RECIFE — Se as mudanças climáticas não forem levadas a sério, os impactos causados pela chuva — como os que ocorrem em Pernambuco desde a semana passada — se tornarão frequentes.
De acordo com o Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (IPCC, sigla em inglês), entre os anos de 2010 a 2020, o número de mortes causadas por inundações, secas e tempestades foi 15 vezes maior.
Na capital de Pernambuco, o acúmulo de água já é o maior registrado nos últimos 50 anos, segundo o prefeito do Recife, João Campos (PSB), e vitimou, até o momento de publicação desta matéria, 91 pessoas, além de 26 desaparecidos. Cerca de 5 mil pessoas estão desabrigadas.
“Houve uma coincidência de dois fenômenos, que aconteceram de forma intensa. O primeiro são as ondas de leste que transportam a umidade [para o ambiente], e o segundo fenômeno é causado por uma alta temperatura em uma região do oceano — conhecida como ‘piscina quente’ –, que fica sempre com uma temperatura superior a 27º C, mas que estão mais quentes que o normal. A junção desses fenômenos fez com que houvesse essa grande precipitação na borda leste do nordeste”, explica Moacyr Araújo, coordenador da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima).
Apesar do impacto assustador com que as chuvas se apresentaram no estado em 2022, é de conhecimento dos pernambucanos, principalmente dos gestores, que este período do ano seja marcado pelos transtornos causados pelo grande volume de água.
“Recife foi e continua sendo uma cidade ocupada irregularmente. Quando se aterra uma área de rios, manguezais ou espaços de vegetação para construir prédios ou casas, por exemplo, acontece o que nós estamos vendo porque a água vai procurar espaço para passar”, comenta o gestor ambiental Herbert de Souza Andrade.
“O que vai causar a enchente é que, a partir de um aterro, se perde a capacidade de drenar a água e essa água vai transbordar e invadir a cidade. É essa falta de planejamento urbano que causa tudo isso”, completa.
- Mundo está despreparado para os próximos impactos das mudanças climáticas, alerta IPCC Conscientização sobre os riscos e as ações para reduzi-los aumentaram globalmente, mas medidas de adaptação têm sido insuficientes
Em 2019, o então prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), assinou um decreto reconhecendo a emergência climática global. Contudo, em 2021, a gestão municipal — já sob o comando de João Campos (PSB) — retirou R$ 5 milhões da ação de Requalificação dos Cursos de Água (voltada para obras em rios e canais) e destinou para a área de comunicação. O decreto 34.543/2021 foi publicado no dia 5 de maio.
No ano passado, apenas 0,79% do orçamento da capital pernambucana foi destinado à urbanização em áreas de risco. O dado foi divulgado pelo vereador Ivan Moraes Filho (PSOL).
A situação se agrava porque os maiores impactados são pessoas em situação de vulnerabilidade, que vivem em lugares com menos infraestrutura e acesso a serviços básicos como saúde e locomoção, por exemplo.
Ainda segundo o levantamento da ONU, cerca de 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas vivem em espaços mais suscetíveis às mudanças climáticas. Os lugares com taxas de vulnerabilidade mais altas estão particularmente situados na África Ocidental, Central e Oriental; Sul da Ásia; América Central e do Sul.
Avanço do mar
Para além dos impactos da chuva, Recife também sofrerá com o aumento do nível do mar, além das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, de acordo com o IPCC. O Fórum Internacional Recife Exchange Netherlands (RXN) relacionou os 62 bairros do Recife irão vivenciar de perto o aumento.
“Os desafios para a gestão da água serão grandes no curto, médio e longo prazo, dependendo da magnitude, taxa e detalhes regionais das futuras mudanças climáticas, e serão particularmente desafiadores para regiões com recursos limitados“, diz o IPCC.
De acordo com os cientistas, a população exposta a uma inundação costeira está projetada para aumentar em cerca de 20%, se o nível médio do mar global aumentar 0,15 m em relação aos níveis de 2020; essa população exposta dobrará se o aumento alcançar 0,75 m no nível médio do mar e triplicará em 1,4 m sem mudança populacional e adaptação adicional.
O documento alerta que os problemas enfrentados pelas enchentes e inundações estão ligados às políticas públicas e ambientais.
“Melhorar a retenção da água, como a restauração de pântanos e rios, planejamento do uso da terra, como zonas proibidas para construção ou de manejo florestal, podem reduzir ainda mais o risco de inundação. A irrigação é eficaz na redução do risco de seca e dos impactos climáticos em muitas regiões e tem vários benefícios de subsistência, mas precisa de uma gestão adequada para evitar potenciais resultados adversos, que podem incluir o esgotamento acelerado das águas subterrâneas, além do aumento da salinização do solo”, concluiu o relatório.