Energia

O desafio da descarbonização da matriz energética mundial

Segundo a Climate Watch, cerca de 67% das emissões globais de GEE estão atreladas a combustíveis fósseis e processos industriais, escrevem Emílio Matsumura e Marina Azevedo

Ações de descarbonização de planos nacionais não conseguirão levar a uma completa eliminação das fontes fósseis, indicam estudos (foto: Shyjo Shutter)
Ações de descarbonização de planos nacionais não conseguirão levar a uma completa eliminação das fontes fósseis, indicam estudos (foto: Shyjo Shutter)

As emissões antrópicas de gases de efeito estufa (GEE) estão relacionadas aos impactos cada vez mais frequentes e intensos de fenômenos ligados às mudanças climáticas, como eventos extremos e alterações em regimes de chuvas.

De acordo com os dados da Climate Watch, cerca de 67% das emissões mundiais de GEE está atrelada ao uso de combustíveis fósseis e processos industriais. Dessa forma, a chamada descarbonização, que consiste na redução da dependência dos combustíveis fósseis emissores de GEE na matriz energética mundial em favor de fontes menos emissoras (notadamente as renováveis como solar e eólica), tem tido e terá um papel chave na transição energética.

Por sua centralidade no processo, é muito comum a descarbonização ser compreendida como a própria transição energética, o que é uma análise limitante, como apontado em artigo anterior.

Um dos grandes desafios da descarbonização é que esse processo precisa acontecer em um espaço de 30 anos para conseguirmos limitar as emissões de GEE em conformidade com as metas do Acordo de Paris. A depender da ambição escolhida, sua velocidade e intensidade serão maior ou menor.

Historicamente, processos de alteração de perfil da matriz energética levam mais de 50 anos. Assim, para acelerar essa transição, vários países assumiram o compromisso de eliminar suas emissões líquidas de carbono até 2050, e lançaram planos nacionais sinalizando estratégias para alcançar esse objetivo.

Compromissos NET-ZERO anunciados por países (Fonte: IEA, 2021)
Compromissos NET-ZERO anunciados por países (Fonte: IEA, 2021)

Contudo, é importante ressaltar que as ações de descarbonização indicadas nos planos nacionais não conseguirão levar a uma completa eliminação das fontes fósseis, que ainda terão uma participação importante na economia global segundo os estudos.

As principais medidas apontadas nas estratégias dos países em seus planos de descarbonização passam pela eletrificação de diversos usos finais, como por exemplo a substituição da frota de veículos com motores a combustão por veículos elétricos.

Para atender essas novas demandas criadas principalmente pela indústria e pelo setor de transportes, o setor elétrico terá que aumentar sua participação na matriz energética. Sua expansão deve ser pautada em fontes renováveis e tecnologias de armazenamento.

Já nos processos e setores difíceis de eletrificar, as apostas estão concentradas em tecnologias incipientes, como o hidrogênio renovável e os biocombustíveis avançados (ex. SAF – Combustíveis Sustentáveis de Aviação, na sigla em inglês), ou ainda em sistemas de captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em inglês) e aumento da eficiência energética.

Não existe solução única na estratégia de descarbonização dos diversos setores, mas sim uma combinação de tecnologias, que deve ser apoiada por políticas oportunas, eficazes e precisas.

Já sob a perspectiva financeira, novas linhas de ativos vêm sendo criadas para dar suporte a projetos ligados à redução das emissões, à preservação do meio ambiente e a questões climáticas (fundos vinculados aos green, climate e nature bonds).

Os fundos representam uma forma de incentivar os investidores na direção da mitigação das mudanças climáticas e de aumentar a arrecadação de recursos que viabilizem o desenvolvimento de projetos alinhados com os objetivos do Acordo de Paris. Outras linhas de fundos de financiamento apresentam critérios que vetam a participação de projetos com alto impacto ambiental.

Dessa forma, a descarbonização da matriz energética mundial pode representar grandes oportunidades de negócios, em particular para o Brasil. Se, por exemplo, os consumidores começarem a enxergar valor nos produtos originados a partir de fontes renováveis, o país pode ampliar sua participação nos mercados mundiais ofertando esses produtos com custos menores que seus concorrentes.

A base dessa competitividade internacional do Brasil é sua alta disponibilidade e variedade de recursos naturais com custos de exploração e transformação relativamente baixos. A diversificação do portfólio energético permite ainda ganhos de sinergia significativos:  a título de exemplo, no setor elétrico, a forte matriz hidrelétrica nacional e a extensa rede de transmissão viabilizam a expansão de fontes renováveis variáveis, como a eólica e a solar fotovoltaica.

A dimensão continental do país nos permite adicionalmente nos beneficiar da sazonalidade complementar entre as fontes eólica, biomassa e hídrica, e que seja feito o uso compartilhado do sistema de transmissão.

Essas características fazem com que o Brasil esteja mais preparado para lidar com as fontes de caráter intermitente, o que ainda representa um grande obstáculo para os demais países, e coloca o país à frente no mercado internacional de “produtos renováveis”.

Os maiores riscos hoje para a agenda de descarbonização estão associados ainda a uma falta de compreensão dos agentes sobre as oportunidades a ela associadas; à postergação das ações para uma transição energética (quanto maior a espera, mais complexa e mais custosa essa transição se torna); e aos diversos lobbies que atuam no sentido de promover o uso das fontes fósseis quando existem outras opções mais competitivas e de menor emissão.

Um exemplo recente é a aprovação do Projeto de Lei 712/2019, que garante a contratação de térmicas a carvão mineral em Santa Catarina até 2040.

Por fim, a descarbonização representa uma oportunidade para o Brasil se posicionar como um provedor de soluções de baixo carbono para outras regiões. O país tem tudo para se transformar em uma potência descarbonizadora global, oferecendo uma contribuição de menor custo e com escala suficiente para aumentar os esforços globais para redução dos GEE associados à transformação e ao uso da energia no mundo.

Emílio Matsumura é diretor-executivo do Instituto E+ Transição Energética e professor do IBMEC/RJ. 

Marina Azevedo é consultora técnica do Instituto E+ Transição Energética.