RECIFE — O governo brasileiro enviou à ONU na quinta-feira (7/4) a segunda atualização das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, sigla em inglês) para o Acordo de Paris. O documento é amplamente criticado por organizações não governamentais de defesa do meio ambiente, que apontam retrocesso das ações do executivo federal no compromisso climático.
As novas promessas do Brasil incluem a redução das emissões de gases de efeito estufa em 37% para 2025, e em 50% até 2030, criando formas de implementação de ações de mitigação e adaptação em todos os setores econômicos. As ações que o governo pretende criar, no entanto, não foram apontadas no documento.
“O problema das emissões é maior do que se esperava, e o governo está propondo uma revisão absoluta maior. Isso significa que as emissões para 2030, mesmo reduzindo mais, ainda serão maiores do que aquelas apontadas na proposta anterior”, explica William Wills, diretor de projetos do Centro Brasil no Clima, à agência epbr.
“Nem a NDC anterior e nem a nova são suficientes para colocar o Brasil no rumo do Acordo de Paris. As duas NDCs não são ambiciosas o suficiente”, completa.
Na NDC original, o Brasil se comprometia a reduzir emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 em relação a 2005, e indicava que poderia reduzi-las em 43% até 2030. Em dezembro de 2020, o governo mandou à ONU uma atualização da NDC que confirmava a meta indicativa.
“Só que usando uma base de cálculo diferente, o que mudava tudo”, aponta o Observatório do Clima, em nota.
O OC estima que mudanças na base de cálculo vão permitir ao Brasil emitir 73 milhões de toneladas de CO2 equivalente (MtCO2e) a mais em 2030 do que o prometido em 2015.
Já a análise do Instituto Talanoa e do projeto Política por Inteiro calcula que a NDC de 2022 aumenta em 314 milhões de toneladas de CO2eq o nível de emissões permitido em 2025 em relação à meta assumida em 2016.
Também aumenta em 81 milhões de toneladas de CO2eq o nível de emissões permitido em 2030 em relação à meta indicativa apresentada em 2016 e diminui a ambição climática do país nesta década.
Já a think tank Carbon Tracker (CAT) alerta que, apesar dos recentes anúncios da gestão de Jair Bolsonaro que “parecem ir na direção certa”, como a meta de neutralidade climática até 2050 ou o fim do desmatamento ilegal até 2030, a credibilidade dessas metas permanece em questão, pois não são respaldadas por medidas de curto prazo e ambiciosas.
“As eleições federais marcadas para outubro de 2022 podem trazer uma mudança na política, já que muitos partidos da oposição consideram importante a proteção climática e ambiental”, pontua.
Em 2021, a CAT estimou que, com as ações atuais, as emissões globais de carbono estarão aproximadamente no mesmo nível de hoje em 2030.
Ainda segundo o Instituto Talanoa, as novas propostas não internalizam os compromissos assumidos na COP 26 quanto a zerar o desmatamento e reduzir em 30% as emissões de metano até o fim da década e não contribui para implementar o Pacto Climático de Glasgow, em especial quanto a alcançar maior ambição possível no curto prazo.
Entenda os cálculos
Em 2015, as emissões absolutas de 2005 para o Brasil foram calculadas com base na Segunda Comunicação Nacional, e estimadas em 2.133 milhões de toneladas de CO2 equivalente (MtCO2e).
Em 2020, a NDC se baseou na Terceira Comunicação Nacional, quando as estimativas de emissões de 2005 haviam sido revisadas para cima — e substancialmente, para 2.837 MtCO2e.
O aumento na linha de base de 704 milhões de toneladas de CO2 equivalente permitiria ao Brasil chegar a 2030 emitindo até 409 MtCO2e a mais do que o previsto na NDC de 2015 (1.208 MtCO2e), e ainda dizer que cumpriu a meta, critica o Observatório do Clima.
A segunda atualização, anunciada pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, em novembro, durante a COP26, em Glasgow, fez duas mudanças na NDC.
Além de aumentar para 50% a meta para 2030, usou como base de cálculo o inventário de emissões da Quarta Comunicação Nacional. Mais novo e mais preciso, ele estima que 2.562 milhões de toneladas de CO2e foram emitidas em 2005.
“Ao aplicar a nova meta de 50% de redução com base na Quarta Comunicação Nacional, o Brasil deverá chegar em 2030 emitindo 1.281 MtCO2e. Ou seja, 73 MtCO2e a mais do que o prometido em 2015”, explica o OC.
- Em epbr: “Não faltou recurso para fiscalizar crimes ambientais; faltou vontade”, diz relatório do OC Em 2021, Ibama liquidou apenas 41% dos R$ 219 milhões disponíveis para combater o desmatamento
Políticas climáticas adotadas até 2020 levam a aquecimento de 3,2ºC
Políticas públicas para o clima adotadas no mundo até o final de 2020 levarão a Terra a um aquecimento de 3,2ºC no fim do século, mais do que o dobro do limite do Acordo de Paris, mostra relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
O documento alerta que os próximos três anos serão definitivos para cortar os gases de efeito estufa se quisermos chegar a 2050 com emissões líquidas zero. “Sem reduções imediatas e profundas de emissões em todos os setores, limitar o aquecimento global a 1,5°C está fora de alcance”, dizem os cientistas.
O IPCC, que reúne cientistas de 195 países, reconhece avanços nas ações climáticas de 2010 para cá — como reduções de até 85% nos custos de energia solar e eólica e baterias, melhorias em eficiência energética, menores taxas de desmatamento e aceleração nos projetos de renováveis.
Mesmo assim, entre 2010 e 2019, as emissões globais médias atingiram os níveis mais altos da história da humanidade: 59 bilhões de toneladas de CO2 por ano.
GT para economia verde
Em outubro passado, uma semana antes da COP26, o governo brasileiro lançou o Programa Nacional de Crescimento Verde para oferecer financiamentos e subsídios a projetos e atividades econômicas sustentáveis.
Sem explicar como, o governo diz que a iniciativa vai priorizar a concessão de licenças ambientais e gerar os chamados “empregos verdes”, com objetivo de neutralizar a emissão de carbono pelo país até 2050.
Na prática, a única medida efetiva do programa foi a renomeação do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, que agora passa a se chamar Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima e Crescimento Verde (CIMV) e terá como atribuição facilitar “o planejamento, a execução e o monitoramento de resultados”.
Além de ser responsável pela “criação e consolidação de critérios verdes, levando em consideração as características de cada região do Brasil em todos os seus biomas”. Veja o decreto na íntegra
A CIMV terá até 30 de setembro de 2022 para publicar resolução com procedimentos, indicadores, metas e ações necessárias para implementação do programa.
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