Agendas da COP

Um Plano Marshall para a emergência climática: enfrentando os desafios do nosso tempo

É preciso mais equilíbrio entre Norte e Sul Global bem como financiamento para a adaptação dos países diante dos efeitos das mudanças climáticas, analisa Edlayan Passos

Um Plano Marshall para a emergência climática: enfrentando os desafios do nosso tempo. Na imagem: Vista aérea de inundação na cidade de Dera Allah Yar após fortes chuvas, no Baluchistão, uma das quatro províncias do Paquistão (Foto: Fida Hussain/Metsul Meteorologia)
Vista aérea de inundação na cidade de Dera Allah Yar após fortes chuvas, no Baluchistão, uma das quatro províncias do Paquistão (Foto: Fida Hussain/Metsul Meteorologia)

No dia 5 de junho, foi celebrado o Dia Mundial do Meio Ambiente. A data foi adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972, durante a conferência de Estocolmo, o primeiro grande encontro entre representantes globais para debater questões relacionadas às consequências ambientais das ações antrópicas.

Pouco mais de meio século depois, o que era uma questão ambiental tornou-se uma emergência climática, que é alvo de preocupação de diversos segmentos da sociedade e, nas últimas duas décadas, passou a ser pauta recorrente em agendas políticas ao redor do mundo.

É nessa perspectiva que no mesmo dia começou a 58ª sessão do Órgão Subsidiário de Aconselhamento Científico e Tecnológico e do Órgão Subsidiário de Implementação (SB 58), em Bonn, na Alemanha. O principal objetivo é preparar as questões a serem debatidas e formalizadas na próxima COP, que acontecerá na cidade de Dubai, em dezembro.

O desafio é grande, como ficou evidente na exposição do IPCC, no evento, em que foram destacados os obstáculos para efetivação de uma agenda global climática comum entre os países.

Equilíbrio e financiamento global

Nesse contexto foi endossada a necessidade de uma representação mais equilibrada dos atores no que diz respeito à divisão entre Norte e Sul Global, bem como de se aperfeiçoarem as condições de financiamento para projetos que contribuam para a adaptação dos países diante dos efeitos das mudanças climáticas e para projetos de redução de emissões.

Também são necessários maiores esforços de sinergia e comprometimento no tocante à ação climática e os objetivos do desenvolvimento sustentável definidos pela ONU.

A metodologia e a contabilização das emissões de GEE também foram citadas como pontos críticos.

Os debates dizem respeito principalmente à compensação: nesse caso, países em desenvolvimento assumem uma postura semelhante à adotada na conferência de Estocolmo, demonstrando receio de que a imposição de se efetivar uma transição para uma economia de baixo carbono impacte a capacidade desses em promover crescimento econômico e bem-estar para suas respectivas populações.

Em razão disso, países como Brasil, Argentina, China, África do Sul e Índia assinalaram a necessidade de fluxos financeiros provenientes do Norte Global em volume suficiente para que possam lidar com as suas especificidades.

Transição justa

A agência de desenvolvimento alemã GiZ corroborou essa tese no painel “Opções para aumentar o financiamento da luta contra as alterações climáticas”, destacando que o financiamento climático é um tema urgente e basilar para uma ação conjunta global no campo das mudanças climáticas.

Em defesa dessa tese, a organização reconhece que está cada vez mais estabelecido que as consequências do aquecimento global irão atingir de maneira assimétrica e regressiva as diferentes regiões pelo mundo, isto é, países que menos contribuíram para o fenômeno estarão mais suscetíveis a lidar com eventos climáticos extremos.

Outro problema é que muitos países pobres ou em desenvolvimento se encontram numa situação de fragilidade fiscal, o que dificulta a obtenção de financiamento para projetos nos campos de adaptação, mitigação e até mesmo para recuperação de perdas e danos decorrentes das mudanças climáticas.

Assim, o papel dos bancos regionais de desenvolvimento é substancial para garantir aportes financeiros a esses países, bem como um maior rigor regulatório no setor financeiro a nível local e global para direcionar os incentivos corretos aos agentes financeiros privados.

A questão do financiamento está diretamente ligada à transição energética justa, outro assunto com bastante espaço no evento.

Esse conceito é baseado no entendimento de que o modelo de desenvolvimento econômico causador da emergência climática contemporânea deve ser transformado de uma forma que impacte a esfera social, para além da ambiental.

Ou seja, a mudança para uma economia verde deve perseguir a diminuição da desigualdade social e da pobreza no mundo.

“É necessário um Plano Marshall”, disse Richard Wright, diretor da Divisão de Globalização e Estratégias de Desenvolvimento da UNCTAD, em referência à ajuda financeira feita pelos Estados Unidos com a finalidade de reconstruir a Europa após o final da Segunda Guerra Mundial.

A fala sumariza a forma como a questão climática deve ser enfrentada; contudo, não se trata apenas de repetir ações realizadas no passado, mas compreender que a sociedade está perante a uma situação de emergência assim como na década de 1950. Portanto, é necessário agir como as circunstâncias demandam.

A situação econômica de países europeus no pós-guerra era similar à de um número considerável de países do Sul Global no presente. Ademais, existe o agravante da variável ambiental, dado que a degradação ecológica e as alterações climáticas ampliam a situação de vulnerabilidade sobre essas regiões.

O Mecanismo financeiro do Plano Marshall foi executado por meio principalmente de subvenções (90%) e não de empréstimos (10%), de forma que os beneficiários tivessem acesso aos recursos mesmo enfrentando a instabilidade monetária da época e déficits orçamentários e da balança corrente.

Hoje, é necessário agir à altura, até porque a elaboração de uma nova estratégia financeira capaz de responder aos grandes desafios climáticos e sociais vai demandar uma participação mais ampla de países e atores que na década de 1950. É necessário preparar o terreno para um acordo climático sólido e efetivo na COP, considerando a transição justa e sustentável que a sociedade almeja.

Mais: 

Edlayan Passos é revisor técnico do Instituto E+ Transição Energética.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.