BRASÍLIA-Após a publicação de relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês), ambientalistas cobraram na segunda (9) metas mais ambiciosas do governo brasileiro na COP26 — Conferência das Partes da ONU para limitar as mudanças climáticas que ocorre em novembro.
Parte dessa estratégia, segundo especialistas, passa por ações como mudanças no uso do solo e a regulamentação de um mercado de carbono no Brasil.
O tema foi destacado em sessão de debate sobre Política de Mudanças do Clima nesta segunda no Senado, a pedido do senador Fabiano Contarato (REDE/ES).
“Fica claro que os números com os quais nós trabalhávamos quando o Acordo de Paris foi feito são insuficientes. O recado [do estudo do IPCC] é que o dano está na nossa porta, mexam-se e sejam mais ambiciosos”, explicou Suely Araújo, do Observatório do Clima.
Além de uma Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira mais conectada com a realidade, com maior redução de emissões, falta um plano efetivo do governo de como pretende implementar seus compromissos climáticos, segundo a especialista.
No ano passado, o Brasil apresentou a revisão da sua contribuição ao Acordo de Paris sem alterar as ambições.
A proposta inicial do governo previa a neutralidade de emissões em 2060 como uma intenção, e não compromisso, bem como a dependência de apoio financeiro internacional para cumprimento das metas.
Ao mudar a base de cálculo, o Brasil passou a aumentar o total de emissões líquidas até 2030, o que especialistas chamam de ‘pedalada climática’.
Há, inclusive, uma ação na Justiça movida por jovens ativistas que processam o governo para que as metas sejam adequadas ao Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário.
“Está mais do que na hora de o Parlamento, na sua função de acompanhamento de políticas públicas, exigir mais ambição, exigir concretude no que o Governo brasileiro promete ou se responsabiliza por fazer nessa área”, destacou.
Para Suely, não adianta prometer números para 2025 e 2030 e não agir internamente para controlar o desmatamento na Amazônia, por exemplo.
Foi a mesma cobrança de Fernanda Viana de Carvalho, responsável pela Global Policy da WWF, que pediu objetivos claros, como o monitoramento do progresso das metas e a defesa dos marcos temporais de cinco anos para implementação e revisão das NDCs.
Agora, especialistas defendem que a meta seja ressubmetida à Conferência deste ano com mudanças como, por exemplo, as metas setoriais específicas e a retirada da condição a recursos externos.
E, principalmente, que seja uma meta debatida com a sociedade através de consultas públicas, o que não aconteceu no ano passado sob a gestão do agora ex-ministro Ricardo Salles.
“Não seria o primeiro país a fazer isso. O Japão submeteu uma NDC que era a mesma de 2015. Eles já anunciaram uma meta maior em abril deste ano e vão submeter uma nova NDC. A gente teve países que submeteram NDCs em dezembro”, sustentou a responsável pela policy da WWF, Fernanda Viana de Carvalho.
Fernanda conta que países africanos como Angola e Zâmbia ressubmeteram neste ano NDCs melhoradas.
“Isso pode ser feito a qualquer momento, e é o que o Brasil deveria fazer antes da COP26 para, depois da COP26, fazer realmente um plano de implementação com a participação de todos os atores envolvidos”, completou.
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Convergência no setor empresarial
As demandas dos especialistas encontram respaldo na indústria e no setor privado.
A presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina Grossi, declarou que há uma convergência no setor empresarial por entender o momento como uma oportunidade.
Segundo ela, grandes países estão colocando metas com prazos mais longos porque, para eles, é mais ‘oneroso’ chegar a metas climáticas que o Brasil já possui.
“Nós temos uma matriz limpa, temos florestas, soluções de negócios baseadas na natureza, etanol, biomassa e tantos outros ativos ambientais”, disse Marina Grossi ao comentar que o país pode usufruir destas condições em um futuro mercado global de carbono.
O setor defende que o mercado seja transparente, com baixo custo de transação e ajuste correspondente para que possa ter acesso aos mercados desenvolvidos.
Além de tirar o mercado de carbono do papel, é preciso lidar com desmatamento ilegal que, além de depreciar as metas climáticas, mancha a reputação e a credibilidade do Brasil, segundo Grossi.
O gerente-executivo de Meio Ambiente da CNI, Davi Bomtempo, explicou que a confederação tem atuado na agenda da transição energética e da precificação do carbono como forma de beneficiar o próprio mercado, que não tem como ficar alheio ao debate.
“O que a gente defende é um mercado regulado de carbono, sob a forma de sistema de comércio de emissões e sob o racional de cap-and-trade, que é o que a gente vem trabalhando e de forma bastante intensa com os setores mais intensivos”, disse.
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Especificamente sobre a descarbonização de setores, a diretora do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, acredita que o Brasil tem condições de mudar sua trajetória para responder ao relatório do IPCC — desde que as metas sejam, de fato, repensadas.
É preciso, entretanto, definir o orçamento do mercado de carbono para as próximas décadas e, a partir disso, pensar em políticas públicas a curto e médio prazo para conseguir atingir as metas.
“Não vai ser em 2040 que a gente vai ter que deixar de usar veículos com motor a combustão, mas muito antes. E, obviamente, isso tem uma série de consequências. Isso nos dá uma clareza sem precedentes de qual é o menu de descarbonização, quais são as opções que estão à nossa mão para transição”, comentou.
Ela chamou atenção para a rapidez com que os setores da economia global têm se descarbonizado.
“Já houve cobertura de 25% das emissões globais com novas tecnologias renováveis modernas. Esse crescimento vai acontecer para outros setores. Isso é imparável”, avaliou.
Outro ponto levantado pelos especialistas durante o debate foi a mudança no uso do solo, considerada como o ‘calcanhar de Aquiles’ de emissões brasileiras pela diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), Ane Alencar.
Dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) mostram que as emissões geradas por mudanças no uso da terra representaram 44% das emissões brasileiras em 2019.
Dessa parcela, 87% acontecem na Amazônia, principalmente decorrente do desmatamento das áreas de cobertura vegetal.
A pesquisadora também destacou que metade dos alertas de desmatamento no ano passado foram em terras públicas — florestas, terras devolutas e unidades de conservação em terras indígenas.
“Para derrubar as nossas emissões de gases do efeito estufa em pelo menos metade, precisamos combater a ilegalidade do desmatamento. Temos que trabalhar, por um lado, para combater a ilegalidade, que sabemos onde está acontecendo, e, por outro lado, também incentivar as boas práticas e uma economia mais voltada para a Amazônia, para a conservação que valorize a preservação da floresta e os seus serviços ecossistêmicos”, disse.
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