Opinião

São Paulo precisa avançar na descarbonização do transporte público

Na maior cidade do país, a Política de Mudança do Clima conta agora com rotas tecnológicas robustas e complementares, integrando soluções de gás natural, biometano e energia elétrica, prontas para construir um futuro mais respirável e descarbonizado, ecreve Edmilson Moutinho Santos

Com corredores azuis, mercado de gás (GNV e biometano) pretende avançar sobre o diesel no Paraná. Na imagem: Ônibus 100% a biometano testado em Londrina (PR), conectado à bomba em posto de abastecimento de GNV e biometano (Foto: Cortesia Compagas)
Londrina (PR) testa ônibus 100% a biometano (Foto: Cortesia Compagas)

O município de São Paulo deu um passo importante para a descarbonização do transporte público de passageiros. A lei 18.225/2025, oriunda do PL 825/2024, do vereador Milton Leite, representa um avanço na Política de Mudança do Clima no Município de São Paulo (PMCMSP).

Em sua versão de 2009, o Artigo 50 da Política de Mudança do Clima previra redução progressiva do uso de combustíveis fósseis, pelo qual, com reduções anuais de 10%, São Paulo deveria chegar, em 2018, com a totalidade da frota operando com combustível renovável não-fóssil.

Ao limitar as rotas tecnológicas, essa meta revelou-se inalcançável e a hesitação na política pública acabou impedindo o avanço dos veículos a gás natural e biometano, que poderiam ter entregado resultados muito expressivos, evitando emissões de poluentes e impactos sociais que se arrastam até os dias de hoje. 

A nova redação da Política de Mudança do Clima acerta ao ampliar as rotas tecnológicas concebíveis para a substituição de veículos. 

A lei inova ao dispor sobre o uso de fontes motrizes de energia “menos poluentes e menos geradoras de gases do efeito estufa” na frota de transporte coletivo urbano do município de São Paulo. Essa nova postura é um acerto, já que não veda estratégias de substituição dos veículos a diesel por veículos a gás natural e biometano.

Em linha com o Plano Estadual de Energia 2050 (PEE/2050), a capital paulista passa a reconhecer e incorporar a rota tecnológica dos veículos a gás natural e biometano, promovendo a substituição do diesel pelo gás natural (ainda fóssil, mas com ganhos notórios na redução de emissões de poluentes) e, gradualmente, abre-se espaços realistas para o avanço do biometano como estratégia efetiva de descarbonização, ao lado dos avanços possíveis na também bem-vinda solução elétrica.

A combinação de tais rotas tecnológicas conduzirá a reduções crescentes nas emissões dióxido de carbono e deverá revelar-se como estratégia de melhor custo-benefício para substituição do uso do diesel em veículos pesados, rompendo uma das grandes barreiras que dificultam o estabelecimento da meta de Net-Zero no município de São Paulo em termos de emissões de gases de efeito estufa (GEE).

O projeto de lei 825/2024 previa um retrocesso na PMCMSP. Desde 2022, a SPTrans proíbe que os operadores do transporte público em São Paulo comprem ônibus a diesel em suas renovações de frota. Ao vetar o Artigo 5 da lei 18.225/2025, o prefeito Ricardo Nunes acertadamente manteve a proibição da compra de veículos a diesel.

Assim, a capital paulista decidiu persistir na promoção acelerada da descarbonização do seu transporte público, tornando mandatória a aquisição de veículos novos que tenham tecnologias mais limpas e eficientes do que os ônibus convencionais a diesel.

Essa medida foi facilitada pela decisão do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que adiou o aumento para 15% da mistura de biodiesel no diesel comercializado no Brasil, dando um fim às fantasias tecnológicas de combustíveis líquidos verdes sem capacidade de atender a demanda brasileira.

A verdade é que, com o que temos de tecnologia hoje, a manutenção de veículos a diesel atrasaria o alcance das metas da PMCMSP.

Com a sanção da lei 18.225/2025, estabelece-se que as empresas de ônibus têm a responsabilidade de apresentar projetos detalhados de infraestrutura para efetivar a transição tecnológica, rumo aos veículos elétricos ou a gás, no prazo de 90 dias.

De fato, nenhuma transição energética será viável se não incluir uma abordagem holística das questões logísticas. A instalação de estações de carregamento de baterias é essencial para o sucesso dos ônibus elétricos.

Da mesma sorte, veículos movidos a gás dependem de estações de abastecimento de gás comprimido veicular, imediatamente GNV e depois bioGNV. As concessionárias de distribuição de energia elétrica e de gás canalizado também terão 90 dias para aprovar esses projetos e começar as obras. Então, que vença o conjunto de atores com melhor governança, visão estratégica e solução técnica-econômica. 

O principal ganho para a cidade de São Paulo estará, com certeza, na descarbonização e na melhoria sensível da qualidade do ar, que ainda é um tema crítico para a maior capital brasileira.

E tais ganhos já podem ser colhidos imediatamente. A substituição do diesel pelo gás natural reduz as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em aproximadamente 24% e promove redução de cerca de 90% do NOx e material particulado, extremamente prejudiciais à saúde.

Esses prejuízos à saúde ficaram demonstrados em um estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, de 2018-19, que mensurou o quanto a substituição de veículos a diesel por outros movidos a gás natural poderia contribuir para evitar óbitos e reduzir perdas de produtividade (por afastamento médico) nas regiões metropolitanas de Rio de Janeiro e São Paulo, que, juntas, concentram mais de 30 milhões de habitantes.

A pesquisa apontou que o benefício encontrado para a substituição do diesel por gás natural na frota de ônibus nas regiões metropolitanas das duas cidades, segundo um cenário de substituição de 50% da frota em todos os anos, até 2025 – permitiria a redução de 10.679 mortes e 5.284 internações públicas de 2018 a 2025.

Em termos de custos, segundo valores da época, isso significaria uma produtividade salva em R$ 4,5 bilhões e a economia em gastos públicos em saúde (SUS) em R$ 8,8 milhões. Ou seja, as vidas salvas e internações evitadas, apresentadas pelo uso do GNV conforme esse cenário otimista, representaria 41% da mortalidade e internações públicas causadas pela frota diesel

Dado o cenário de danos à saúde e emissões representadas pelo diesel, em muitas grandes cidades a solução do gás natural antecipa-se à solução elétrica, e vem sendo aplicada há décadas em muitas cidades relevantes do planeta, especialmente na Europa, nos Estados Unidos e em vizinhos da América do Sul.

Em Portugal, tornou-se natural ver ônibus a gás circulando pelas vias de Lisboa e Porto. Na Espanha, cidades como Madri, Barcelona, Sevilha, Valência, Málaga e Toledo, dentre outras, empregam com sucesso os ônibus a gás em seus sistemas de transporte público.

A Empresa Municipal de Transportes de Madrid (EMT) deixou de utilizar o modelo a diesel em 2022. Em 2023, de um total de 2.033 ônibus, 1.811 (88,9 %) operavam a gás, e 222 (10,9 %) eram elétricos. Trata-se de excelente exemplo de adoção de um mix de tecnologias pró-descarbonização.

Percebe-se que nem mesmo nos países desenvolvidos, com raras exceções, perseguiu-se cegamente a solução elétrica para descarbonização do transporte público. 

Na América do Sul, cidades como Lima, Santiago e Bogotá têm recorrido ao gás natural nessa jornada de transição. Colômbia e Peru valorizam suas fontes domésticas de gás natural em substituição à importação de diesel. Percebe-se claramente nessas cidades de países vizinhos a valorização de energéticos locais e tecnologias já dominadas por estas economias como chave para a necessária jornada de descarbonização do transporte público. Lições válidas para São Paulo e o Brasil. 

Nos Estados Unidos, na área metropolitana de Los Angeles, uma das mais populosas regiões do país, a agência que opera o transporte público, a Metro, opera a maior frota de transporte de combustível alternativo do país. Aposentou o último ônibus a diesel em 2011 e tem operado fundamentalmente com ônibus movidos a gás natural.

O próximo passo de descarbonização será o de incorporar gás renovável na matriz. E isso será viável sem que seja necessário pensar em uma nova mudança de rota tecnológica, uma vez que o gás natural e o biometano são intercambiáveis em sua utilização no equipamento de transporte.

No Brasil, a solução gás ainda contará com cenários muito prolíficos de médio e longo prazo para o biometano em substituição ao gás natural no futuro. As perspectivas de crescimento da oferta de biometano são promissoras depois da aprovação da lei federal 14.993/2024, a lei do Combustível do Futuro.

A capital paulista tem o potencial de produção de cerca de 6 milhões de metros cúbicos diários de biometano, equivalente à metade de todo o consumo de gás natural do estado e muito superior à necessidade das frotas de transporte público de suas principais cidades. A vocação sucroalcooleira do interior de São Paulo pode transformar o estado em uma referência mundial de transição energética, baseada no biometano. 

Em resumo, os exemplos em diversos países mostram que o gás natural tem sido elemento importante para efetivar a transição energética do transporte público urbano, com ganhos palpáveis – econômicos, ambientais e na melhoria da qualidade de vida das populações. 

São muitos os casos internacionais de sucesso para os quais São Paulo deveria olhar com toda a atenção. Ainda precisamos avançar na regulamentação dos instrumentos legais aprovados em 2024/2025.

Contudo, pode-se garantir que a PMCMSP conta agora com rotas tecnológicas mais robustas, complementares, com adoção de gás natural, biometano e energia elétrica, e que podem serem somadas imediatamente para construir um futuro mais respirável e descarbonizado na cidade.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Edmilson Moutinho Santos é doutor em Economia da Energia e professor associado do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP). É Pesquisador principal e coordenador de Programa no Research Center for Greenhouse Gas Innovation.



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