A industrialização verde deve endereçar, ao invés de aprofundar, as desigualdades globais e capacitar os países e as regiões para liderarem a sua própria agenda climática e de descarbonização, capacitando ao mesmo tempo comunidades locais, criando empregos de qualidade e protegendo o ambiente no âmbito de uma transição energética justa e inclusiva.
Essa visão faz parte da Declaração de Belém sobre a industrialização verde global, proposta pelos governos brasileiro e do Reino Unido, presidência da COP30, Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido) e The Breakthrough Agenda e ratificada por um grupo de quase 40 países e organizações na COP30.
No lançamento do documento, a diretora-executiva da COP30, Ana Toni, ressaltou que a declaração mostra como é possível acelerar a ação mesmo antes de tudo estar perfeitamente negociado, construindo uma industrialização verde “irreversível” e focada nos setores de difícil abatimento de emissões.
Trata-se de colocar em prática, portanto, a visão de que a transição energética não deve ser um fim em si mesma e que a descarbonização global pressupõe uma reorganização das cadeias comerciais internacionais que reconheça a importância dos produtos fabricados com baixas emissões de carbono.
A ideia é que o modelo complemente o Consenso de Washington, que há quase 40 anos estabeleceu as bases da economia contemporânea com foco na alocação das cadeias produtivas internacionais com base nos custos de produção.
Agora, a perspectiva é que esse paradigma incorpore também o imperativo climático e um maior equilíbrio socioeconômico entre os países, de modo a proporcionar soluções ganha-ganha para todas as partes.
Dada a multiplicidade de atores envolvidos e de interesses em jogo, evidentemente que não se trata de uma tarefa simples. As mudanças pressupõem, por exemplo, a constituição de uma nova arquitetura financeira internacional, em que a sustentabilidade econômica e a ambiental sejam indissociáveis.
Isso porque os mecanismos tradicionais de avaliação de risco financeiro atualmente utilizados tendem a penalizar investimentos verdes, em particular nos países emergentes.
Atualmente, o risco desses projetos muitas vezes é equiparado ao risco soberano dos países, sem considerar os fundamentos econômicos reais por trás dos empreendimentos sustentáveis específicos nem o seu perfil de retorno de longo prazo.
Nos projetos desenvolvidos sob o guarda-chuva da Declaração de Belém é preciso rever essa lógica. Isso passa pela ampliação do acesso dos empreendimentos industriais a capitais de longo prazo por meio de instrumentos como títulos atrelados a investimentos de baixo carbono (green bonds), combinação de recursos públicos e privados (blended finance) e fundos climáticos multilaterais.
Afinal, na atual conjuntura, se países endividados forem apenas apoiados a reestruturar dívidas antigas para se endividarem novamente em um modelo de exportação de baixo valor agregado e importação de bens complexos, a transição não cumprirá seus objetivos.
O enfrentamento da crise climática demanda transformações profundas nas economias dos países.
Um aperfeiçoamento da globalização que leve em conta o potencial das nações em termos de produção com baixo carbono é essencial para isso: vai beneficiar tanto os países do Sul Global, com o aumento da produção industrial local, como os países do Norte, com alternativas mais competitivas de descarbonizar suas economias.
A declaração na COP30 é um feito extraordinário porque tem tudo para nos conduzir nessa direção.

Rosana Santos é diretora-executiva do Instituto E+ Transição Energética.
