Opinião

Rumo ao carbono negativo: o potencial brasileiro para liderar o mercado global de CCS

País combina experiência em reservatórios, biomassa e indústria diversificada, mas enfrenta lacunas regulatórias e desafios econômicos para consolidar CCS, escrevem Luiz Gustavo Bezerra e Gedham Gomes

Luiz Gustavo Bezerra é sócio da prática de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Tauil & Chequer Advogados no Brasil (Foto Divulgação)
Luiz Gustavo Bezerra é sócio da prática de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Tauil & Chequer Advogados no Brasil (Foto Divulgação)

O Brasil reúne uma combinação rara de atributos que o colocam em posição privilegiada para liderar a próxima fronteira da descarbonização global. 

Com vasta experiência na gestão de reservatórios geológicos, abundância de biomassa e parque industrial diversificado, o país tem condições de transformar a captura e armazenamento de carbono (CCS, em inglês) em vetor estratégico de transição climática

A urgência da descarbonização em setores industriais intensivos em emissões de gases de efeito estufa é inegável.

A trajetória rumo ao Net Zero até 2050, conforme compromissos assumidos no Acordo de Paris e respaldado por organismos internacionais, como a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) e o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês), exige tecnologias capazes não apenas de reduzir, mas de remover emissões. 

Nesse contexto, o CCS, e sua variação com a utilização do CO2 capturado, o CCUS, emergem como instrumento indispensável para o atingimento de tais objetivos.

O CCS se mostra particularmente relevante para os chamados setores “hard to abate”, a exemplo da siderurgia, indústria química, óleo e gás e cimenteiro, onde a transição para fontes renováveis enfrenta barreiras técnicas e econômicas.

Tecnologias como o BECCS (bioenergia com CCS), por sua vez, permitem projetos “carbono negativo”, altamente valorizados. 

O Brasil reúne condições únicas para liderar em ambas as frentes, não apenas pela expertise em reservatórios subterrâneos, adquirida na indústria de petróleo e gás, mas também pela disponibilidade de biomassa processada em regiões com potencial de armazenamento geológico.

O marco legal do CCS no Brasil começa a se consolidar com a edição da Lei nº 14.993/2024, que, no âmbito do programa Combustível do Futuro, estabeleceu as bases para a regulação da captura, transporte e estocagem geológica de CO2, sob a regulação da ANP. O modelo adotado foi o de regime autorizativo, com outorga por 30 anos, prorrogável. 

Apesar do avanço representado pela recente lei, ainda existem lacunas regulatórias importantes, destacando-se a ausência de regras sobre a responsabilidade pós-devolução dos reservatórios e a indefinição de critérios técnicos para o monitoramento e verificação de integridade geológica. 

A ANP, ciente dos desafios, tem adotado uma abordagem de regulação experimental na forma de projetos-piloto, que permitirão avanços com segurança e aprendizado.

Conexão com mercados de carbono

O desafio, porém, não é apenas regulatório. A viabilidade econômica de projetos de CCS ainda é limitada pelo alto Capex e pela incerteza quanto à remuneração das toneladas de carbono capturadas. Nesse ponto, os mercados de carbono surgem como um pilar fundamental para contribuir com as variáveis que determinam a viabilidade econômica de tais projetos. 

Projetos de CCS e BECCS já encontram respaldo para gerar créditos de carbono com base em metodologias aprovadas por entidades como a Verra e a Gold Standard, destravando um valor associado a tais créditos e atendendo as exigências de compradores corporativos cada vez mais atentos à qualidade e integridade de ativos oriundos de projetos de carbono.

Além disso, a regulamentação, implementação e operacionalização do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) deverá impulsionar ainda mais essa demanda, possibilitando o uso dos ativos do SBCE tanto em estratégias voluntárias quanto no cumprimento das metas de redução do nascente cap and trade brasileiro. 

Essa conexão entre CCS e mercados de carbono já vem sendo vislumbrada em preparação à COP-30. A 4ª Carta da Presidência da COP, publicada em junho, já antecipa a importância de se promover a integridade ambiental dos mercados de carbono e sua conexão com metas climáticas, o que, naturalmente, cria espaço para que soluções como o CCS contribuam para o avanço da agenda climática. 

Apesar disso, chama atenção o fato de que a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira ainda não menciona o CCS como instrumento de mitigação, o que contrasta com o potencial técnico e econômico da tecnologia no país.

PD&I e regulação ambiental

Outro elemento crítico para a consolidação do CCS no Brasil é o investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I). A própria ANP tem fomentado projetos com o uso dos recursos de PD&I estabelecidos em contratos de concessão. 

Segundo dados da Agência, de 2017 a 2025, mais de 200 projetos de alguma forma relacionados a CCS foram beneficiados, incluindo tecnologias de captura, iniciativas de armazenamento e uso, desenvolvimento de infraestrutura e avaliação da viabilidade de diferentes rotas tecnológicas. 

Tais experiências são essenciais para o desenvolvimento do setor, inclusive por meio de rotas tecnológicas mais desafiadoras, como a captura direta do ar (DACCS).

A regulação ambiental é outro ponto de atenção. 

De um lado, é bem verdade que a essência do licenciamento ambiental — avaliação de impactos e definição de medidas para evitá-los, mitigá-los ou compensá-los — é perfeitamente aplicável a projetos de CCS, o que significa dizer que, a rigor, tais projetos são licenciáveis a despeito da inexistência de regulamentos específicos tratando do licenciamento ambiental de projetos de armazenamento geológico de carbono. 

Contudo, também é verdade que a inexistência de tais regulamentos pode gerar incertezas quanto aos critérios de exigência, condicionantes aplicáveis e articulação com outras etapas regulatórias. 

Ademais, a aceitação social da tecnologia é um fator essencial. A já conhecida “licença social para operar” exige transparência, diálogo com a sociedade civil, acesso a informações técnicas e envolvimento de instituições capacitadas para garantir o monitoramento de riscos.

Para que tais projetos ganhem escala e alcancem seu potencial, é necessária uma combinação virtuosa entre regulação clara e eficiente, investimento em pesquisa e inovação, e instrumentos econômicos robustos. 

O Brasil não pode perder mais esta oportunidade. Mais do que isso, é preciso estruturar políticas públicas setoriais que incentivem projetos em larga escala, sob pena de perda de competitividade e comprometimento da trajetória rumo à neutralidade climática.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores e não necessariamente da instituição para a qual trabalham ou estão vinculados.


Luiz Gustavo Bezerra é sócio da prática de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Tauil & Chequer Advogados no Brasil, com atuação relevante em contencioso, consultoria e transações (M&A).

Gedham Gomes é sócio da prática de Ambiental do Tauil & Chequer Advogados no escritório do Rio de Janeiro, com experiência na advocacia ambiental desde 2007.

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