Opinião

Desafios e tendências da transição energética na Era Trump

No curto prazo, certeza de que haverá inflação, escreve Mauro Andrade

Mauro Andrade, diretor de Novos Negócios da Prumo, concede entrevista ao estúdio epbr durante a CERAWeek 2024 da S&P Global (Foto Reprodução Youtube eixos)
Mauro Andrade, diretor de Novos Negócios da Prumo, concede entrevista ao estúdio epbr durante a CERAWeek 2024 da S&P Global (Foto Reprodução Youtube eixos)

A primeira edição de CERAWeek realizada na nova era de Donald Trump trouxe diversas reflexões sobre a demanda por energia. Como ressaltado em palestras e bastidores, a demanda cresce de forma exponencial, tanto nos países desenvolvidos — puxada pela demanda crescente de inteligência artificial (IA) — como nos emergentes, através do aumento da qualidade de vida, sobretudo na Ásia.

É consenso que ainda não se pode abrir mão do petróleo e do gás natural, dada a grande produção e status desta indústria nos EUA. Ainda é necessário ter múltiplas opções e outras fontes de energia que se complementam, mas o foco é fóssil.

Estima-se 25% de crescimento de demanda global de energia até 2040, o que seria como adicionar um Texas, grande estado americano, à demanda atual. Detalhe: a economia texana já tem um PIB maior que o Brasil e, se fosse um país, seria a 8ª maior do mundo. Mais de um quarto dessa demanda adicional virá, segundo o governo dos EUA, de gás natural liquefeito (GNL), com os Estados Unidos sendo os maiores exportadores.

O gás natural, em particular, é a bola da vez nos Estados Unidos. A produção americana de gás será aumentada e a exportação de GNL é vista como estratégica para os EUA e seus aliados, como a Europa, que é dependente das importações de gás liquefeito dos EUA.

O GNL é visto como o grande vetor de estabilidade e resiliência, entrando como alternativa para balancear “a intermitência provocada pelo grande aumento — em um ímpeto quase religioso — das energias renováveis estimulada pela administração Biden” nas palavras do novo secretário de energia dos EUA, Cris Wrigth, que culpa os renováveis pelo aumento de 20% no preço da energia nos últimos quatro anos nas Américas para um crescimento de demanda de apenas 3%.

O gás é também um ótimo substituto para o carvão, ainda que haja espaço para ele no mix de energias americano.

Na lista de novidades, uma ênfase muito grande em energia nuclear como alternativa de fornecimento de energia em baseload (algo que os data centers vão precisar, já que não podem contar com intermitências no sistema). Há uma clara sinalização de que haverá investimentos relevantes em nuclear nos EUA, incluindo SMRs (pequenos reatores nucleares, na sigla em inglês).

A política climática é apresentada pela administração atual como tendo promovido a desindustrialização — e não a redução de emissões de CO2 — pois as plantas industriais foram para Ásia, que tem boa parte de sua matriz energética a carvão e fósseis.

As licenças ambientais tendem a ter um novo — e mais simplificado — processo de aprovação. Em bom português “vão passar a boiada”, como esforço de aumentar a produção de energia e de reindustrialização, com foco em aumentar a capacidade e celeridade de desenvolvimento de projetos com uso de tecnologia e muita análise de dados.

Uma barreira para acelerar a oferta de energia como um todo é a dificuldade que a rede de energia enfrenta nos EUA. Uma combinação de projetos parados em licenciamento ambiental, longos prazos de construção por deficiência da cadeia produtiva e um grid que já está envelhecido — em algumas regiões é insuficiente — é o limitador para escalar a infraestrutura. Semelhanças com o grid do Brasil são óbvias, embora neste caso estejamos um pouco melhor.

Há 2 terawatts (TW) em pedidos de acesso ao grid americano atualmente. Isso é dez vezes toda a capacidade instalada do Brasil. Destes 2 TW, 400 gigawatts (GW) são de parques de baterias.

O envelhecimento do grid de energia, junto à concentração de carga em algumas regiões por causa dos data centers e da geração com múltiplas fontes e em múltiplos lugares, está estressando a infraestrutura. Esta é a maior preocupação dos investidores (e dos consumidores).

No curto prazo, certeza de que haverá inflação — embora ninguém admita publicamente nas palestras, mas nos corredores o tópico é recorrente. Aumento do preço dos insumos e equipamentos traz preocupação e previsão de atraso dos projetos. A tentativa de reindustrialização gera impacto forte. Conciliação difícil. Necessidade, portanto, de aumentar eficiência, tendo novamente a IA como solução.

Para não dizer que não falei de flores, a indústria dos renováveis ainda vive. Está claro que a ambição da transição energética em substituir 150 trilhões de dólares em ativos para servir a indústria fóssil construídos ao longo de um século por um outro modelo em duas ou três décadas foi exagerada, mas a indústria pode ser a única solução para países que não têm fóssil e que não querem depender de fornecedores instáveis de energia barata (leia-se Europa).

Ou ainda o ângulo de descarbonização, por renováveis, para países de baixíssima renda sem acesso a energia pode não fazer sentido (e é claro esses países comprariam GNL “barato” dos EUA).

O custo para fazer a transição energética nos moldes atuais é de aproximadamente 5% do PIB global. Mas e o custo de não se fazer nada ou diminuir a velocidade da transição? Ninguém sabe.

O rápido avanço de algumas modalidades no segmento de renováveis se deu pela capacidade fabril de escalar materiais em estado sólido (painéis solares e mais recentemente baterias, por exemplo).

É consenso que é mais difícil replicar esse avanço fabril para CCUS (captura, utilização e armazenamento de carbono) e hidrogênio. O crescimento da demanda será muito acentuado e os EUA precisam de fontes e tecnologias que sejam escaláveis.

A McKinsey projeta que haverá demanda de 250 milhões de toneladas de combustíveis sustentáveis em 2035 e 32 milhões de toneladas de amônia verde no mesmo horizonte. Cerca de 50% dos projetos para atender essa demanda já teriam suporte governamental assegurados. É claramente um mercado “policy driven” e o inimigo número um é a incerteza de políticas públicas e mudanças de direção, como estamos vendo agora.

Mesmo com todo esse contexto ainda há cerca de 500 desenvolvedores de projetos de hidrogênio de baixo carbono nos EUA, parte verde e parte azul. Embora o contexto não pareça favorável para a transição energética no novo momento da política americana, a impressão que ficou é que, tirando o barulho da administração nova, muitos projetos seguirão em frente.

Há um grande lobby para que o que já foi concedido de subsídios e incentivos durante a vigência do IRA (Inflation Reduction Act) seja mantido. Investimentos significativos na cadeia de valor foram realizados e não sucumbirão sem que haja muito embate nos bastidores.

E a América Latina? Bem, na parte de upstream, tem um papel importante como exportadora de petróleo bruto. A região produz 9 milhões de barris/dia.

Há recursos para continuar aumentando produção, ou seja, os riscos não estão “below the ground” mas sim “above the ground” em uma combinação de políticas públicas equivocadas, levando a um ambiente macroeconômico desafiador. Em nenhum momento a região aparece, nem em papel de coadjuvante, para os planos de dominância energética dos EUA.

Pouco se falou de Brasil nas plenárias principais, algumas menções honrosas sobre biomassa e nossa competitividade em geração renovável. Mas, de uma forma geral, fora do radar dos investidores. Seguimos em busca de um ambiente de negócios seguro e estável, para que o Brasil não perca mais esse bonde.

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.


Mauro Andrade é diretor de Novos Negócios da Prumo, holding que desenvolve o Porto do Açu.

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