RIO — Equinor, Eneva, Vale e FS Bionergia aguardam a regulamentação da atividade de captura e armazenamento de carbono (CCS), bem como a precificação de emissões para viabilizar projetos neste sentido no Brasil.
Representantes das quatro empresas participaram nesta quinta (25/4) de evento promovido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para lançamento do caderno de Captura, Armazenamento e Utilização de Carbono no Brasil.
“O Brasil está avançando muito nessa agenda verde, com vários projetos de leis, seja de CCS, seja da criação de um mercado de carbono. Isso vai ser fundamental para estabelecer esse arcabouço regulatório, trazer a estabilidade jurídica e atrair os investimentos necessários”, afirmou a vice-presidente da Equinor do Brasil, Claudia Brun.
Segundo a executiva, um dos grandes desafios da companhia no Brasil é mostrar para a matriz norueguesa que deveriam olhar o país como uma oportunidade no que diz respeito ao CCS.
“O foco é na Europa, e nos Estados Unidos – por conta do Inflation Reduction Act (IRA), que trouxe uma série de oportunidades”.
Hoje, a empresa, ao lado da Shell e TotalEnergies, desenvolve uma dos maiores projetos de CCS do mundo, na Noruega, o Northern Lights. A executiva lembra que lá o governo norueguês se comprometeu a arcar, ao longo dos primeiros dez anos, com parte do Capex e Opex do empreendimento.
“Três quartos desses custos todos vão ser bancados pelo governo norueguês. Estamos falando de mais ou menos 2 bilhões de euros”, diz.
Mesmo assim, a precificação do carbono é uma condição relevante para a viabilidade da atividade. O custo de capturar, transportar e armazenar o gás de efeito estufa ainda não é compensado totalmente pelos mercados de carbono.
“Mesmo no ambiente europeu, em que você tem a taxação do carbono, o CCS ainda não é viável economicamente sem subsídios robustos. Nesse projeto, a estimativa é de que ele vai ter um custo limitado de emissão de carbono equivalente a uns 200 euros por tonelada, quando hoje o mercado regulado de carbono na Europa, de ETS, está em torno de 67 euros”.
Etanol com CCS
Claudia também ressalta que o Brasil deveria olhar com atenção para o potencial de captura na bioenergia, o BECCS (sigla em inglês para bioenergia com CCS).
O Brasil, por exemplo, tem alto potencial para implantação de BECCS na produção de etanol a partir de cana-de-açúcar e milho, pois esses processos geram fluxos de CO2 de alta pureza.
“O Brasil tem uma abundância enorme de biomassa, que já é neutra em si, e que, quando aliada ao CCS para remover CO2 da atmosfera, pode ter emissões negativas”, afirma a VP da Equinor.
Por aqui, a produtora de etanol de milho FS está investindo R$ 350 milhões em um sistema para capturar, comprimir e transportar o CO2 emitido pela fábrica de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, até um local de armazenamento subterrâneo.
O projeto está em fase de confirmação geológica e deve ter o resultado dos estudos nas próximas semanas, segundo Daniel Lopes, vice-presidente de sustentabilidade e novos negócios da FS.
“O primeiro desafio é o geológico, vamos terminar isso nos próximos 30 dias. O segundo é o regulatório, que está evoluindo. O governo ganhou tração nesse tema, e esperamos que nos próximos meses seja aprovado, bem como as resoluções sobre o tema”, disse Lopes.
O terceiro desafio, na avaliação do executivo, é a monetização do serviço que consiga viabilizar financeiramente os projetos.
“A monetização é crucial. Temos que falar mais sobre [comércio de emissões], tanto no ambiente voluntário, quanto no ambiente regulado. Como deveria ser o arcabouço disso para não ter dupla contagem, mas para também ajudar na viabilização do projeto”
Segundo ele, o potencial do CCS no Brasil deve ser incluído na contribuição nacionalmente determinada pelo Brasil ao Acordo de Paris (NDCs, em inglês), como maneira de incentivar a remuneração justa.
“É um custo que o Renovabio, hoje, com um patamar de crédito de 20 dólares, não é suficiente. E a gente compete com mercados, como o norte americano, em que você tem o incentivo do IRA, em que, de partida, paga US$ 70 a 85 a tonelada”.
“Como garantir que esse etanol, o carbono negativo que eu produzi, fique no Brasil e não vá para fora? Porque hoje eu tenho todo o incentivo de exportar ele. E acho que essa discussão é uma discussão para a gente avaliar, acho que uma ideia aqui é que o Renovabio também é um crédito de descarbonização”, comenta.
Carbono como commodity
Para Luciano Bravo, gerente de projetos da Eneva, o Brasil precisa pensar no CCS como uma commodity de exportação, agilizando a regulação para que os investimentos necessários nos projetos de CCS não ocorram apenas por meio de subsídios governamentais.
“O Brasil tem um potencial de realmente poder exportar. A ANP e o Ministério de Minas e Energia devem acreditar que essa commodity de injeção de CO2 possa ser exportada como realmente um benefício importante”, disse.
A empresa já certificou, no campo de Gavião Real (Maranhão), onde opera, a capacidade de armazenagem de 32 milhões de toneladas de CO2 em um reservatório depletado, e outras 20 milhões de toneladas de CO2 em um reservatório salino, abaixo do reservatório depletado.
A companhia também realiza estudos na Bacia do Paraná, olhando não só o gás natural, como também para o potencial de armazenamento de CO2.
“Vamos precisar de um marco legal para poder ter as autorizações de injeção de CO2, e discutir como vamos criar esse mercado de CO2. A Eneva está muito ativa, está com o pé firme, só vai precisar agora das ajudas da parte do marco legal e da comercialização do CO2”.
Descarbonização de setores difíceis de abater
A Vale, maior mineradora do país, também vê no CCS uma oportunidade de reduzir as emissões em suas operações, que não podem ser evitadas por meio da eletrificação ou uso de biocombustíveis.
Segundo Rossano Pilon, engenheiro da companhia, há uma conversa com a Petrobras para tentar viabilizar projetos de CCS em conjunto nos Estados Unidos, estimulados pelas políticas de incentivo do país.
“O nosso setor de ventures capital está de olho nas indústrias norte-americanas, devido aos incentivos. Tem bastante gente mexendo com isso, como a Boston Metal (…) Para nós, é o caminho. Não tem como não pensar nisso. Vai ser necessário”.
Pilon acredita que o Brasil deve adotar políticas de incentivo à redução de carbono, para viabilizar os projetos de CCS, a exemplo de um mercado regulado.
“Hoje a gente utiliza um preço sombra que na nossa visão é muito aquém do que o mercado pode fornecer. É um mercado de créditos e provavelmente isso, saindo, vai viabilizar projetos nossos, vai fazer a gente agir de forma mais rápida”, afirma.
“Algumas medidas protetivas do mercado europeu, como o CBAM [mecanismo de ajuste de fronteira de carbono], já nos indicam que a gente pode acelerar o uso de biocombustíveis em alguns produtos e ser diferenciado nesse produto. Isso já está fazendo a empresa pensar diferente”, completa.
Isabela Morbach, cofundadora e diretora da CCS Brasil, destaca que o IRA foi responsável por destravar 55 projetos nos Estados Unidos, ao dar um incentivo fiscal de aproximadamente US$ 70 por tonelada de CO2.
“Precisamos criar uma demanda financeira para o CCS, e para encontrar essa demanda financeira, precisamos reconhecer o papel do CCS na descarbonização. Seja como redução, o reconhecimento efetivo de que ele reduz emissões em diversos ciclos de atividade. Seja como papel de removedor, emissão líquida negativa”, afirma.
Para Isabela, o mundo está debruçado nas discussões para incluir o CCS nas regulações de comércio de emissões e nas NDCs, e o Brasil deveria seguir esse caminho.
A advogada defende a inclusão da atividade de captura e armazenamento do gás de efeito estufa no projeto de lei que cria o mercado regulado de carbono, como uma solução de descarbonização, indo além das baseadas na natureza.
“O mercado de carbono, quando a gente lê o texto, seja a versão anterior, seja a nova versão, as tecnologias de descarbonização não estão contempladas na lógica do mercado de carbono regulado do Brasil. E a gente precisa convencer que o Brasil não é só solução baseada na natureza”, defende.