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Diálogos da Transição
APRESENTADA POR
Editada por Nayara Machado
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O mundo ainda tem cerca de 675 milhões de pessoas sem eletricidade, principalmente na África e Ásia, e outras 2,5 bilhões dependendo de lenha, carvão vegetal ou querosene para cozinhar – grande parte delas são mulheres.
As Nações Unidas calculam que 70% dos pobres do planeta são mulheres, que, em situações como a privação do acesso a eletricidade ou gás de cozinha, adicionam ainda mais trabalho à sua rotina doméstica.
“A falta de combustíveis limpos para cozinhar obriga muitas mulheres a buscar lenha e biomassa para alimentar suas famílias, dificultando suas opções de trabalho e expondo-as a riscos à saúde”, diz um relatório da Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, em inglês) sobre o progresso (lento) no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n° 7.
Segundo a Irena, são as mulheres que suportam as consequências de não ter eletricidade ou combustível limpo para cozinhar. “A tarefa de coletar lenha ou outros combustíveis sujos recai predominantemente sobre elas, desperdiçando tempo e esforço escassos”.
Além de prejudicar o ingresso no mercado de trabalho formal – imagine o tempo gasto para realizar todas as tarefas domésticas sem eletricidade –, a pobreza energética está ligada a cerca de 2,5 milhões de mortes prematuras por ano, principalmente por causa da inalação da fumaça da cozinha, sendo mulheres e crianças as mais expostas.
Não está muito distante de nós
É verdade que, no Brasil, o acesso à energia elétrica tem avançado significativamente nas últimas décadas, com políticas públicas e investimentos em infraestrutura contribuindo para a universalização.
Luz para Todos, Ilumina Pantanal, Mais Luz para a Amazônia e Tarifa Social são alguns exemplos de políticas públicas que expandiram esse acesso.
De acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o país atingiu um índice de cobertura elétrica de mais de 99% da população em 2020.
No entanto, especialmente em regiões rurais e na região Norte do país, a rede elétrica e a energia sustentável e acessível ainda não chegaram.
Na Amazônia Legal, são 212.791 moradores de assentamentos rurais, 78.388 indígenas, 59.106 habitantes de unidades de conservação e 2.555 quilombolas desconectados da rede elétrica, calcula o Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).
Isso significa que, acender uma lâmpada e ler um livro, ou carregar o smartphone para ler uma notícia ou buscar uma informação não é acessível às mulheres dessas comunidades como é para você, que está lendo este e-mail sem se preocupar com o fim da sua bateria.
Exclusão não é só uma questão de estar desconectada do SIN
Nos centros urbanos, o custo da eletricidade se torna um peso para as brasileiras chefes de família que precisam sustentar os filhos sozinhas.
Em 2022, uma pesquisa encomendada pelo Instituto Clima e Sociedade (ICS) descobriu que o gasto com gás e energia elétrica estava comprometendo metade ou mais da metade da renda de 46% das famílias brasileiras.
Para 90% dos entrevistados, a solução para pagar a conta de luz foi diminuir as compras de outros produtos como roupa, sapato e eletrodomésticos. Entre o percentual, 22% deixaram de comprar alimentos básicos para manter a energia em dia. Destes, 28% eram nordestinos.
E como, no Brasil, mulheres negras e pardas são mais afetadas pela pobreza, a exclusão têm gênero e raça.
Segundo o IBGE, embora elas representem 28,7% da população total (60,1 milhões), são o grupo mais numeroso entre os pobres (38,1% ou 19,7 milhões) e extremamente pobres (39,8% ou 5,4 milhões) – além disso, a incidência de pobreza é maior nas famílias formadas apenas pelas mulheres negras ou pardas, sem companheiro, e com filhos menores de 14 anos.
“O Censo Demográfico 2010 mostra que 87,4% dos lares brasileiros eram chefiados por mulheres que não contavam com ajuda de companheiro ou companheira. Ou seja, as mulheres são responsáveis por prover tudo em casa sozinhas, desde o recurso para pagar a conta de luz até necessidades básicas como alimentação, saúde, educação de todos. Se o valor da conta de luz sobe, por exemplo, elas são obrigadas a escolher o que deverão tirar de casa para conseguir prover a luz necessária para refrigerar alimentos, dar acesso a comunicação em casa (como carregar celular)”, explica Isis Nóbile Diniz, especialista de Comunicação do Iema.
Isis pontua que, quanto maior a interseccionalidade – ser mulher, negra, mãe –, maior a probabilidade dela ser atingida pelos problemas decorrentes da falta de universalização da energia elétrica.
“A pobreza energética agrava demais problemas sociais. Em alguns locais, o acesso é intermitente ou de má qualidade, o que dificulta uma geração a mais de renda a partir do trabalho em casa, como, por exemplo, a produção e venda de alimentos, prestação de serviço manual em geral ou trabalhos que exijam o uso do computador”, completa.
Energia limpa e inclusão
Política pública é importante, mas o setor privado também precisa se engajar na democratização energética.
Na Reserva Extrativista do Alto Juruá, no Acre, um projeto da (re)energisa, do Grupo Energisa, mostra como a geração renovável é um fator de inclusão e desenvolvimento para mulheres, as mais impactadas pela pobreza energética.
Instalado na Vila Restauração em outubro de 2021, no coração da Floresta Amazônica, o projeto combina geração de energia com 580 painéis solares, geradores a biodiesel como backup, um sistema de armazenamento a bateria e monitoramento em tempo real.
Antes, as 200 famílias da comunidade contavam apenas com três horas de energia elétrica por dia, o que inviabilizava coisas básicas como beber água gelada, ligar o ventilador, ter luz a qualquer hora do dia e da noite.
Agora, com eletricidade limpa e ininterrupta, as famílias podem ter eletrodomésticos e geladeiras para reduzir o tempo de preparo e conservar os alimentos, por exemplo, tirando um peso que costuma recair sobre as mulheres e dando a elas mais tempo para se desenvolverem economicamente.
O projeto demandou investimento de R$ 20 milhões, viabilizado por programas regulados pela Aneel.
Crise climática não é ‘gênero-neutra’
Por estarem mais expostas à pobreza, essas mulheres também são as mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos como inundações e secas severas. No entanto, ainda são minoria nas discussões sobre o tema.
Em novembro do ano passado, durante a COP28 de Dubai, Greg Puley, líder climática do escritório de assuntos humanitários da ONU, chamou a atenção para a “grave injustiça” que é o fato de as pessoas na linha de frente da crise climática, serem as menos responsáveis por ela, e muitas vezes, estarem “na retaguarda” para o financiamento climático.
Na mesma ocasião, Ignacia de la Rosa, líder da comunidade de San Antero na região de Cispatá, na Colômbia, que desenvolve um projeto de carbono azul destinado a conservar e restaurar florestas de mangue, contou como, frequentemente, em uma reunião de 200 homens, ela era a única mulher lutando por ações que pudessem garantir a conservação dos manguezais.
Em 2025, o Brasil receberá a COP30, e as organizações da sociedade civil já expressam suas preocupações com o equilíbrio de representatividade.
Nesta sexta (8/3), mais de 50 organizações da sociedade civil divulgam um manifesto demandando paridade de “gênero, raça, etnia, classe social, geração,
identidade de gênero e orientação sexual” nos preparativos e nas negociações da COP30, em Belém (PA).
Cobrimos por aqui:
- Gap de gênero no mercado de trabalho é maior do que se estimava
- Pobreza energética sujeita 389 milhões de mulheres a catar biomassa
- Clima tem que incorporar dimensões de classe, etnia e gênero
- Maior uso de lenha reflete retrocessos em políticas públicas
Mulheres na transição
– Por que é importante que mais mulheres ocupem posições de liderança? Inclusão de mulheres em diferentes setores e equidade de gênero nas empresas ajudariam no combate ao assédio, discriminação e disparidade salarial, escreve Jessica Von Moegen
– Os extremos climáticos e o papel do hidrogênio verde Faz todo sentido ter uma ação contundente, pragmática e rápida em cima das emissões provenientes do uso de fosseis, avalia Fernanda Delgado
– Programa de incentivo à descarbonização transforma o papel do setor automotivo Programa Mover contribuirá significativamente para a descarbonização automotiva, com coleta e implementação de dados, escreve Stela Kos
– Mesmo dependente do óleo, Brasil emerge como potencial liderança em hidrogênio O Brasil tem um grande potencial para liderar a produção de hidrogênio verde, devido aos seus recursos naturais abundantes, escreve Paula Padilha Cabral
– Resumo da COP28: o Sistema Financeiro em evidência para a consolidação da nova economia Global Stocktake conclui que existem recursos financeiros suficientes para investimentos em mitigação e adaptação climáticas, analisam Fernanda Delgado e Cácia Pimentel
– Como fica o mercado de carbono depois da COP28? Brasil continua ocupando uma posição muito privilegiada no presente e futuro mercados de comercialização de carbono, escreve Tatiana Cymbalista
– Aço verde, uma estratégia ganha-ganha Siderúrgicas brasileiras podem surfar em vantagens competitivas dos projetos de baixo carbono que saírem na frente, escrevem Rosana Santos, Stefania Relva e Nathalia Paes Leme