Ao longo do ano de 2024, o Congresso Nacional produziu importantes avanços nas pautas da diversificação energética e da redução e controle das emissões de gases de efeito estufa.
Foram aprovadas a lei do “Combustível do Futuro” (lei n° 14.993/2024), o marco legal do hidrogênio de baixo carbono (lei n° 14.948/2024) e a lei que estabelece o mercado regulado de carbono no Brasil. Em maior ou menor grau, todas elas agora dependem de regulamentação por parte do Governo Federal para alcançarem os efeitos desejados.
A Lei do “Combustível do Futuro”, além de definir a ampliação da mistura de etanol e biodiesel aos combustíveis fósseis (gasolina e diesel), instituiu o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), o Programa Nacional de Diesel Verde (PNDV) e o Programa Nacional de Descarbonização do Produtor e Importador de Gás Natural e de Incentivo ao Biometano.
E também define parâmetros para regulamentar as atividades de captura e estocagem geológica de dióxido de carbono e de produção e comercialização de combustíveis sintéticos.
Um dos pontos mais relevantes para a regulamentação será a definição das diretrizes e requisitos para a certificação do combustível sustentável de aviação (Sustainable Aviation Fuel – SAF).
A expectativa do governo é de que o Brasil se torne um importante produtor de SAF, tanto para abastecer o mercado interno, quanto para exportação. Mercados relevantes de aviação civil já exigem medidas compensatórias e sinalizam que a demanda por SAF será significativa.
A lei estabeleceu um cronograma obrigatório, a partir de 1° de janeiro de 2027, para que as empresas de aviação que atuam no mercado doméstico utilizem o SAF para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE). As novas normas também poderão admitir meios alternativos para o cumprimento das metas definidas na lei.
A regulamentação das atividades de captura e de armazenamento de dióxido de carbono também será alvo de debates ao longo de 2025.
Em que pese não ter sido contemplado no âmbito das atividades que podem gerar crédito de carbono, estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) destacam o enorme potencial de armazenamento dos reservatórios salinos brasileiros.
A Petrobras está desenvolvendo um projeto-piloto na região do Terminal Cabiúnas com capacidade para armazenar 100 mil toneladas de CO2 por ano.
A estimativa da empresa é de que o Brasil tenha um potencial para estocar 250 milhões de toneladas de carbono por ano em reservatórios salinos.
A aprovação do marco legal do hidrogênio de baixo carbono também foi um passo importante na agenda de substituição de combustíveis fósseis e incentivo à produção de renováveis.
A lei n° 14.948/2024 criou o Regime Especial de Incentivos para a Produção de Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (Rehidro). O programa tem como objetivo promover o avanço tecnológico e industrial, aumentar a competitividade e agregar valor às cadeias produtivas nacionais relacionadas à produção e utilização do hidrogênio de baixa emissão de carbono (H2BEC).
A legislação estabelece que o Poder Executivo será responsável por regulamentar os critérios para habilitação, coabilitação e participação nos incentivos voltados ao hidrogênio limpo, além de definir outras normas e benefícios.
Ao lado do Rehidro, a lei n° 14.990/2024 criou o Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC), cujo objetivo é constituir uma fonte de recursos para financiar a produção e uso de hidrogênio de baixo carbono por meio de créditos fiscais.
O Ministério da Fazenda concluiu, em dezembro de 2024, uma consulta pública para subsidiar o processo de regulamentação sobre o Rehidro e o PHBC.
Dentre os objetivos da consulta destacam-se a definição de critérios para a habilitação de empresas interessadas em acessar os incentivos fiscais previstos, a definição de percentual mínimo de bens e serviços de origem nacional a serem utilizados na produção de hidrogênio de baixo carbono, o patamar obrigatório de investimento em PD&I e outro ponto absolutamente decisivo: a possibilidade ou não de acessar os benefícios fiscais para produzir hidrogênio de baixo carbono voltado à exportação.
Em meio ao acirrado debate sobre a situação fiscal do país, não faz o menor sentido qualquer tipo de incentivo fiscal para a produção de hidrogênio renovável voltado à exportação.
O uso de recursos públicos para subvencionar a produção de hidrogênio de baixo carbono se justifica como parte da estratégia nacional para o cumprimento das metas brasileiras de redução de emissão de GEE, em especial nos setores de difícil abatimento.
Nesse sentido, os benefícios fiscais não devem ser extensivos à produção voltada para a exportação, frise-se que o potencial mercado consumidor externo é formado pelos países desenvolvidos, principalmente os integrantes da União Europeia, não sendo aceitável que um país sob constrangimento fiscal arque com incentivos à descarbonização de países ricos.
Ainda em relação à agenda legislativa de 2024, foi aprovado no Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, a lei que estabelece as bases para um mercado regulado de carbono no Brasil.
Um dos objetivos é fomentar a participação do setor privado na agenda de descarbonização do país e servir como instrumento para que o Brasil alcance os compromissos assumidos em sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, sigla em inglês), perante o Acordo de Paris.
De acordo com a nova lei, as emissões de GEE podem ser revertidas em ativos financeiros negociáveis. O mercado regulado de carbono no Brasil segue a lógica do modelo europeu: o governo definirá um teto (cap) de emissões para as atividades econômicas previstas na lei.
As empresas que não atingirem o teto de emissão poderão negociar (trade) suas permissões de emissão, as Cotas Brasileiras de Emissão (CBEs), com empresas que ultrapassarem os limites de emissão, criando um mercado de compra e vendas dessas cotas.
O governo brasileiro tem a expectativa de que a regulamentação de um sistema regulado de precificação do carbono possa fortalecer a posição no país no contexto da agenda global de combate às mudanças climáticas, às vésperas do Brasil sediar a COP30.
Espera ainda atrair investimentos internacionais, fomentar a preservação ambiental e gerar novas oportunidades de renda. O Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) é um dos pilares do Plano de Transformação Ecológica, liderado pelo Ministério da Fazenda.
Entretanto, o alcance do SBCE deverá ser limitado. O Brasil tem uma condição singular em relação à transição energética e às principais fontes de emissão de GEE quando comparado ao restante do mundo.
Enquanto o setor de energia responde por 86% das emissões de GEE nos países integrantes da OCDE, no Brasil não passa de 18%. Por outro lado, os segmentos responsáveis pela maior parcela de emissão de GEE no Brasil (desmatamento, 48% e agropecuária, 27%) não foram regulamentados pela lei.
O alcance do mercado regulado estará restrito às atividades industriais, que respondem por apenas 6% das emissões de GEE brasileiras [1]. Dados do Balanço Energético Nacional de 2024, indicam que 64,7% da energia consumida em atividades industriais no Brasil utiliza fontes renováveis.
Em relação ao debate das mudanças climáticas, nota-se que a agenda governamental no ano de 2024 priorizou a ampliação e diversificação de fontes energéticas e foi negligente com a pauta da adaptação aos extremos climáticos.
A diversificação energética é parte da agenda de mitigação, de substituição de fontes poluentes por outras de menor impacto. Entretanto, os efeitos do aquecimento global e dos extremos climáticos já causam inúmeros danos ao país, mas sem merecer a atenção e importância devida.
Nos últimos 10 anos, fenômenos climáticos provocaram danos materiais da ordem de R$ 421,26 bilhões de reais, mais de 1,5 milhão de moradias foram danificadas e 280 mil destruídas.
No período entre 2020 e 2023, 40% dos municípios brasileiros decretaram situação de emergência motivada por tempestades, inundações, enxurradas ou alagamentos. Somente em 2022, 13 a cada 100 brasileiros foram diretamente afetados por eventos climáticos extremos.
Em que pese a urgência, as medidas de adaptação à mudança climática não encontram prioridade correspondente na destinação de recursos em âmbito nacional e internacional.
No ano de 2023, os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs) financiaram US$ 125 bilhões para ações climáticas, dos quais apenas 33% foram direcionados para medidas de adaptação.
No Brasil, as restrições impostas pelo regime fiscal, de um lado, e a falta de prioridade na destinação de emendas parlamentares, por outro, ampliam a vulnerabilidade do país aos fenômenos climáticos.
Para o ano de 2025, há a expectativa que a consolidação da Estratégia Nacional de Adaptação do Plano Clima, sob responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, possa contribuir para situar a política de adaptação entre as prioridades nacionais.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
André Tokarski é pesquisador da área de Regulação e Governança do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep). Atua no Programa de Direito Constitucional Econômico da Unialfa, é coordenador do curso de Direito da Unialfa e coordenador do grupo de pesquisa em transformação ecológica e diversificação energética da Fundação Maurício Grabois.
Referência
[1] Estimativas Anuais de Gases de Efeito Estufa no Brasil (6ª Edição – 2022), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).