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Um ano depois da Nova Lei do Gás, gasodutos começam a sair do papel

Aniversário da lei é marcado por primeiros avanços na abertura do setor mas também por atraso na regulamentação

Um ano depois da Nova Lei do Gás, gasodutos começam a sair do papel
Avançam os primeiros gasodutos a serem construídos dentro da Nova Lei do Gás (Lei nº 14.134). Na foto, UPGN Guamaré/RN (Foto: Giovanni Sérgio/Agência Petrobras)

Atualizada no dia 12/04, para incorporar posicionamentos da Abegás e TBG

O que você vai ver aqui:

  • Avançam os primeiros gasodutos a serem construídos dentro do novo marco legal: conheça os projetos
  • ANP assume protagonismo em nova legislação, mas pauta regulatória atrasa; confira os itens da agenda
  • Mercado dá primeiros passos de abertura; entrada de novos fornecedores e de primeiros consumidores livres se reflete na diversificação de preços

A Nova Lei do Gás (Lei nº 14.134) completa este mês um ano em vigor. O aniversário é marcado pelo avanço daqueles que prometem ser os primeiros gasodutos de transporte a serem construídos no país dentro do novo marco legal do setor.

A mudança no regime de outorga dos gasodutos de transporte, da concessão para a volta do modelo de autorização, foi um dos principais destaques da legislação.

A revisão era um pleito das empresas do setor, que viam na antiga modalidade de concessão uma solução burocrática que, implantada desde 2010, foi incapaz de viabilizar a construção de novos gasodutos.

A Nova Transportadora do Sudeste (NTS) e a Transportadora Associada de Gás (TAG) dão, agora, o pontapé na construção de seus primeiros gasodutos desde que foram privatizadas em 2017 e 2019, respectivamente. Também são os primeiros projetos a saírem do papel desde que a Nova Lei do Gás foi sancionada, em abril de 2021.

Nenhum deles, porém, é um projeto propriamente novo:

  • Gasfor II (CE)/TAG: O projeto era, originalmente, da Petrobras, A TAG obteve em fevereiro a licença de instalação e iniciou as obras de construção do gasoduto de 83 km, que liga Horizonte a Caucaia. O Gasfor II funcionará como se fosse um loop (seção paralela) de um gasoduto existente (Gasfor) e contornará a Região Metropolitana de Fortaleza, densamente povoada, com o objetivo de aumentar a segurança operacional e garantir uma futura expansão para o Rio Grande do Norte.
  • Gasig (RJ)/NTS: O gasoduto Itaboraí-Guapimirim tem 11 km de extensão e ligará a unidade de processamento (UPGN) da Petrobras no Polo GasLub (ex-Comperj) à malha nacional. O Gasig chegou a ser anunciado, na década passada, como o primeiro gasoduto a ser licitado sob o regime de concessão do país. No entanto, as obras da UPGN do Comperj atrasaram sucessivamente e o duto nunca saiu do papel. A ANP abriu consulta pública sobre o edital da chamada pública para a contratação de capacidade do duto. A pedido das distribuidoras, a agência prorrogou por mais 15 dias, até 25 de abril, o período da consulta. O Gasig está previsto para começar a operar em março de 2023.

Além desses dois projetos, NTS, TAG e a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG) têm planos de conectar, nos próximos anos, terminais de regaseificação — do Porto do Açu (RJ),  Sergipe e do Terminal Gás Sul, o TGS (SC), respectivamente — à malha nacional de gasodutos.

A TAG espera concluir este mês os detalhes do contrato a ser assinado com a Celse (New Fortress/Ebrasil), dona do terminal sergipano de gás natural liquefeito (GNL), estabelecendo os direitos e obrigações de cada parte no período de construção e operação do duto, valor do investimento, cronograma e garantias.

A TBG, por sua vez, espera concluir no primeiro semestre a primeira fase da interligação do TGS, terminal da New Fortress Energy localizado na Lagoa de Babitonga (SC), ao gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol), em Garuva (SC). A interligação tem apenas 200 metros de extensão, mas será importante para injetar o GNL importado no mercado da região Sul.

A primeira fase da conexão possibilitará que o sistema da TBG receba até 5 milhões de m³/dia. Uma segunda fase do projeto de conexão, prevista para o segundo semestre, ampliará a capacidade até 15 milhões de m³/dia.

Agenda da ANP atrasa

A Nova Lei do Gás reservou à ANP um papel relevante na regulamentação de pontos centrais do novo marco, como o acesso à infraestrutura e a fiscalização das novas regras e atores.

A ANP terá competência, por exemplo, para acompanhar o funcionamento do mercado e adotar mecanismos de redução da concentração na oferta, como o gas release. Além disso, a agência terá papel importante na resolução de eventuais controvérsias referentes ao acesso não discriminatório e negociado de terceiros às infraestruturas essenciais.

A agenda da ANP, contudo está atrasada. De acordo com o relatório de encerramento da Agenda Regulatória 2020-2021, todas as medidas da Superintendência de Infraestrutura e Movimentação (SIM) para o segmento de gás natural migraram para o período 2022-2023.

Os primeiros passos da abertura

O primeiro ano de vigência da Lei do Gás marca também os primeiros passos do processo de abertura da indústria de gás, com a estreia de novos fornecedores, como a Equinor, Galp, PetroReconcavo e Shell.

Os pilares da abertura foram traçados desde o governo Temer, nas discussões do Gás Para Crescer, e ganharam tração em 2019, com o anúncio do Novo Mercado de Gás.

Os novos supridores respondem, hoje, por cerca de 10% da demanda das distribuidoras de gás do país — incluindo, além das estreantes, a Alvopetro, ERG e Origem, que já tinham contratos ativos com a Bahiagás.

Das 22 distribuidoras operacionais do Brasil, contudo, apenas cinco conseguiram fechar com novos supridores para 2022: Bahiagás (BA), Copergás (PE), PBGás (PB), Potigás (RN) e, desde o início de abril, a Gasmig (MG).

Distribuidoras como a Sergás (SE) e Cegás (CE) também buscam diversificar e estão com chamadas públicas abertas para contratação de novos supridores.

Do lado da demanda, as indústrias também se movimentam para diversificar o suprimento. A abertura ainda dá seus primeiros passos e, dentre os pioneiros estão a Gerdau e a Unigel, que assinaram contratos no ano passado para compra de gás no ambiente livre a partir de 2022.

A Gerdau se tornou a primeira cliente da Petrobras a migrar do mercado cativo para o livre e fechou contrato para compra de gás para a unidade de Ouro Branco (MG). O acordo é válido entre 2022 e 2025.

Já a Unigel assinou, no fim do ano passado, contratos com a Shell e Petrobras para as fábricas de fertilizantes nitrogenados na Bahia e em Sergipe, arrendadas da Petrobras e reinauguradas pela Unigel em 2021.

A Evonik também monitora oportunidades no mercado livre e avalia importar gás.

Abertura se reflete nos preços

Para a diretora de Gás Natural do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Sylvie D’Apote, os efeitos dessa “primeira onda” de abertura já são visíveis nos preços pagos pelas distribuidoras aos fornecedores.

“Hoje temos preços que vão de US$ 5 a US$ 15 o milhão de BTU no Brasil. Até um ano atrás todo mundo pagava igual”, disse, ao participar do seminário ‘Um ano da Lei do Gás’, em Aracaju (SE).

Ela pondera, contudo, que a entrada de novos fornecedores não se deu via aumento da oferta, e sim por meio do gás de terceiros que antes era vendido pelos produtores à Petrobras e que, agora, passou a ser comercializado diretamente pelas petroleiras no mercado.

“Foi uma troca de CNPJ”, afirmou D’Apote.

Ela faz referência ao compromisso assumido pela Petrobras junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), de não comprar mais gás de seus sócios.

Ao todo, o IBP calcula que entre 6 milhões e 7 milhões de metros cúbicos diários (m³/dia) de gás doméstico estão sendo comercializados pelos produtores privados no mercado brasileiro.

Segundo D’Apote, a segunda onda de abertura virá a partir do momento em que novas descobertas forem feitas.

A Associação Brasileira de Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), por sua vez, relativiza o progresso da abertura até o momento.

A entidade divergiu da maior parte dos agentes do setor durante a tramitação da lei, por defender incentivos à expansão da malha de gasodutos, como o Brasduto, e destaca que a Nova Lei do Gás completa um ano sem “qualquer sinal de aporte de capital significativo que desenvolva novas infraestruturas de escoamento da produção, unidades de processamento e de gasodutos de transporte”. A Abegás também cita que a desconcentração de mercado não aconteceu.

Para o professor do Instituto Energia da PUC-Rio, Edmar de Almeida, o mercado brasileiro deu passos importantes de abertura em um ano, considerado o momento adverso do mercado internacional. Segundo ele, a diversificação de supridores conquistada até o momento não pode ser entendida como malsucedida, mas também “não pode ser o final da história”.

O professor defende que a concentração da oferta nas mãos da Petrobras ainda é grande e exigirá atenção da ANP, dentro das novas atribuições trazidas pela Nova Lei do Gás.

“A redução não vai acontecer por mágica, é importante o papel dos órgãos de defesa da concorrência”, comentou Almeida.

Ainda de acordo com Almeida, a agenda regulatória da ANP é um dos principais desafios para a efetiva liberalização do mercado.

“É uma questão de materialização, como fazer. É muito desafiante, muito técnico. O que falta [à ANP] é braço”, disse.

O que ainda falta ser regulamentado

A pauta da ANP é extensa. São onze itens previstos até 2023:

  • Revisão da Resolução ANP nº 52/2015, com o objetivo de simplificar a regulação sobre a garantia da segurança das instalações autorizadas.
  • Revisão da Resolução ANP nº 37/2013, que trata da organização do transporte e da contratação de capacidade de gasodutos pelo modelo de entrada e saída.
  • Revisão da Portaria ANP nº 118/2000, que visa a incluir o biometano na regulação sobre a distribuição de GNL a granel e construção, ampliação e operação das centrais de distribuição.
  • Publicação de nova resolução sobre os critérios de autonomia e independência dos transportadores de gás natural.
  • Revisão da Resolução nº 15/2014, que visa a adequar a regulação sobre os critérios para cálculo das tarifas de transporte ao modelo de entrada e saída.
  • Publicação de nova resolução, sobre a organização do transporte para os carregadores disciplinado pelos Códigos Comuns de Rede.
  • Revisão das Resoluções nº 52/2011 e nº 51/2013, de forma a unificar as duas resoluções sobre a comercialização e carregamento de gás.
  • Revisão da Resolução nº 11/2016, que regulamenta a oferta de serviços de transporte; a cessão de capacidade; a troca operacional de gás natural (swap); e a promoção de chamadas públicas para contratação de transporte de gás.
  • Revisão da Resolução nº 41/2007, que trata da distribuição de gás natural comprimido.
  • Elaboração de relatório de análise de impacto regulatório (AIR) para verificar a pertinência de se determinar quais instalações de movimentação e armazenamento deverão ser autorizadas pela ANP em portos públicos, com o objetivo de reduzir barreiras à entrada e de garantir livre acesso a terceiros em instalações portuárias.
  • Publicação de nova resolução sobre a interoperabilidade e interconexão de gasodutos de transporte.