Foco no carvão

Justiça interrompe plano de transição energética do RS por falta de participação social

Contratação de estudo com foco no carvão foi suspensa e governo estadual precisará elaborar nova encomenda

Vista aérea das instalações e chaminés do Complexo Termelétrico Presidente Médici (Candiota 3), da CGTEE, em Candiota, no Rio Grande do Sul, mais antiga usina a carvão do país (Foto Eduardo Tavares/PAC)
Complexo Termelétrico Presidente Médici – Candiota 3, a mais antiga usina a carvão do país | Foto Eduardo Tavares/PAC

A newsletter diálogos da transição volta dia 27 de janeiro, com a nossa cobertura sobre clima e transição energética direto no seu e-mail.


BRASÍLIA – A elaboração do Plano de Transição Energética Justa do Rio Grande do Sul precisará contar com a participação da sociedade e incluir diferentes alternativas para a matriz do estado, de acordo com uma decisão da Vara Regional do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

No final de dezembro de 2024, uma liminar da juíza Patricia Antunes Laydner suspendeu o contrato firmado pelo governo do RS, em outubro, com a WayCarbon e o Centro Brasil no Clima (CBC) para elaboração do plano.

O entendimento é que o documento encomendado trata apenas do carvão, excluindo outras alternativas, além de não ter cumprido um acordo anterior de consulta à sociedade.

A decisão é um desdobramento de uma Ação Civil Pública (ACP) movida pelo Instituto Internacional Arayara em julho do ano passado, após o desastre climático que gerou perdas estimadas em R$ 58 bilhões aos gaúchos.

Na ACP, a organização pedia a instauração de um comitê participativo para a elaboração de um plano de transição energética justa com medidas para o descomissionamento do setor termoelétrico movido a combustíveis fósseis.

Um dos alvos é Candiota. A região abriga 92% das reservas de carvão do estado e o parque termelétrico do município, com as usinas de Pampa Sul e Candiota III.

Vendida em 2023 pela Eletrobras para a Âmbar Energia por R$ 72 milhões, Candiota III está sem contrato de fornecimento de energia. A outorga venceu em dezembro de 2024 e a extensão depende da sanção, sem vetos, do projeto de lei das eólicas offshore.

O prazo para sanção termina na sexta (10/1) e, segundo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), o governo chegou a um consenso sobre os vetos. Durante a votação, em dezembro, o líder do governo Randolfe Rodrigues (PT/AP) havia anunciado o veto às térmicas, após o governo ser derrotado no Senado. 

Participação social

Após duas reuniões de conciliação, a decisão judicial suspendeu o contrato de elaboração do plano de transição até que seja instaurado um comitê participativo composto por diferentes organizações. 

“O que foi estabelecido na primeira reunião de conciliação é que teria participação da sociedade civil, que seria um plano elaborado em conjunto, que a própria Arayara atuaria no suporte técnico. E não que ele seria celebrado com uma empresa particular, com os entregáveis que o Estado entendesse corretos, sem a participação do Ministério Público, da sociedade civil, ou de organizações ligadas à agenda climática”, conta Fernanda Coelho, gerente da área jurídica da Arayara.

“Esse plano tinha outro problema: ele se limitava a tratar das questões de carvão. Um plano de transição energética justa não pode se limitar ao carvão, porque ele tem que prever outros meios de produção de energia. É um combo. Tem que tratar também de energias limpas”, completa.

Ainda de acordo com Coelho, com a suspensão do contrato, o estado precisará reelaborar as diretrizes para o desenvolvimento do documento que norteará as políticas climáticas e energéticas do RS.

“Não é possível prever uma transição sem considerar novas formas de produção de energia mais limpas”, defende.

Procurado pela agência eixos, o governo gaúcho disse, via assessoria de imprensa, que a Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS) está ciente da decisão judicial e avalia medidas cabíveis.

“A Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RS) está ciente da decisão da Vara Regional do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que suspendeu o acordo firmado para a elaboração do Plano de Transição Energética Justa do Rio Grande do Sul, e avalia as medidas cabíveis. Já a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) não se manifestará enquanto o processo judicial estiver em trâmite”, diz a nota.

A gerente da Arayara aponta que a formação da câmara técnica é o ponto mais urgente no momento. 

A próxima audiência de conciliação ainda está sem data definida. A expectativa é que ocorra até o início de fevereiro.

Enquanto isso, a Arayara está articulando o convite a organizações e universidades para compor o colegiado.

“O ponto mais importante neste momento é a formação dessa câmara técnica de forma plural. Realizar transição energética num estado que tem essas peculiaridades não é algo que dá para ser feito de forma individual. Precisa ser uma análise coletiva”, afirma Coelho. 

Linha do tempo

Julho/2024: Arayara entra com uma Ação Civil Pública contra o estado do Rio Grande do Sul pedindo a instauração de um comitê participativo para a elaboração de um plano de transição energética justa que indique medidas para o descomissionamento do setor termoelétrico movido a combustíveis fósseis. Outro ponto é o impedimento ao estado de fazer obras de reconstrução dessas termelétricas.

Setembro/2024: durante uma audiência de conciliação, ficou acordada a criação de um comitê técnico com a participação da sociedade civil, incluindo a organização Arayara. Este comitê deveria ser responsável por ajudar no desenvolvimento de um plano alinhado às necessidades do estado e aos princípios de uma transição energética justa.

Outubro/2024: Contrariando o acordo, o governo contratou de forma independente a WayCarbon e o Centro Brasil no Clima para elaborar o plano e pediu a extinção da ACP. A Arayara é acionada e aponta que o Estado excluiu a sociedade civil e o objeto contratado se limita a questões relacionadas ao carvão, sem abordar outras fontes de energia limpa.

Dezembro/24: Após uma segunda audiência, a juíza do caso determinou que o estado reelaborasse a encomenda para o plano, desta vez com a participação plural de entidades, organizações e universidades, garantindo que o processo seja mais inclusivo e abrangente.

Inscreva-se em nossas newsletters

Fique bem-informado sobre energia todos os dias