A economia circular é a medida mais imediata para se obter redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) na indústria. Segundo a Ellen MacArthur Foundation, a substituição de fontes fósseis por renováveis aborda apenas 55% das emissões globais de gases de efeito estufa, enquanto os 45% restantes estão associados à extração, produção, uso e descarte de materiais.
Nesse contexto, os principais setores produtivos – cimento, plásticos, aço, alumínio e alimentos – têm o potencial de reduzir essas emissões em 9,3 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente até 2050, por meio de ações de eliminação de resíduos desde a fase de design, tais como o reuso de materiais, manutenção de materiais em uso e regeneração de terras agrícolas.
Portanto, o Brasil precisa fortalecer a economia circular nos processos industriais, com foco na remanufatura, reuso, uso de matéria-prima reciclada, redesenho de processos e implementação de novos modelos de negócios.
Essas medidas, que estão alinhadas com iniciativas globais de economia circular, felizmente fazem parte da Estratégia Nacional de Economia Circular (Enec), instituída por meio do Decreto nº 12.082 de 27 de junho de 2024, que visa promover a transição do país para um modelo econômico mais eficiente no uso de recursos naturais.
No que se refere a plásticos, aço e alumínio, especificamente, o fortalecimento das cadeias de reciclagem permite recuperar esses materiais e reduzir a dependência de novas extrações.
No caso do plástico, cerca de 25,6% do material gerado no ano retorna ao mercado como resinas recicladas pós-consumo (PCR); para o alumínio, as taxas de recuperação são mais altas: em 2022, ficaram em torno de 59,3% (ante as médias globais de 28,8%), enquanto a reciclagem de latas de alumínio alcança 100%. Além disso, em 2023, 24% do aço produzido na siderurgia brasileira foi proveniente de material reciclado.
Esses números mostram que o Brasil precisa estruturar as cadeias de reciclagem para garantir um aumento das taxas de reaproveitamento pela indústria, e, no caso da siderurgia, em particular, passar a encarar a sucata enquanto material estratégico. O processo enfrenta alguns desafios, entre eles a falta de infraestrutura e de coleta, a invisibilidade e a falta de profissionalismo dos catadores e da formalização de cooperativas.
Nesse sentido, a expectativa é que a Lei de Incentivo à Reciclagem (LIR) (Decreto nº 12.106 em julho de 2024) desempenhe um papel estratégico ao permitir que pessoas físicas e jurídicas tributadas com base no lucro real deduzam parte do imposto de renda ao apoiarem projetos de reciclagem.
Além disso, ainda em relação ao aço, há um potencial significativo a ser explorado por meio de acordos com macrogeradores de sucata, como grandes indústrias, montadoras de veículos e empresas de construção civil. Esses parceiros podem fornecer volumes expressivos de sucata de alta qualidade, fortalecendo a cadeia de suprimento e contribuindo para a eficiência do processo produtivo.
Já no setor de plásticos, além da logística reversa de resíduos que precisa ser mais eficiente e efetiva, o setor deve se preocupar com a inserção de matérias-primas com viabilidade técnica e econômica para a reciclagem, facilitando o reaproveitamento dos materiais.
Plásticos de fácil reciclagem, como PET (tereftalato de polietileno), PEAD (polietileno de alta densidade) e PP (polipropileno), já contam com cadeias de reciclagem mais consolidadas. No entanto, materiais como PVC (cloreto de polivinila), PS (poliestireno) e plásticos multicamadas (combinados com alumínio ou outros polímeros) ainda representam desafios significativos para a indústria.
Esses materiais possuem baixa reciclabilidade devido à complexidade de separação, contaminação e altos custos de reprocessamento, o que frequentemente inviabiliza sua reinserção na cadeia produtiva. Diante disso, o setor deve priorizar o redesenho de produtos, o uso de materiais monomateriais ou alternativas recicláveis, além de investir em tecnologias de separação e reaproveitamento que garantam maior eficiência e viabilidade econômica no processo de reciclagem.
O Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), Decreto Nº 11.043, de 13 de abril de 2022, – um importante instrumento da Política Nacional de Resíduos Sólidos –, possui cinco diretrizes ambiciosas: reaproveitamento de 50% dos resíduos utilizados até 2040 (atualmente, apenas 2,2% dos resíduos sólidos urbanos são reciclados); incentivo à reciclagem; fim da destinação incorreta dos resíduos; extinção dos lixões e aterros sanitários até 2024 e a inclusão social e valorização dos profissionais catadores de materiais.
No entanto, ainda existem muitos desafios, incluindo investimentos, por exemplo, em infraestrutura, a serem superados para que os resultados do Planares possam ser alcançados.
Preferimos enxergar o copo meio cheio: a expectativa é que a urgência de a sociedade lidar com a poluição ambiental e com as mudanças climáticas combinada à maior qualidade das medidas legais nessa direção possibilite a superação desses desafios. Será um salto em favor da economia circular, num indo e vindo que é essencial para a transição energética na indústria brasileira.
Isabella Scorzelli é especialista em indústria no Instituto E+ Transição Energética e autora do livro “Transição para Economia Circular: Um caminho para a Agenda 2030”.