A transição explicada

Narrativas da transição

Brasil precisa explorar energia eólica e solar combinadas com hidrelétricas com reservatórios, escreve Marina Almeida

Marina Almeida, especialista em transição energética do Instituto E+ (Foto Divulgação)
Marina Almeida

O Brasil possui características únicas em relação à transição energética. Os investimentos em hidroeletricidade e etanol iniciados há mais de 50 anos combinados com o desenvolvimento de projetos de energia solar e eólica desde os anos 2000 colocam o país muito à frente do resto do mundo nesse processo.

Além disso, o amplo e diversificado potencial de fontes limpas ainda não explorado confere ao Brasil a oportunidade de traçar seus próprios rumos de descarbonização, optando por alternativas mais adequadas e competitivas para a sua realidade.

É preciso, portanto, cautela com tendências ou modismos internacionais sobre o tema.

A energia do sol e do vento sem dúvida deve seguir compondo o cardápio das soluções brasileiras.

A abordagem não pode, no entanto, ser a mesma adotada nos países do hemisfério Norte: para garantir a eficiência do sistema elétrico brasileiro, maior competitividade e menores impactos ambientais, essas fontes têm de ser exploradas de maneira combinada com outra característica praticamente exclusiva do país, que são as hidrelétricas com reservatórios.

A ideia é aproveitar a flexibilidade dessas usinas para cobrir as fontes variáveis nos momentos de grandes variações de oferta, como quando o sol se põe, fazendo o chamado seguimento de carga. 

O Brasil também dispõe de soluções específicas para a substituição de combustíveis fósseis na indústria.

O hidrogênio pode ter um papel relevante para reduzir o uso de gás natural nessas operações, mas a troca do fóssil por biometano tende a ser mais ágil tanto em termos de oferta como de mudanças estruturais nas linhas de produção.

Além disso, o carvão mineral pode ser trocado por carvão vegetal sustentável e outras biomassas, com o aproveitamento dos potenciais das diferentes geografias — resíduos agrícolas no Centro-Oeste ou reflorestamento de áreas degradas no Sudeste, por exemplo.

A ideia do gás natural como combustível da transição também não se aplica no caso brasileiro.

Essa lógica pode fazer sentido em países em que o gás seja a única opção para a substituição de energéticos com potencial superior de emissão de gases de efeito estufa, como carvão mineral e derivados de petróleo.

Mas aqui, há opções mais limpas e competitivas para tanto, sem a necessidade de se ampliar o uso do gás que, além de ser de origem fóssil, exigiria um esforço enorme da sociedade brasileira em termos de novos investimentos na expansão da infraestrutura de gasodutos de longa maturação e custos elevados. 

Por fim, ainda com relação aos fósseis, é necessária muita cautela sobre a captura e a estocagem de carbono.

Ao retirar carbono da atmosfera, em princípio o modelo poderia ser uma oportunidade importante para a descarbonização.

Mas a equação não faz sentido — e isso não só no caso brasileiro — se o processo for vinculado a um aumento muito mais significativo da produção de petróleo e gás e, consequentemente, das emissões vinculadas ao seu consumo que justamente precisam ser evitadas. 

Diante de tantas opções e vantagens comparativas, o desafio do Brasil já não é encontrar caminhos, mas sim transformar esse potencial em realidade.

E isso exige planejamento de longo prazo, desenvolvimento de soluções próprias e articulação de instrumentos que sustentem esse processo.

O essencial não é apenas multiplicar alternativas, mas otimizar e coordenar o que já existe, para que se traduza em resultados concretos.


Marina Almeida é especialista em Transição Energética do Instituto E+ Transição Energética.

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