Proposta de "royalties sobre o vento" força setores eólico e solar a refletir

Proposta de "royalties sobre o vento" força setores eólico e solar a refletir
Usina de Energia Eólica (UEE) em Icaraí, no Ceará (CE). Foto: PAC

Terminado o carnaval, o ano começa para os setores de energias renováveis com uma pauta tão exdrúxula quanto inconveniente: a proposta de um senador piauiense retoma, desta vez com mais firmeza e respaldo de uma emenda constitucional, a reiterada tentativa de assessores e parlamentares iluminados de instituir um “royalty” sobre o uso do vento e, por que não logo estender, também sobre o uso da radiação solar.

Não é a primeira vez que oportunistas ocasionais sucumbem à quase inevitável comparação com os royalties do petróleo, mesmo devidamente avisados quanto à natureza jurídicadestes visando a compensar financeiramente as regiões produtoras pela depleção de jazidas de recursos não-renováveis.

Tampouco adianta explicar sobre a aguda regressividade deste mecanismo na viabilidade econômica dos projetos, uma vez que, apesar de apresentar alíquotas aparentemente pequenas, o royalty incide sobre a receita bruta, sem considerar as diferenças de rentabilidade e volume de investimentos de cada empreendimento.

A essência do argumento para os royalties do vento e do sol soa mais forte e mais imponente que tudo isso. O argumento é que usinas eólicas e fotovoltaicas são construídas em localidades remotas e/ou turísticas do Brasil, fortalecem e aquecem as economias locais por um tempo mas, ao longo da sua operação, passam a não gerar mais tanta receita para os estados e municípios anfitriões.


Isso cala fundo na pauta local de prefeitos, vereadores, governadores e deputados estaduais – o que tende a subir com força impetuosa para os debates federais no Congresso Nacional. Por isso, apesar de não fazer qualquer sentido técnico-fiscal e de não encontrar precedente em país algum, a idéia dos royalties vem ganhando força.

Convenientemente fora de pauta, persiste a insólita questão de que o setor energético (juntamente com o de petróleo e gás) recolherem ICMS para as regiões consumidoras, e não para os locais onde produzem/geram – como é o caso de todos os demais produtos. Decorrente de um cenário completamente obsoleto de compensação para São Paulo pela criação dos royalties do petróleo na Constituinte de 1988, hoje esta configuração mostra-se inapropriada, desigual e até anti-econômica. Com o advento das fontes renováveis (biomassa, PCHs, eólicas e fotovoltaicas), a quantidade de estados e municípios que geram energia aumentou substancialmente. Por outro lado, a incidência do ICMS em favor da localidade consumidora é uma indução ao desperdício e à ineficiência energética!

Por todas estas razões, urge a alteração da destinação do ICMS da energia de forma a compensar, ao menos parcial e gradualmente, os estados e municípios geradores. Isso eliminaria a discussão sobre benefício fiscal local e, ao mesmo tempo, não oneraria adicionalmente os empreendimentos recém-viabilizados nas áreas de aproveitamento de fontes renováveis.

Mesmo apesar de todas as explicações formais, o fato de apenas subestimar as causas reais do ambiente que gerou este inadequado projeto de royalties sobre o vento (e sobre o sol) não resolve a questão. É preciso atacá-las de frente, e só a indústria energética pode fazê-lo efetivamente.

Em tempo, é preciso adicionar que a equalização das taxas de juros e condições de financiamento aos projetos socioambientais (“sub-crédito“), recentemente determinada pelo Governo Federal ao BNDES, também contribui para este cenário de decepção das cidades e comunidades quanto aos empreendimentos eólicos e solares.

Portanto, é passada a hora de se deixar de escamotear este desconfortável dilema: ou se trabalha consensualmente no aprimoramento das receitas e benefícios para as regiõesque geram energia, ou se terá que brigar o tempo todo contra iniciativas legislativas e executivas heterodoxas, impositivas e surpreendentes.

Este e outros temas serão discutido no X Fórum Nacional Eólico – Carta dos Ventos +10, a realizar-se no primeiro semestre deste ano, e também, no que se referem às repercussões para o setor solar fotovoltaico, na X Conferência Nacional de Energia Solar – Solarinvest Brasil 2018.

Jean-Paul Prates é Diretor-Presidente do CERNE – Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia