruz. Agendado para ser entregue até começo de 2015, o navio-sonda para águas profundas fará parte de uma série de navios sonda a serem construídos no Brasil, em função da descoberta de petróleo e gás nos gigantes campos de pré sal.
10/02/2012 – A Petrobras anunciou acordo para contratar 26 navios-sonda de perfuração pelas quais pagará US$ 75,938 bilhões de aluguel durante 15 anos. As unidades serão construídas no Brasil por encomenda das empresas Sete Brasil e Ocean Rig, que se encarregarão da operação das embarcações durante os 15 anos do contrato com a Petrobras, informou a companhia petrolífera em comunicado. Foram aprovadas 21 sondas com a Sete Brasil pelas quais pagará um aluguel diário médio de US$ 530 mil cada uma. O acordo com Ocean Rig prevê o aluguel de cinco sondas a um preço médio diário de US$ 548 mil a unidade.
12/04/2012 – A Keppel Offshore & Marine Ltd informou hoje que assinou uma carta de intenções com a brasileira Sete Brasil Participações para concepção e construção de cinco plataformas semi-submersíveis de perfuração. O valor total dos contratos, se a carta de intenções for bem sucedida, pode chegar a US$ 4,2 bilhões.A assinatura ocorreu por meio de subsidiárias da Keppel, a Keppel FELS Brasil e o Estaleiro BrasFELS.
26/04/2012 – O Estaleiro Enseada do Paraguaçu (EEP), projeto da Odebrecht, OAS e UTC na Bahia, assinou carta de intenção com a Sete Brasil para construir seis navios-sonda utilizados em perfuração de poços de petróleo, em encomenda de US$ 4,8 bilhões. O estaleiro também acertou contrato de licenciamento com a holandesa Gusto, que vai fornecer o projeto das sondas, e está em fase adianta de negociações, embora não fale sobre o assunto, com a japonesa Kawasaki para tê-la com sócia estratégica.
08/08/2012 – O Estaleiro Jurong Aracruz fechou contrato de aproximadamente US$ 4 bilhões com a Sete Brasil para sondas de alta tecnologia e além disto, a Sembcorp Marine, controladora do Estaleiro Jurong Aracruz, anunciou a assinatura de um contrato de US$ 792.5 milhões para o design e construção de uma sonda junto a perfuradora Guarapari B.V. Holandesa, uma subsidiaria da Sete Brasil. Todas as seis sondas vão ser construídas com base em Aracruz. Programados para serem entregues entre 2015 e 2019, as sondas serão fretadas para a Petrobras por 15 anos. De seis sondas, três serão operadas por ODFJELL e as outras três pela Seadrill.
29/11/2012 – A Petrobras anuncia que cancelou a contratação de cinco sondas de perfuração do pré-sal que seriam feitas pelo Grupo Ocean Rig. A estatal disse que a decisão ocorreu devido à redução no número de poços a serem perfurados no pré-sal, na Bacia de Santos, devido à produtividade que vem sendo obtida por poços em desenvolvimento atualmente.
Qual o processo?
Depoimentos fazem parte do processo 5050568-73.2016.404.7000, em que o MPF acusa de crimes de corrupção passiva, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto; ex-diretor da Petrobras, Renato Duque; os ex-diretores da Sete Brasil, Eduardo Musa e Pedro Barusco; o ex-presidente da Sete Brasil, João Carlos de Medeiros Ferraz; e Guilherme Esteves de Jesus, que prestou serviço para Jurong no Brasil. É decorrente da 35.ª fase da Lava Jato, a Omertá.

Por meio de Vaccari, Duque diz ter sido informado que parte da propina seria para Lula
Duque afirma que João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, chegou com a informação de Antônio Palocci de que 2/3 da propina seria do partido, o que incluía participação de José Dirceu e do ex-presidente Lula no rateio.

Duque diz que foi a primeira vez que testemunhou este rateio – tradicionalmente, a propina era dividida meio a meio entre os executivos da Petrobras e o membros do partido. Pedro Barusco teria tentado manter a divisão por igual, mas a decisão final foi de Palocci.
Palocci teria afirmado à Barusco que ele só estava no cargo da Sete Brasil “porque o partido apoia, se não concordar, vai ser tirado”. O dinheiro era desviado dos contratos assinados entre Sete Brasil e os estaleiros.
Palocci cuidaria da parte de Lula, paga pelas empreiteiras da Bahia
Por meio de Vaccari, Duque foi informado que Palocci seria o responsável por administrar a parte de Lula. Afirma que foi acordado que os pagamentos seriam divididos por estaleiro, ao invés de recolher toda a propina e depois fazer o rateio.

Assim, após conversa com Palocci, a parte de Lula seria de responsabilidade do Estaleiro Enseada do Paraguaçu (EEP), das empreiteiras Odebrecht, OAS e UTC. O consórcio foi também responsável pela construção das sondas P-59 e P-60, construídas no Estaleiro de São Roque do Paraguaçu, e recentemente vendidas pela Petrobras para o Grupo Roman.  A Engevix, controladora do Estaleiro Rio Grande, seria responsável pelos repasses à José Dirceu. E o Estaleiro Atlântico, de Sul, da Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, fariam os repasses ao PT – Duque não entra em detalhes quanto aos usos da parte do partido. 
“Lula, quem cuidaria seria Palocci. Zé Dirceu receberia através da Engevix, o agente seria o Milton Pascowicht, e o partido seria por conta do Vaccari”, afirmou Duque.
Como andam as empreiteiras?
A Advocacia-Geral da União (AGU) e o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) assinaram no começo do mês passado acordo de leniência com a Odebrecht por desvios de recursos da União e de empresas estatais federais. O acordo é sigiloso e prevê o recebimento de R$ 2,7 bilhões pela União, que serão pagos ao longo de 22 anos. Os valores serão reajustados pela taxa Selic e poderão chegar a R$ 6,8 bilhões até o fim do prazo, de acordo com estimativas dos órgãos
Em junho de 2016, o Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu declarar a inidoneidade da empresa Engevix  por causa de irregularidades em licitações e na execução dos contratos para a elaboração dos projetos executivos da Usina  Angra 3. A empresa não poderá participar, por cinco anos, de licitações da administração pública federal.
A UTC Engenharia, de Ricardo Pessoa, um dos empresários que possuem acordo de colaboração premiada, teve sua recuperação judicial aprovada na última quarta-feira pelos seus credores. A empresa terá 22 anos para pagar suas dívidas, que somam mais de R$ 3 bilhões.
Pagamentos eram feitos à Barusco, mas outros levariam uma parte
Duque detalhou que o pagamento do que chama de “casa”, os valores que ficariam entre os executivos, que não ia para os políticos, seria paga pela Keppel, dona do estaleiro Brasfels, e pela Jurong, controladora do Estaleiro Jurong Aracruz (EJA). Corresponde a 1/3 do 1% dos contratos. Em dezembro do ano passado, a KeppelFels fechou acordo de leniência com previsão de multa de R$ 1,4 bilhão a ser paga como ressarcimento aos cofres públicos de irregularidades no âmbito de esquemas de corrupção na Petrobrás. O acordo ainda é analisado pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.

Duque disponibilizou uma conta em Milão para receber valores, e assim teria direito a 10% do valor. Confessou ter recebido em torno de US$ 3,8 milhões. Também ficou definido que R$ 1 milhão fosse pago à Roberto Gonçalves.
“[Gonçalves] foi o gerente-executivo que substituiu Barusco. Falei que seria razoável que recebesse alguma coisa”. Questionado por Moro sobre o motivo desse pagamento, Duque afirmou: “digamos que fosse um reconhecimento pelo o que ele tinha feito, não teve nenhum motivo a mais”. Gonçalves está preso e assinou acordo de delação.
Eduardo Musa confirmou que recebeu valores, em torno de US$ 1,5 milhão. Afirmou que entrou no esquema após a decisão de Pedro Barusco se aposentar. Musa assumiu o cargo e parte das comissões.
Pagamentos à Duque foram feitos após saída da Petrobras
Renato Duque afirmou que queria deixar a Petrobras antes de 2012, mas houve um pedido do PT, por meio de João Vaccari, para que ele permanecesse na diretoria até o fechamento dos contratos.

Segundo Guilherme Esteves, à época, intermediador da Jurong no Brasil nas negociações com a Sete Brasil, os pagamentos foram acertados com Pedro Barusco. Esteves afirma que, posteriormente ao acordo com Barusco, ele tomou conhecimento que os repasses envolviam Duque e Eduardo Musa, também da Sete Brasil.

Ninguém é claro quanto aos motivos do pagamento
Questionado por Moro sobre quais contrapartidas para os estaleiros, Duque afirma que era uma questão “institucionalizada”, termo que é utilizado por diferentes depoentes e delatores desde o início da operação Lava Jato. “Era institucionalizado, não foi uma invenção. Se houve contrapartida, que eu saiba não”, afirma Duque.

Mas Barusco teria aceitado pagar ao PT, inclusive, a maior parte dos valores, porque era o partido quem bancava o cargo dele na Sete Brasil. Os acionistas da empresa são a Petrobras, BTG Pactual, Bradesco, Santander e os fundos Petros, Previ, Funcef, FGTS, por meio do FIP Sondas, EIG, Lakeshore, Luce Venture Capital e Valia.
De acordo com Guilherme Esteves, contratado pelo Jurong para intermediar os contratos das sondas com a Sete Brasil, havia uma “mensagem subliminar” de que os valores deviam ser pagos para evitar dificuldades nas negociações. O pedido do valor, segundo Esteves, foi eito diretamente por Pedro Barusco.
“Barusco era a pessoa que sentava do outro lado da mesa e negociava com a gente. Fiquei receoso de ser prejudicado na negociação e acabei cedendo”, afirmou Esteves. Moro questionou se houve ameaças de Barusco e Esteves negou.
“Eu paguei as comissões porque ele [Barusco] pediu”, afirmou Esteves, que também negou ter negociado com Vaccari o pagamento de propinas ou doações ao partido.
Nesta sexta, Eduardo Musa, ex-diretor da Sete Brasil e aposentado da Petrobras, este sim, com acordo de delação premiada, também afirmou não ter conhecimento de contrapartidas para os estaleiros. O ex-diretor da Sete Brasil confirmou recebimento de propinas e as divisões de valores com o PT.
“Talvez herdaram da Petrobras essa maneira de trabalhar. Quando cheguei, todos os contratos estavam assinados (…) não teve benefício [aos estaleiros] que eu pudesse ter participado”, disse Musa.
E como foi a negociação das sondas?
O MPF também acusa os envolvidos de ter havido um aumento no preço das sondas que foram transferidas do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), em contratação direta com a Petrobras, para a Sete Brasil. A investigação é na linha de que a transferência do contrato teria sido motivada por superfaturamento para bancar o pagamento da propina.

Os depoentes negam. Guilherme Esteves avaliou no depoimento que o aumento nos valores dos contratos, da ordem de 7%, se deu por mudança no escopo das sondas e de condições do mercado.
De acordo com Duque, os contratos eram diferentes.  Ele acrescentou que as condições da oferta da EAS levaram em consideração o fato de o estaleiro estar construído – já tinham garantido obras de navios para a Transpetro, do Promef. Duque informou que a direção do EAS teve conhecimento da proposta de concorrentes e ofertou uma menor, com margens apertadas. Esse contrato foi fechado em 2011, por US$ 4,63 bilhões.
A Petrobras contratou um pacote de sete sondas com o EAS e o plano era a petroleira operar as unidades, que seriam próprias. Posteriormente, com a criação da Sete Brasil e a contratação das 21 sondas afretadas, o pacote de sete sondas inicial foi transferido para a Sete Brasil, que operaria, também no modelo de afretamento.
Duque afirmou que dado o porte do projeto e custo de implantação dos estaleiros, já existia um conhecimento de quais empresas seriam capazes de assumir os contratos da Sete Brasil, no caso as grandes empreiteiras – envolvidas nos esquemas de propina, formação de cartel e corrupção investigados pela Lava Jato.
O que dizem os acusados
Ao Estadão, o advogado de José Dirceu, Roberto Podval afirmou que o depoimento de Duque é falso: “diante da situação em que se encontra Renato Duque é absolutamente compreensível, que depois de anos de prisão, diga o que seus acusadores gostariam de ouvir”.
Lula também nega, diz que Palocci nunca foi representante para receber valores. João Vaccari nega todas as acusações. O ex-tesoureiro depôs nesta sexta (3), mas recorreu a seu direito de ficar em silêncio.
A Enseada Indústria Naval S.A. afirmou que todos os seus contratos foram celebrados na mais estrita conformidade com a lei. A relação entre o estaleiro Enseada e seus clientes sempre foi pautada na ética e na transparência, seguindo os mais elevados padrões de conduta e excelência operacional com foco na qualidade e cumprimento das condições acordadas em contratos. A Enseada é uma empresa autônoma e com gestão independente, com uma sólida estrutura de Conformidade, sempre pautada na atuação firme na prevenção, detecção e remediação dos riscos de não conformidade.