JUIZ DE FORA — O Brasil pode movimentar até R$ 180 bilhões em investimentos privados com projetos de recuperação energética, capazes de tratar 49% dos resíduos sólidos urbanos (RSU) do país.
A estimativa foi apresentada pelo presidente da Associação Brasileira de Recuperação Energética de Resíduos (Abren), Yuri Schmitke, que defende o aproveitamento da fração não reciclável do lixo como alternativa ao modelo baseado em aterros.
“Esse é o grande foco da nossa associação, não é pegar pequenas áreas, é pegar realmente as regiões metropolitanas que podem fazer a recuperação energética”, defendeu em entrevista ao estúdio eixos, na quinta-feira (3/7), durante a EVEx Brasil 2025, em Natal (RN).
Segundo Schmitke, o Rio Grande do Norte pode atrair até R$ 2,5 bilhões em investimentos com usinas térmicas e biodigestores a partir do lixo urbano, em uma rota semelhante à já adotada por estados como São Paulo e Distrito Federal.
“É um potencial que dá para desenvolver o estado [RN], que é protagonista em energia renovável. Por que também não transformar em energia renovável os seus resíduos não recicláveis?”
“Eu conversei recentemente com a governadora [Fátima Bezerra], então a gente espera ter uma reunião com a secretaria, para incentivar eles aqui também seguir esse rumo”, afirmou.
Modelo paulistano inspira municípios
No modelo defendido pela Abren, apenas a fração não reciclável dos resíduos é destinada às usinas, com separação prévia por reciclagem e coleta seletiva.
“A maior parte dos materiais não são recicláveis, na prática, e tem muito poder calorífico. Então eles já são suficientes para dar a combustão térmica em cogeração, para gerar energia limpa e renovável”.
A proposta inclui também o uso de resíduos orgânicos da agropecuária para produção de biogás e biometano.
Projetos como a Uri Barueri, em São Paulo, estão em construção com energia contratada via leilão regulado. Outros empreendimentos na capital paulista têm avançado com contratos firmados diretamente com a prefeitura, incluindo a EcoUrbis e a Loga.
No Distrito Federal, está em estruturação uma concessão de R$ 3,1 bilhões para tratar todo o lixo urbano da região, onde a destinação em aterros estará proibida a partir de 2034.
“Foi proibido enterrar lixo a partir de 2034, com metas progressivas, então o governo vai ter que achar uma solução, e essa é a única solução mesmo”.
Desafio dos aterros
A Abren articula no Congresso um marco regulatório específico, com foco no Projeto de Lei 924/2022, na Câmara — no Senado, PL 1202/2023 —, que institui o Programa Nacional da Recuperação Energética (PNRE).
Schmitke afirma que o modelo pode ser replicado por consórcios de municípios, sobretudo nas 28 regiões metropolitanas que concentram quase metade dos resíduos do país.
“Representam 49% do lixo do Brasil, e que a gente pode chegar nesses 180 bilhões de investimentos”, diz.
Para Schmitke, o avanço da legislação é essencial para destravar o setor, diante de normas estaduais restritivas, como a de Minas Gerais.
“Minas Gerais é o único estado do Brasil que proíbe a recuperação energética, contrariando a lei federal, ou seja, é uma norma inconstitucional de um lobby”, critica.
Segundo ele, ironicamente, é justamente o deputado mineiro do Júnior Amaral (PL) o candidato à relatoria do PNRE, com o apoio da Abren, que espera o protagonismo do parlamentar nesse debate.
Metano Zero
Além do marco legal, a Abren propõe a criação de instrumentos de mercado para valorizar o corte de metano, um dos gases de efeito estufa mais potentes.
A entidade apresentou ao Senado a proposta de um certificado de origem chamado Metano Zero, nos moldes do Certificado de Garantia de Origem do Biometano (CGOB) — criado pela Lei do Combustível do Futuro, voltado para a energia elétrica gerada a partir do biogás.
“Ela [eletricidade a parir do biogás] descarboniza de 10 a 15 vezes mais do que as outras fontes. Isso precisa ser precificado corretamente”, reforça.
“O biogás, por exemplo, ele pode ser reservado em um gasômetro por até 24 horas, então eu posso reservar no gasômetro durante o período que eu tenho muita geração solar e despachar esse biogás nos outros momentos. O biogás surge como uma complementariedade às energias renováveis no Brasil”, completa o presidente da Abren
Biogás para geração na COP30
O Brasil se comprometeu, na COP26, a cortar 30% das emissões de metano até 2030, e reiterou a meta na COP29, inclusive reduzindo o volume de resíduos não recicláveis em aterros sanitários.
A Abren, segundo Schmitke, pretende apresentar na COP30 uma proposta conjunta com a European Biogas Association para ampliar os incentivos ao biogás no setor elétrico.
A iniciativa faz parte de uma cooperação firmada por meio do projeto European Union Climate Dialogues, já implementado no Brasil. A proposta será acompanhada de uma carta elaborada com o WTRT, braço acadêmico da associação com sede na Universidade Columbia e atuação em 30 países.
“Pretendemos endereçar uma carta em nome do WTRT para reforçar o papel da recuperação energética no contexto global da mitigação de gás de efeito estufa”.
Judicialização pode comprometer reforma do setor
O dirigente também fez críticas à reforma do setor elétrico. Para ele, a retirada dos descontos de uso do fio (TUSD) para geradores contratados no mercado livre pode ser judicializada.
“O desconto do fio foi estabelecido no ato de uma outorga, no contexto de uma outorga, então, para você garantir o seu investimento, você calculou o seu retorno financeiro no ato de uma outorga”.
Ele afirma que a mudança “fere um direito adquirido, o princípio da irretroatividade das normas”.
Schmitke defende que a recuperação energética seja tratada como parte da política de saneamento, e não apenas como fonte de energia. “Saneamento básico do resíduo urbano não é simplesmente enterrar, essa é uma solução transitória para o Brasil.”