RIO — O Reino Unido anunciou, na última sexta (4/10), um plano de £ 21,7 bilhões para financiar, ao longo de 25 anos, projetos de captura, armazenamento e uso de carbono (CCUS) no país.
Plano é transformar duas zonas industriais – de Teesside e Merseyside – em centros de CCUS e hidrogênio feito a partir de gás natural com captura de CO2 — o hidrogênio azul.
A confirmação do incentivo veio dias após o anúncio do fechamento da última usina termelétrica a carvão do país – que foi o berço da Revolução Industrial.
“Na semana em que a Grã-Bretanha se tornou a primeira nação industrializada a encerrar seus 150 anos de uso de carvão na produção de energia, a nação agora começa uma nova era de tecnologia de energia limpa”, disse o primeiro-ministro Keir Starmer.
Segundo o governo, os investimentos, além de estimular a economia, têm capacidade de remover mais de 8,5 milhões de toneladas de emissões de carbono por ano — o equivalente a retirar cerca de 4 milhões de carros de circulação.
Cientistas contra CCUS e hidrogênio azul
Ambientalistas e cientistas criticaram a decisão por avaliarem que se trata de um incentivo à indústria de óleo e gás.
“Para um governo comprometido em enfrentar a crise climática, £ 22 bilhões é muito dinheiro para gastar em algo que vai estender a vida útil da produção de petróleo e gás que aquece o planeta”, criticou o diretor de políticas do Greenpeace do Reino Unido, Doug Parr.
Em carta enviada ao ministro inglês da energia Ed Miliband, semanas antes do anúncio, 23 cientistas pediam a reconsideração do financiamento bilionário, argumentando que ainda faltam evidências científicas concretas sobre o vazamento de metano e carbono, seja no transporte do CO2, seja na produção de hidrogênio azul.
“Pedimos fortemente que pause a política do seu governo para hidrogênio azul e energia a gás com base em CCUS e adie qualquer decisão de investimento no programa até que todas as evidências relevantes sobre as emissões de vida útil e a segurança dessas tecnologias tenham sido devidamente avaliadas”, diz a carta.
Segundo os cientistas, em quase todos os estágios do processo “há incerteza sobre a tecnologia e as emissões consequentes”.
“Quando o financiamento governamental é usado para apoiar empresas privadas de grande porte com risco significativo de falha em atingir o resultado pretendido (neste caso, geração de energia genuinamente de baixo carbono), perguntas precisam ser feitas sobre quem assume o risco se as coisas derem errado”, questionam.
A carta ainda cita o relatório recente do Carbon Tracker Kind of Blue, que conclui que o projeto de hidrogênio azul em Teesside teria emissões vitalícias de cerca de 15 a 25 milhões de toneladas de CO2e, muito mais altas do que as 10 milhões de toneladas relatadas pelo desenvolvedor em sua declaração ambiental para planejamento.
Petroleiras celebram iniciativa do governo britânico
Claudio Descalzi, CEO da Eni – que ganhou a concessão para transporte e armazenamento de carbono na região de Merseyside – afirmou que a notícia é “um passo importante para a criação de uma nova cadeia de negócios ligada à transição energética”.
O projeto empresa, chamado HyNET, tem uma capacidade inicial de armazenamento de 4,5 milhões de toneladas de CO2 por ano na primeira fase e o potencial de aumentar para 10 milhões de toneladas de CO2 por ano após 2030.
“Grandes projetos como esses têm o potencial de ajudar a estimular o crescimento econômico”, disse Louise Kingham, vice-presidente sênior da bp Europa.
A bp possui um projeto de hidrogênio azul em Teesside – em parceria com a Adnoc – que prevê duas unidades de produção de hidrogênio de 500 MW até 2030, com o início das operações em 2027.
Na mesma região ainda desenvolve com a Equinor o Net Zero Teesside (NZT) Power, um projeto de captura e armazenamento de carbono conectado a uma planta de geração de eletricidade a gás.
“O Reino Unido continuará sendo um mercado importante para a Equinor, com base em nossa história de fornecimento significativo de energia ao longo de sua Costa Leste, que está em transição da demanda tradicional de petróleo e gás para energias renováveis e opções de baixo carbono, como CCS e hidrogênio”, afirmou Alex Grant, vice-presidente sênior e chefe da Equinor no Reino Unido.
Lobby da indústria
Segundo levantamento do jornal britânico The Guardian, as petroleiras intensificaram no último ano sua agenda de encontros com representantes do governo do Reino Unido para discutir o CCS.
Em 2023, majors como Equinor, BP e ExxonMobil compareceram a 24 das 44 reuniões ministeriais para discutir captura e armazenamento de carbono, de acordo com registros oficiais de transparência.
Entre 2020 e 2022, quando os ministros realizaram cerca de metade das reuniões para discutir a tecnologia, e as empresas de petróleo e gás compareceram a sete dessas discussões a cada ano, afirmou o jornal.