Opinião

World Energy Outlook 2025: a realidade do carvão e os desafios da transição energética global

Transição de carvão para renováveis é mais barata do que para gás, diz estudo. Na imagem: Usina térmica a carvão lançando grande volume de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera (Foto Steve Buissinne/Pixabay)
Usina térmica a carvão em operação (Foto Steve Buissinne/Pixabay)

O World Energy Outlook 2025 (WEO 2025), publicado pela Agência Internacional de Energia (AIE), revela um panorama energético global complexo e paradoxal, em que o consumo de combustíveis fósseis atinge níveis recordes enquanto as energias renováveis continuam sua expansão.

Esse cenário reflete as pressões geopolíticas, as restrições no fornecimento de energia e a recuperação econômica desigual, que tornam ainda mais desafiadora a tarefa de garantir um futuro energético sustentável e acessível para todos.

Um dos pontos centrais do WEO 2025 é o que a AIE descreve como uma “dupla realidade”.

Em 2024, o consumo de carvão, petróleo e gás alcançou números históricos, ao mesmo tempo em que as instalações de energias renováveis bateram recordes, com destaque para a energia solar e eólica.

A AIE alerta, no entanto, que, apesar do crescimento das renováveis, as atuais políticas globais não são suficientes para atender às metas climáticas estabelecidas pelo Acordo de Paris.

A demanda por energia segue crescendo, impulsionada principalmente pelos mercados emergentes, como a Índia, o Sudeste Asiático e a África.

A eletrificação, especialmente no setor industrial e residencial, se expande a passos largos, tornando a energia elétrica uma necessidade fundamental para o desenvolvimento dessas regiões.

No entanto, o aumento dessa demanda não é acompanhado por uma aceleração equivalente na oferta de fontes de energia renováveis, o que leva a uma dependência contínua dos combustíveis fósseis, especialmente o carvão, que vem desempenhando um papel crítico em muitas economias.

A demanda global por carvão continua a ser um ponto de controvérsia e relevância estratégica. Com um platô estabelecido até 2029, de acordo com o WEO 2025, a demanda por carvão deve cair cerca de 20% até 2035, impulsionada pela redução de seu uso no setor de energia, principalmente nos países desenvolvidos.

No entanto, o carvão ainda é essencial em indústrias como a siderurgia, alumínio, indústria química e fabricação de cimento, setores nos quais o uso desse mineral permanece resistente, dada a falta de alternativas viáveis em grande escala.

O relatório observa que a demanda de carvão não deve cair uniformemente ao redor do mundo. A China, maior consumidora, verá uma redução de 25% na sua demanda até 2035. Por outro lado, economias como a Índia e o Sudeste Asiático devem experimentar aumentos na demanda, variando de 10% a 35%.

A dependência desses países do carvão para atender à crescente demanda de eletricidade e ao desenvolvimento industrial é um reflexo de sua realidade socioeconômica, na qual as energias renováveis ainda não conseguem garantir a segurança e a acessibilidade necessárias.

Outro tema importante do WEO 2025 é a desigualdade de investimentos em energia entre economias avançadas e em desenvolvimento.

Enquanto as economias mais ricas têm acesso a capital a custos mais baixos e tecnologias avançadas, os países em desenvolvimento enfrentam barreiras significativas para implementar projetos de energia limpa, uma das quais é o alto custo de financiamento.

A AIE sugere que uma maior participação do capital privado e o fortalecimento das instituições financeiras podem ajudar a reduzir essa lacuna, mas a falta de investimento em infraestrutura energética continua sendo um obstáculo importante para a transição energética.

Além disso, o relatório enfatiza a necessidade urgente de garantir o acesso à eletricidade para os 730 milhões de pessoas no mundo que ainda não têm acesso a esse serviço essencial.

A AIE propõe um caminho para a universalização do acesso à eletricidade até 2035, com foco no aumento do uso de fontes de energia limpa.

No entanto, a falta de infraestrutura adequada e o alto custo das tecnologias renováveis continuam sendo desafios para alcançar esses objetivos em muitas regiões, especialmente na África Subsaariana e em partes da Ásia.

A nossa perspectiva sobre as conclusões do WEO 2025 é clara: a AIE, que sempre subestimou o papel do carvão no sistema energético global, nesse relatório continua a fazê-lo.

Embora o WEO 2025 apresente uma previsão de queda nos combustíveis fósseis, os dados reais de consumo de energia, como os registrados no ano de 2024, indicam que o mundo ainda depende fortemente do carvão, petróleo e gás.

O carvão atingiu em 2024 o pico de produção e consumo de sua história.

Entendemos que a AIE, ao promover uma transição energética abrupta para fontes renováveis, está ignorando as realidades econômicas e tecnológicas de países em desenvolvimento, onde a eletrificação e o crescimento industrial ainda dependem de fontes de energia confiáveis e acessíveis, como o carvão.

Entendemos que os cenários propostos pela AIE, embora bem-intencionados, baseiam-se em cenários aspiracionais e não em previsões realistas.

A transição energética não pode ser feita de forma unidimensional, ignorando a importância do carvão, ainda fundamental para garantir a segurança energética e o crescimento econômico em várias regiões do mundo.

A nossa abordagem está focada na Gestão Sustentável do Carvão, buscando otimizar o uso do carvão por meio de tecnologias mais eficientes e da captura de carbono, ao invés de eliminar o recurso completamente. A ABCS entende que inovação será a forma de equacionar o problema energético.

O WEO 2025 deixa claro que o mundo está diante de um desafio energético global sem precedentes. Embora as energias renováveis sejam fundamentais para a transição energética, elas não são uma solução mágica para todas as regiões e contextos.

A dependência de combustíveis fósseis, em especial o carvão, continua sendo uma realidade, especialmente para países em desenvolvimento que ainda não têm acesso a uma infraestrutura energética confiável e acessível.

Entendemos que a resposta não está em abandonar o carvão, mas em refiná-lo e gerenciá-lo de maneira mais sustentável, por meio de tecnologias mais limpas e eficientes, como a captura e o armazenamento do carbono (CCUS).

Isso permitirá que as economias em desenvolvimento, entre elas o Brasil, atendam às suas crescentes demandas de energia, ao mesmo tempo em que avançam na luta contra as mudanças climáticas.

A transição energética precisa ser inclusiva, levando em consideração as necessidades energéticas e econômicas de todos os países, sem excluir soluções viáveis que podem ser parte de um futuro mais sustentável e justo.


Fernando Luiz Zancan é presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável (ABCS).

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