A recuperação da mistura obrigatória de 13% de biodiesel (B13) no diesel B ficará atrelada à cotação do óleo de soja, principal matéria-prima do biocombustível no Brasil, no entendimento de André Nassar, presidente da Abiove, associação que representa o setor de óleos vegetais e biodiesel.
“Acho que o governo pode subir esse mandato caso ele conclua que o preço do óleo vegetal está caindo. Na minha visão, [o governo] condicionou o aumento da mistura a uma redução do preço do óleo vegetal”, diz.
Nesta entrevista à epbr, Nassar afirma que a preocupação do governo em relação aos impactos do biodiesel no preço do diesel é o principal desafio para o setor, embora seja uma variável que foge do controle dos produtores.
“[O óleo vegetal] é uma commodity com preço formado no mercado internacional. Então o governo está usando uma variável que os produtores não têm controle”, critica.
“Se colocasse uma variável que nós temos controle dizendo ‘se vocês forem melhores nisso ou naquilo, a coisa muda’ seria outra realidade. Mas a realidade não é essa. Então, se não houver mudança no preço do óleo vegetal, a chance de o governo querer manter o B10 é muito grande e evidentemente o setor não vai aceitar isso”.
Ele explica que o trabalho do setor está focado na recuperação da mistura B13 no leilão que será realizado em agosto para abastecer o mercado em setembro e outubro, o L81.
“Nós vamos fazer o trabalho político necessário visando recuperar o B13 no L81”.
Nassar defende que a flexibilidade do mandado do biodiesel respeite ao menos um piso para a mistura obrigatória; e que em casos de mudança na política, seja estabelecido um cronograma para voltar aos patamares originais.
Na Câmara dos Deputados há um projeto que determina a progressão da mistura em lei, o que poderia retirar o poder do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de alterar a mistura livremente. Outra proposta similar foi apresentada pelo líder do governo Bolsonaro, Ricardo Barros (PP/PR) para o diesel verde.
Além disso, a Abiove enxerga um cenário de exportações crescentes de óleo de soja, portanto, cobra uma sinalização mais clara do governo sobre qual será o mandato até o final do ano para que as empresas produtoras de óleo possam planejar a destinação do produto.
Segundo Nassar, a recente decisão de reduzir o mandato do biocombustível para 10% terá implicações tanto no mercado de soja, no curto prazo, quanto na sobrevivência de usinas, no médio prazo.
“Muitas empresas ainda estão com capacidade ociosa elevada e não conseguiram vender no último leilão”.
Veja a entrevista completa com André Nassar
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Formação de preços sem desequilibro de mercado
Na visão de Nassar, é incorreto usar a mistura de biodiesel para ajustar o preço do diesel. O executivo defende que, diante da alta dependência do frete rodoviário na economia brasileira, os supridores deveriam amortizar as variações de curto prazo, dando mais tempo para a internalização dos preços internacionais dos combustíveis.
“Nós temos que trabalhar em um mercado livre e acompanhar o mercado internacional de petróleo. Mas as oscilações devem ser amortizadas para dar tempo de o mercado de frete incorporar o aumento”, diz.
Para o executivo, a solução do fundo para amenizar o impacto dos preços internacionais, em desenvolvimento pelo governo federal, deveria ser aplicada em momentos de forte oscilação, para proteger o caixa dos refinadores.
“A primeira coisa: o foco não pode estar no nível de preço. Um dia o petróleo pode chegar a 150 [dólares]. Se tiver câmbio a 6 [reais], não tem como ter diesel a 3,50 na bomba. Não adianta controlar nível de preço. Isso já foi tentando com a gasolina e deu muito errado”.
Neste sentido, defende que o ideal é não ser criada uma regra geral para aportes no mercado.
“Idealmente, não deveria ter fluxo de recurso. O ideal é ter uma sistemática de amortecimento da variabilidade. [Mas] em um momento que coincide preço de petróleo subindo com câmbio desvalorizado, só o amortecimento não vai ser suficiente. Aí, entendo que deveria existir algum tipo de aporte financeiro”.
“A solução via um fundo para amortecer, sem prejudicar o fluxo de caixa das refinarias, é uma boa solução”, completa.
Nassar acredita que o plano de venda das refinarias, inclusive, não seria um obstáculo para que os supridores adotem essa prática de amortização de preços, em cenário normais de variação.
“Entendo que uma Petrobras, mesmo quando tiver 50% do mercado de refinaria – e não sendo um mecanismo de intervenção, mas um mecanismo de amortização da variabilidade –, consegue fazer e os demais agentes vão acompanhar”.
Ele ressalta contudo, que independente da saída, é preciso encarar a redução da carga tributária nos estados.
“Outra coisa: tem uma carga elevada na gasolina e no diesel, um pouco menor, de ICMS. Seria salutar chegar a uma solução negociada com os estados para nivelar a carga tributária na gasolina, que é mais alta, e no diesel em nível compatíveis com outros setores da economia.”
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Soluções em estudos
Há vários modelos em estudo, mas o governo não apresentou o formato final da proposta. A princípio, o Ministério de Minas e Energia trabalha com a hipótese de um fundo ser constituído para aportar recursos no mercado nos momentos de alta de preços, quando também aumenta a arrecadação com tributos e receitas advindas da indústria de petróleo.
Outras áreas do governo, com a Ecocomia e a Casa Civil atuam no tema.
No direção contrária, nos ciclos de baixa, o benefício pode ser retirado para preservar o fundo. Um exemplo de aplicação desse tipo de política foi o subsídio de 2018, de Michel Temer, em resposta à greve dos caminhoneiros.
Na época, foi subsídio direto, com aporte do Tesouro Nacional, o que passa longe dos planos das equipes técnicas do governo federal.
Mas a operação do subsídio foi feita pela ANP junto aos supridores. A Petrobras e outros supridores, incluindo a importação, vendiam o diesel mais barato e depois recebiam a diferença a partir da definição de um preço-teto regulado pela agência.
Se a ideia vingar, uma preocupação é como tornar esse processo mais rápido, para minimizar o impacto no fluxo de caixa – e evitar a concentração de mercado em empresas financeiramente mais robustas.
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O setor passa por mudanças estruturais.
Uma das reformas em curso no mercado de biodiesel é a forma de comercialização, que vai migrar do modelo de leilões públicos bimestrais para contratação direta entre produtores e distribuidoras.
Nassar considera que o prazo estabelecido pelo governo para a migração — até janeiro de 2022 — é insuficiente e a proposta apresentada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) engessa a atividade dos produtores e pode ameaçar o abastecimento.
“Antes de vender eu vou ter que comprovar para a ANP que no próximo bimestre eu já tenho contratos com distribuidoras para entregar 80% do volume. Isso praticamente engessa a atividade do produtor, porque ele não tem a possibilidade de olhar para o mercado”, diz, sugerindo um percentual menor de volume obrigatório.
Outra crítica é em relação à quantidade de usinas que ficarão obrigadas a comprovar a entrega dos 80%. Pela regra da ANP, apenas produtores que tiverem 3% de participação de mercado estarão sujeitos à obrigação. A própria ANP identificou que, partindo dessa regra, treze produtores estão posicionados para responder pelo abastecimento de biodiesel.
“O setor é relativamente pulverizado e muitas empresas vão ficar abaixo dos 3%. Essas empresas, provavelmente, vão ter uma vantagem de mercado em relação às que que ficaram acima”, analisa.
Ele acredita ser possível uma migração para o mercado livre se a transição acontecer “de forma organizada e sem prejuízos na mistura”.
“Mas com muito atropelo, redução de mistura e se a gente não resolver a questão tributária, o impacto sobre a produção de biodiesel vai ser muito grande e pode desorganizar o mercado”, completa.
No início do mês, a ANP enviou as informações sobre o modelo proposto para o Confaz, o conselho de secretários responsável pela definição das regras de ICMS nos estados.
A precaução do setor é com o aproveitamento de créditos tributário, que hoje são incorporados nas operações feitas por meio da Petrobras, intermediária nos leilões regulados de biodiesel.
A proposta da Abiove ainda não foi fechada.
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