Transição sul-americana

Sem integração, América do Sul não alcançará net zero em 2050, avalia Irena

Integração energética é fator decisivo para transição na América do Sul, aponta agência internacional

Torres e linhas de transmissão de energia com turbinas eólicas ao fundo e, no horizonte, o sol se põe (Foto Peter Schmidt/Terranaut/Pixabay)
Linhas de transmissão de energia com turbinas eólicas ao fundo (Foto Peter Schmidt/Terranaut/Pixabay)

RIO — A América do Sul precisará investir cerca de US$ 500 bilhões por ano nas próximas décadas para viabilizar sua transição energética, segundo estimativas da Agência Internacional de Energia Renovável (Irena, na sigla em inglês). 

Mas, sem integração regional, o caminho para a neutralidade de carbono em 2050 será inviável.

A avaliação é de Ricardo Gorini, head da Irena, que apresentou resultados de  estudos recentes da agência sobre o futuro energético sul-americano, nesta quarta (27/8), em evento preparatório do Cebri, no Rio de Janeiro, para a COP30.

“A mensagem, bem clara, é o seguinte: a descarbonização para 2050 fica muito mais barata com a integração regional. O cenário net zero se viabiliza de uma maneira mais fácil. Caso contrário, não enxergamos que a descarbonização como net zero em 2050, de fato, seja possível”, afirma Gorini.

Segundo ele, a região tem vantagens comparativas únicas para a transição energética, desde a abundância de recursos renováveis até a oferta de minerais críticos, como terras raras e outras matérias-primas necessárias para a produção de tecnologias limpas. 

“A região tem a capacidade de produzir, talvez mais do que qualquer outra região, os bens da transição energética”, destaca.

Investimentos e riscos

O levantamento da Irena projeta que os investimentos devem incluir o setor elétrico, e abranger combustíveis sustentáveis, eficiência energética e setores de uso final. 

Nesse esforço, o setor privado será protagonista, mas será preciso papel ativo dos governos para reduzir riscos e custos de capital, pontua Gorini.

Precisamos de US$ 500 bilhões por ano na América do Sul nas próximas décadas para viabilizar o conjunto da transição energética”, ressalta.

A pressão por governança e por marcos regulatórios capazes de atrair capital privado é, segundo ele, uma tendência que permanecerá nas próximas décadas. 

“É um processo dinâmico de ajuste. Qual é a velocidade do desenho de mercado, como é que se ajusta isso?”, observa. 

Expansão da eletrificação

O estudo indica que a eletrificação será decisiva para a neutralidade em carbono. 

A participação da eletricidade no consumo final, hoje entre 20% e 30%, deve chegar a 50% até 2050

Isso significa uma multiplicação por três da demanda, saltando de cerca de 1.000 terawatts-hora atuais para 3.000 TWh em 2050, sem contar a produção de hidrogênio verde.

Na geração, a projeção é de que mais de 95% da matriz elétrica da região seja renovável em 2050, com destaque para eólica e solar (mais de 60%).

Mas o avanço das fontes variáveis exigirá novas alternativas de armazenamento, com baterias, e flexibilidade como uso complementar do gás natural.

“Sem dúvida, armazenamento, flexibilidade precisam ser tratados. Uma discussão interessante é qual é o papel do gás nesse processo (…) É uma combinação de fontes, de sistemas, de produtos despacháveis, inclusive, o gás”. 

Integração como diferencial

Para Gorini, a integração regional vale não apenas para o intercâmbio de energia elétrica entre países, mas também para o aproveitamento conjunto das cadeias produtivas para transição energética, incluindo minerais críticos e indústrias associadas.

A América do Sul já conta com exemplos relevantes de integração, como a hidrelétrica binacional de Itaipu, compartilhada entre Brasil e Paraguai, e a Usina de Yacyretá, entre Argentina e Paraguai. 

Além dos sistemas de interconexão elétrica entre Brasil, Uruguai e Argentina, que permitem trocas de energia em períodos de escassez ou excesso de geração.

No campo dos combustíveis, os gasodutos transnacionais também representam parte dessa malha de interdependência, como o Gasbol, que conecta Bolívia e Brasil desde os anos 1990, e os dutos que ligam Argentina, Chile e Uruguai.

Essas infraestruturas mostram, segundo especialistas, o potencial de ampliar a lógica de cooperação para além dos combustíveis fósseis, aproveitando a complementaridade da geração renovável em diferentes países.

“Uma discussão regional pode ser interessante para um posicionamento nessa discussão global de transição energética. E aí, um gancho para o planejamento é como que o cenário nacional poderia incorporar essa dimensão da sinalização regional e das oportunidades que a integração energética traz”, avalia o head da Irena.

Tecnologias disponíveis e de fronteira

Para André Clark, vice-presidente sênior da Siemens Energy para América Latina, a transição precisa combinar tecnologias já disponíveis como eletrificação e eficiência energética com inovações ainda em desenvolvimento.

“Eficiência energética continua sendo um tema de produtividade econômica, mas também de descarbonização”, destaca.

Segundo Clark, as redes elétricas também serão decisivas, uma vez que o avanço de fontes eólica e solar impõe maior necessidade de integração entre sistemas e países. 

“A integração física regional da América Latina é muito importante (…) Quando você introduz energias de custo marginal zero, que seriam desperdiçadas, como solar e eólica, você poder exportar essa energia para os seus vizinhos é muito importante”, afirma.

“A energia renovável adora a diversidade da demanda. Porque você está produzindo energia a custo variável zero. É o custo marginal zero. Isso é uma novidade que está expandindo a necessidade de grids exponencialmente”, completa.

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