Em pleno 2025, o cenário energético europeu segue tensionado entre princípios e realidades. A guerra na Ucrânia caminha para seu quarto ano, sem previsão de desfecho claro.
Sanções contra a Rússia se multiplicaram, mas o fluxo de gás natural liquefeito (GNL) russo para a Europa permanece — muitas vezes reconfigurado, mas não interrompido.
O paradoxo europeu se acentuou: como conciliar ambição climática, independência geopolítica e segurança energética? A resposta parece estar mais próxima do pragmatismo do que da utopia.
Embora a União Europeia tenha avançado na diversificação de fornecedores — com aumento expressivo das importações de GNL dos Estados Unidos, Qatar e África Ocidental —, a dependência parcial da Rússia não foi eliminada.
Hoje, boa parte do gás russo que entra na Europa chega por vias indiretas, muitas vezes triangulado por países terceiros ou por meio de mercados spot mais opacos.
Essa manobra é reveladora: mesmo sob forte pressão política, a lógica da segurança do suprimento impõe-se ao discurso. A energia, afinal, ainda é a base invisível de qualquer estabilidade social e industrial.
A lição europeia é clara: não existe substituição imediata para estruturas energéticas complexas. E acelerar a transição sem garantir estabilidade técnica, econômica e geopolítica pode ser perigoso.
A tentativa de abandonar o gás russo de forma abrupta aumentou custos, gerou choques de oferta e forçou governos a recuar em metas ambientais para garantir aquecimento no inverno e competitividade industrial.
No tabuleiro energético global, a Rússia preserva sua força. Com infraestrutura robusta e preços competitivos, Moscou reposicionou suas exportações para Ásia e Oriente Médio, sem abandonar completamente a Europa.
O gás natural, por sua flexibilidade e valor estratégico, permanece como ferramenta de influência geopolítica — e continuará sendo, até que se consolidem substitutos confiáveis e acessíveis.
E o que o Brasil tem a ver com isso? Muito
O caso europeu serve como um espelho dos desafios e oportunidades que temos pela frente. Nossa matriz elétrica segue majoritariamente renovável, com mais de 85% da geração oriunda de fontes limpas, segundo dados do MME.
Mas essa aparente vantagem esconde vulnerabilidades: dependência de hidrologia, gargalos de transmissão, ausência de uma reserva de capacidade robusta e uma política energética que ainda carece de visão sistêmica de longo prazo.
O gás natural no Brasil continua subutilizado. Temos um pré-sal promissor, mas com escoamento limitado. Temos infraestrutura fragmentada e um mercado que ainda engatinha em termos de competição e integração nacional.
No entanto, o potencial é imenso. O gás pode ser o vetor de segurança e transição — não apenas energética, mas também industrial, principalmente para setores como fertilizantes, vidro, cerâmica, cimento e mobilidade pesada.
Ao mesmo tempo, o Brasil se apresenta cada vez mais como potência energética limpa, ao consolidar cadeias produtivas de hidrogênio, biocombustíveis, energia solar, eólica e nuclear.
Esses atributos posicionam o país como fornecedor confiável em um mundo que busca alternativas aos combustíveis fósseis tradicionais — mas que também exige confiabilidade, estabilidade e escala.
O Brasil pode oferecer alternativas sustentáveis e seguras para mercados europeus e asiáticos, contudo, para cumprir esse papel estratégico, é preciso coordenação.
Precisamos integrar política externa, regulação técnica, financiamento e planejamento de longo prazo. É hora de conectar o Itamaraty ao Operador Nacional do Sistema (ONS), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel ) ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o setor privado à diplomacia energética.
Sem isso, perderemos protagonismo num momento em que o mundo busca novos líderes energéticos.
Caso europeu não é só uma crise — é um aviso
O Brasil pode evitar o erro de tentar acelerar sua transição ignorando os pilares da segurança energética. Podemos combinar ambição climática com pragmatismo técnico. Temos fontes, temos reservas, temos credibilidade institucional. Falta agora transformar potencial em estratégia.
Que a Europa nos inspire. Não por seus tropeços, mas pela clareza que seus dilemas oferecem. Em energia, o tempo é um ativo tão valioso quanto o megawatt. E a segurança energética não é luxo — é pré-condição para qualquer desenvolvimento sustentável.
Tiago Lobão Cosenza, advogado especialista em energia, é sócio fundador do escritório Lobão Cosenza, Figueiredo Cavalcante Advogados (LCFC+ Advogados). É membro do Instituto Brasileiro de Direito da Energia (IBDE).