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Entenda: Por que as mudanças climáticas devem aumentar o número de refugiados no mundo?

À medida que as alterações no clima se intensificam, a tendência é que as migrações passem a ocorrer cada vez mais entre os países

Refugiados climáticos: moradores de Rann, no nordeste da Nigéria, caminham pela estrada principal inundada, inacessível para veículos; Milhões de pessoas enfrentam a fome e as vidas de crianças estão em risco no nordeste da Nigéria, em meio a um conflito prolongado e da intensificação das alterações climáticas (Foto: Christina Powell/Ocha)
Milhões de pessoas enfrentam a fome e as vidas de crianças estão em risco no nordeste da Nigéria, em meio a um conflito prolongado e da intensificação das alterações climáticas (Foto: Christina Powell/Ocha)

RIO – As mudanças climáticas estão levando as pessoas a abandonar seus lugares de origem. Estimativas do Banco Mundial indicam que, até 2050, cerca de 216 milhões de pessoas poderão ter que deixar suas regiões por causa de desastres ambientais, pela insegurança de morar em climas mais hostis e pelos impactos nas atividades econômicas, como na agricultura, pesca e geração de energia.

Esses deslocamentos populacionais já estão ocorrendo, sobretudo dentro dos próprios países, dizem analistas.

À medida que as alterações no clima se intensificam, a tendência é que as migrações passem a ocorrer cada vez mais entre os países, ampliando o número de refugiados climáticos ou refugiados ambientais.

Entenda:

  • Quem são os refugiados climáticos?
  • Quais são as principais causas da migração relacionada ao clima?
  • Qual é o tamanho do problema?
  • Quem são os mais afetados?
  • Como os governos podem se preparar para esse cenário?

Quem são os refugiados climáticos?

A Agência da ONU para Refugiados (Acnur), usa o termo “refugiado” para definir aquelas pessoas “que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados”.

Na prática, são pessoas que precisam se mudar pois têm risco de morte caso permaneçam onde estão.

Os efeitos do aumento da temperatura global também têm forçado as pessoas a se deslocarem por questões de sobrevivência, criando um novo tipo de população exilada pelo mundo.

São os refugiados climáticos, cujas migrações podem ser causadas por catástrofes, como enchentes e incêndios florestais, ou por condições meteorológicas extremas, que afetam não apenas a saúde humana, como também a economia.

Um exemplo recente vem do Paquistão. As inundações causadas por fortes chuvas entre 2022 e 2023 obrigaram quase 8 milhões de pessoas a se deslocarem de suas casas.

Diana Quintas, sócia da agência de serviços imigratórios Fragomen, aponta que em muitas ocasiões situações climáticas têm levado ao refúgio “tradicional”, devido às tensões sociais geradas pelas mudanças do clima.

“Um problema climático, como uma seca, pode se transbordar e se tornar uma guerra civil, por exemplo”, diz.

Quais são as principais causas da migração por questões climáticas?

As tragédias causadas por desastres naturais, como inundações, tempestades, incêndios florestais, deslizamentos de terra e secas prolongadas são algumas das ocorrências que têm levado às migrações.

Questões como escassez de água, queda de produtividade das lavouras e o aumento do nível dos mares também tendem a gerar deslocamentos populacionais nas próximas décadas, na medida em que terão efeitos sobre economias locais.

Tuvalu, o pequeno país insular no Oceano Pacífico com cerca de 11 mil habitantes, é um dos símbolos da crise gerada pela situação do clima. O arquipélago, formado por nove ilhas, pode submergir ainda no atual século devido ao aumento do nível do mar.

Qual é o tamanho do problema?

A Acnur aponta que mais de 30,7 milhões de novos deslocamentos foram registrados em 2020 devido a desastres relacionados ao clima.

Um estudo do Banco Mundial publicado em 2021 mostrou que 216 milhões de pessoas vão ser forçadas a migrar dentro de seus próprios países por conta das mudanças climáticas. O movimento deve aumentar ao final da atual década e se intensificar nos próximos 20 anos.

Além disso, a Organização Meteorológica Mundial (OMM), calcula que mais de cinco bilhões de pessoas podem ficar sem acesso a água suficiente pelo menos um mês por ano até 2050.

Nos últimos anos, secas e incêndios florestais levaram milhares de pessoas a serem evacuadas preventivamente, de forma temporária, em países como Grécia, Itália, Turquia, Somália, Canadá, Estados Unidos e Israel.

As secas também alcançam o setor de energia, com efeitos sobre a atividade de usinas hidrelétricas e as populações no entorno desses empreendimentos, o que pode levar a conflitos pelo uso da água.

Em 2021, uma seca histórica levou a China a reduzir a geração de energia das hidrelétricas da região de Sichuan e a instituir um racionamento de energia.

No ano passado, a hidrelétrica de Hyatt, na Califórnia (EUA), teve as atividades paralisadas devido ao baixo nível do reservatório.

E este ano, no Brasil, a seca na região Norte levou hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira, a interromper as operações.

Quem são os mais afetados?

O problema tende a afetar, sobretudo, os mais vulneráveis: desastres gerados por problemas climáticos levaram 43,1 milhões crianças a se deslocarem em seu próprio país entre 2016 e 2021, apontam dados da Unicef divulgados no mês passado. Inundações e tempestades foram a causa de 95% desses deslocamentos, aponta o estudo.

A estimativa é que no Brasil inundações, tempestades e outros fenômenos desloquem aproximadamente 1,5 milhão de crianças nos próximos 30 anos.

“O deslocamento pode ter salvado sua vida, mas também é muito perturbador. À medida que os impactos das mudanças climáticas aumentam, também aumentam os deslocamentos impulsionados pelo clima”, afirmou a diretora executiva do Unicef, Catherine Russell, em nota.

Os efeitos devem ser sentidos principalmente entre países de renda média e baixa. Relatório do Banco Mundial estima que 17 milhões de pessoas vão precisar se mudar devido a questões ambientais na América Latina até 2050. Na África Subsaariana, o número pode chegar a 86 milhões de pessoas.

Como os governos podem se preparar para esse cenário?

Segundo Quintas, da Fragomen, é necessário atualizar o Estatuto do Refugiado, de modo a incluir pessoas afetadas pelas alterações do clima nas políticas migratórias.

O tratado foi criado pela Convenção das Nações Unidas de 1951 para lidar com a situação na Europa após a Segunda Guerra Mundial e define os direitos e deveres entre os refugiados e os países que os acolhem, mas não prevê a situação dos exilados pelo clima.

“Não existem políticas migratórias pensando nos refugiados climáticos ainda”, afirma a especialista.

No Brasil, por exemplo, vítimas de desastres ambientais não são reconhecidas como refugiadas e costumam receber um visto humanitário, que tem um prazo de dois anos e é renovado apenas se a pessoa comprovar vínculo empregatício.

“As mudanças precisam ser legislativas. Isso precisa ser tipificado e entrar no critério de elegibilidade para o pedido de refúgio”, diz.