RIO – O ano começou com anúncios de metas de descarbonização mais ambiciosas pelas companhias de transporte marítimo e entidades do setor, que se movimentam para acelerar o desenvolvimento de soluções sustentáveis capazes de substituir os combustíveis fósseis.
Responsável por 90% de todo o comércio global, o transporte marítimo responde por cerca de 3% das emissões de gases de efeito estufa (GEE). Segundo o compromisso da Organização Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), esse volume deverá cair pela metade até 2050.
Em janeiro, a dinamarquesa A.P. Moller – Maersk – segunda maior empresa do setor – foi além, e anunciou que pretende zerar suas emissões até 2040, uma década à frente de sua ambição inicial até 2050.
A nova meta da Maersk também supera os esforços anteriores de reduzir as emissões relacionadas apenas à frota oceânica, e agora abrange todas as emissões diretas e indiretas da companhia.
“É um imperativo estratégico para a Maersk estender nossa ambição líquida zero para a área total do negócio. A ciência é clara, devemos agir agora para obter progressos significativos nesta década”, disse Soren Skou, CEO da companhia.
A MSC, principal concorrente da Maersk, também reafirmou o compromisso da empresa em avançar na descarbonização da sua frota.
Durante evento realizado pela DNV, no início do ano, o CEO da companhia, Soren Toft, lembrou que a recuperação das atividades marítimas pós-pandemia devem estar atreladas à redução das emissões.
“É fundamental que nossa prioridade este ano não seja apenas responder à enorme demanda que estamos enfrentando nos mercados muito complexos e congestionados que surgiram em meio ao covid-19, mas também garantir que não dissociemos isso de nossos esforços para descarbonizar”, disse Toft.
Ao contrário da transportadora dinamarquesa, a MSC ainda mantém a meta de ser carbono neutra até 2050.
Ambas as companhias revelaram que vem sofrendo enorme pressão dos seus clientes que também necessitam reduzir a pegada de carbono em suas cadeias de suprimento.
“Essas metas muito ambiciosas marcam nosso compromisso com a sociedade e com os muitos clientes que exigem cadeias de suprimentos líquidas zero”, ressaltou o CEO da Maersk.
“Nossos clientes estão aumentando seus requisitos. Claro que nós como empresas estamos entregando cada vez mais eficiência e novas soluções ao cliente”, disse o CEO da MSC.
Esforços multilaterias
A Câmara Internacional de Navegação (ICS, na sigla em Inglês) – que representa mais de 80% da frota mercante mundial – assinou em janeiro uma parceria com a Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena) que prevê a troca de dados sobre cenários de “combustíveis futuros” (como hidrogênio verde e amônia).
Para o secretário geral da ICS, Guy Platten, a parceria com a Irena é um trampolim vital para garantir que o transporte de combustíveis se torne verde, e vai permitir o intercâmbio de informações com representantes de mais de 160 países membros da Agência.
“Precisamos reduzir nossa dependência de combustíveis com alto teor de carbono para alimentar os navios, até porque nos próximos anos a frota global precisará enviar combustíveis com zero carbono para países ao redor do mundo”, afirmou Platten.
O diretor geral da Irena, Francesco La Camera, lembrou que o setor de transporte marítimo vai necessitar de investimento e cooperação em níveis significativos.
“É necessária uma ação urgente para acelerar o ritmo da transição energética global e a descarbonização da economia global. O transporte internacional é um setor chave da economia”.
Segundo a ICS, são necessários cerca de US$ 5 bilhões para acelerar as pesquisas de desenvolvimento de combustíveis com zero carbono no setor.
O combustível substituto
Entre as opções em estudo capazes de substituir os combustíveis fósseis estão o hidrogênio e a amônia verde, biocombustíveis e a eletrificação de fontes renováveis. Dados da Irena apontam que essas fontes poderiam reduzir em 80% as emissões do setor nos próximos 30 anos.
A Maersk vem apostando no metanol verde. No ano passado, a empresa anunciou a encomenda de oito navios capazes de operar com o combustível neutro em carbono e prometeu encomendar apenas novas embarcações que utilizem o metanol verde.
Até 2030, a companhia espera que um quarto de todo o seu frete marítimo seja transportado por combustíveis verdes. Isso representaria emissões pelo menos 65% menores do que os atuais fósseis, incluindo o gás natural liquefeito (GNL).
O GNL, aliás, vem sendo utilizado por muitas companhias como um combustível de transição, por ser menos poluente que o bunker marítimo.
Um exemplo é a transportadora francesa CMA CGM, que atualmente possui 24 navios em operação movidos a GNL e deverá expandir essa frota para 44 nos próximos dois anos.
Christine Cabau Woehrel, CEO da companhia, conta que a empresa está preparada para substituir o GNL por gases de baixa emissão e que acredita que o futuro será “multicombustível”.
“O GNL é apenas o primeiro estágio da história (…) Estamos em busca de um gás alternativo, incluindo biometano, sintético e e-metano, pois acreditamos que esses são os próximos passos para emissões zero”, afirmou a executiva durante evento na semana passada da ICS.
Já a MSC vem mantendo cautela quanto a que motor ou tecnologia de combustível apoiar, dado o alto nível de incerteza a respeito da segurança, preço e escalabilidade.
“Continuamos a estudar uma gama de opções de combustíveis, incluindo hidrogênio, amônia e metanol. Não estamos descartando nenhuma opção neste momento”, disse o executivo da empresa.
Por enquanto o hidrogênio verde (H2V) vem atraindo a atenção da comerciante de commodities suíça, Trafigura. No ano passado ela se uniu à alemã Hy2gen – produtora de H2V – para estudar as necessidades da indústria naval de amônia verde.
Nesta quarta (3/1), as empresas anunciaram a construção de uma planta de amônia verde na Noruega destinada à produção de combustível para navios.
“A disponibilidade de combustíveis alternativos de emissão zero, como a amônia verde, é um pré-requisito importante para descarbonizar o setor de transporte global”, afirmou Rasmus Bach Nielsen, chefe global de descarbonização de combustíveis da Trafigura.
Parcerias para ganhar escala
Para Woehrel, da CMA, o grande entrave ainda é a dificuldade de escalabilidade dos novos combustíveis. Por isso, a empresa começou a fazer parcerias estratégicas com companhias de energia.
“Precisamos começar em algum lugar, então a CMA uniu forças com o grupo francês de energia Engie para acelerar a produção, eficiência técnica e escala de novas energias”, afirmou.
Para o CEO da MSC, a colaboração é fundamental para atingir as metas de descarbonização. A companhia já possui acordos com todo o setor, além de fornecedores.
“A transição para uma economia de baixo carbono requer uma ampla ação coletiva e parcerias produtivas com partes interessadas em todo o transporte marítimo. Ao cooperar e colaborar com outros, vamos capitalizar e construir as interdependências entre a logística oceânica e terrestre, bem como outros setores que fornecem combustíveis, sistemas de distribuição e infraestrutura”, concluiu Soren.
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