Agendas da COP

COP27 e a esperança de passar da promessa à prática

Relatórios para o clima mais recentes deixam clara a mensagem: Precisamos de mais ambição, mais implementação, mas acima de tudo mais ação, avalia Maria João Rolim

COP27 e a esperança de passar da promessa à prática. Na imagem: Reunião de líderes durante a COP27 (Foto: Kiara Worth/UNFCCC)
O IPCC alerta que o combate às mudanças climáticas tem sido muito limitado e por conseguinte deflagrando impactos já irreversíveis (Foto: Kiara Worth/UNFCCC)

O processo de tomada de decisões da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, conhecida como Convenção do Clima — ou na sigla em inglês UNFCCC –, acontece uma vez por ano, durante a chamada Conferência das Partes, ou “COP” (Conference of the Parties).

A COP é, assim, como uma “assembleia geral” que reúne todos os membros da Convenção do Clima para monitorar os objetivos da agenda climática e definir the next steps.

Após a assinatura do Acordo de Paris, durante a COP21 em 2015, a COP tem sido a oportunidade para que se realizem negociações relacionadas à implementação, fiscalização e aprimoramento do tratado

Embora o objetivo principal e geral da COP seja gerenciar as mudanças climáticas, as especificidades dos temas abordados variam a cada ano.

Este ano o evento será realizado em Sharm-el-Sheik, no Egito, e tratará de temas específicos: financiamento, ciência, juventude e próximas gerações, descarbonização, adaptação, agricultura, gênero, água, energia e biodiversidade.

Quando o assunto são as expectativas para as negociações de uma COP, a Conferência de Bonn tende a ser um bom termômetro do que esperar.

Entre as COPs é realizada uma sessão de negociações técnicas na sede do Secretariado da UNFCCC em Bonn, na Alemanha, ocasião em que normalmente são preparados os textos de decisão que vão ser tratados durante a conferência.

Este ano o encontro ocorreu em junho, e houveram poucos avanços na elaboração dos textos a serem tratados, sobretudo devido à falta de acordo em alguns temas como perdas e danos, adaptação, financiamento climático e as ambições apresentadas nas NDCs.

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Falta ambição

Recentemente, O IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) publicou seu 6o relatório atestando a inadequada e insuficiente ação para combater a crise climática, fazendo um apelo aos países para a necessidade de uma rápida transformação da sociedade.

Indica ainda, que desde a COP 26, o progresso no combate às mudanças climáticas tem sido muito limitado e por conseguinte deflagrando impactos já irreversíveis. Relatório na íntegra (.pdf)

No mesmo sentido, em outubro de 2022, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), publicou o Relatório de Emissões Emissions Gap Report 2022: The Closing Window , apontando a  inação  da comunidade internacional na luta climática, atestando a ausência de medidas efetivas para que se alcance a atual meta de aquecimento máximo de 1,5%.

Ambos documentos deixam clara a mensagem: Precisamos de mais ambição, mais implementação, mas acima de tudo de mais AÇÃO. A questão é se a COP 27 será capaz de responder a esse chamado.

O cenário traçado em Bonn indica que é possível que haja um embate acirrado entre países desenvolvidos e em desenvolvimento acerca de assuntos como “quem irá pagar a conta” para o processo de descarbonização, ações de adaptação, bem como perdas e danos gerados pela mudança do clima — como perdas financeiras, perdas de terras agricultáveis e migrações forçadas, etc.

Especificamente em relação ao financiamento climático, a presidência da COP27 já indicou que este será um tema prioritário, dando foco para os países em desenvolvimento e, especialmente, países africanos.

Como endereçar os vários aspectos do financiamento climático para que este efetivamente cumpra o seu papel de criar novas soluções e formas de desenvolvimento sustentável.

Em 2021, foi lançada a Glasgow Financial Alliance for Net Zero (GFANZ), uma associação liderada por representativas  instituições financeiras, comprometida com a aceleração da descarbonização da economia.  Em seu último relatório, a aliança demonstra as diversas iniciativas já implementadas para alinhar o setor financeiro ao objetivo climático.

Não obstante, deixa claro também o longo caminho a ser trilhado, em particular na democratização do acesso ao financiamento e na capacitação dos recipientes.

Perdas e danos

Em se tratando de perdas e danos, o Acordo de Paris possui o artigo 8 que trata sobre o tema e incorporou o Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos associados aos Impactos das Mudanças Climáticas (“WIM”).

Dentro do WIM, durante a COP 25, foi criado o mecanismo da “Rede de Santiago” que se propõe a conectar países vulneráveis com especialistas que possam prestar apoio técnico, específico à sua realidade de riscos de perdas e danos.

A expectativa é de que na COP 27 as discussões sobre os arranjos institucionais da Rede de Santiago sejam concluídas para que ela possa ser finalmente operacionalizada.

Porém, a possibilidade de um financiamento por perdas e danos provavelmente não será facilmente negociável, já que há um receio de que o financiamento implique em reconhecimento de responsabilização por parte dos países desenvolvidos.

Outro ponto de grande importância será o escopo e possíveis operacionalização dos Artigos 6.2 e 6.4, bem como a plataforma de cooperação do artigo 6.8, do Acordo de Paris, que trata do mercado de carbono internacional.

Mãos à obra

Concluída a etapa da regulamentação do livro de regras do Acordo de Paris na COP26, a expectativa é que na COP 27 os procedimentos de implementação sejam detalhados em particular no que se refere aos mecanismos e infraestrutura de transparência, registro, contabilidade e revisão de informações,  governança de certificação, e robustez dos controles.

Continuamente, outro ponto que deve gerar grande debate na COP27 será a revisão das ambições apresentadas nas Contribuições Nacionalmente Determinada, as NDCs.

Paira um sentimento de que todos poderiam fazer mais. Um reflexo desta atmosfera se reflete na crescente litigância climática tendo como foco a exigência de mais ambição e  efetiva implementação por parte dos governos.

Neste aspecto, é interessante mencionar a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, na ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708, em que se discutia a possibilidade de contingenciamento do Fundo Clima, vedou o contingenciamento. Em razão do dever constitucional de tutela ao meio ambiente (CF, art. 225) e de direitos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Do voto do Ministro Relator se destaca o seguinte trecho:

“Não existem direitos humanos em um planeta morto ou doente” . Tratados sobre direito ambiental constituem espécie do gênero tratado de direitos humanos e desfrutam, por essa razão, de status supranacional. Assim, não há uma opção juridicamente válida no sentido de simplesmente omitir-se no combate às mudanças climáticas”.

Em suma, a ministra de cooperação internacional do Egito, Rania Al-Mashat, disse que quer que a COP27 seja sobre aspectos práticos.

“O que queremos que esta COP seja é passar de promessas para implementação. O que precisamos fazer para operacionalizar as promessas em implementação?”

E o Brasil nessa?

Já em relação ao Brasil, durante a COP26, o país assinou dois acordos com outros 100 países para acabar com o desmatamento ilegal até 2030, bem como reduzir as emissões de metano em 30% até 2030. Porém, até o momento, nenhum plano concreto de implementação e cumprimento dessas metas foi apresentado.

Desde a assinatura do Acordo de Paris, em 2016, o Brasil já apresentou três NDCs com metas de descarbonização, porém inexistem programas ou ações explícitas para o efetivo cumprimento dessas metas.

Em 13 de setembro, o Senado conduziu uma sessão temática para discutir o cumprimento da NDC brasileira antes da COP27. Durante a sessão de debates, representantes de associações ambientais e empresas chamaram a atenção para a urgência de conter o desmatamentoque chega ao terceiro ano seguido de aumento –, necessidade de implementação de um mercado regulado de carbono e incentivos à transição energética.

Além disso, de forma inédita, os estados amazônicos contarão com um pavilhão específico dentro do espaço oficial da COP. O espaço servirá para realizar eventos relativos a novos projetos e iniciativas climáticas na Amazônia, captação de recursos e parcerias internacionais, bem como discutir a reativação do Fundo Amazônia. Agência Senado

Em suma, o que se espera, como bem colocado pela Ministra  Rania Al-Mashat, é passar da  promessa à prática.

Maria João Rolim é advogada e economista, PhD em Energia e sustentabilidade e sócia no Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados

Referência

[1] Harvey F. Egypt says climate finance must be top of agenda at Cop27 talks. The Guardian. Acessado em novembro de 2022. Disponível em <www.theguardian.com/environment/2022/may/25/egypt-climate-finance-top-of-agenda-cop27-talks>