RIO — O financiamento projetos de energia nuclear vem ganhando relevância no roteiro para a descarbonização da economia mundial e a cúpula climática da ONU (COP29), que começou esta semana em Baku, no Azerbaijão, pode ser um território fértil para negociações neste sentido, avalia Celso Cunha, presidente da Abdan (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares).
Em entrevista aos Diálogos da Transição 2024, promovido pelo estúdio eixos, nesta quarta (13/11), o executivo citou como exemplo a adesão de mais seis países ao compromisso de triplicar a capacidade de geração de energia nuclear até 2050.
A declaração anunciada em dezembro de 2023, na COP28 de Dubai, contava com 22 países. Agora, chegou a 31 o número dos que endossam a ambição e chamam os acionistas de instituições financeiras internacionais a incentivar a inclusão da energia nuclear nas políticas de empréstimo de energia. O Brasil não assina o documento.
“Positivo para mim é que, nesta COP29, já temos 31 países que aderiram à triplicação. O Brasil não declarar nada contra já é positivo”, comenta Cunha.
Além das declarações, ele defende que é preciso avançar na mobilização concreta de recursos.
“Os países precisam casar o seu planejamento energético com os recursos financeiros do mercado, que leva muito tempo para mobilizar dentro dos bancos a liberação desses recursos”, observa.
“Em relação ao financiamento, a própria ONU deve mobilizar em escala mundial os bancos para fazer financiamento em massa para essa transição. Isso não aconteceu ainda”.
Engajamento do setor privado e financeiro
Para Leonam Guimarães, diretor técnico da Abdan e ex-presidente da Eletronuclear, compromissos como os que estão sendo firmados na COP29 têm o potencial de influenciar decisões de desenvolvimentos de projetos tanto em países que já estão no mapa da geração nuclear, quanto em novos mercados.
“É um momento bastante importante. O que vier depois da COP29 será decisivo para viabilizar o desenvolvimento de novos projetos de energia elétrica nuclear nos países que já possuem um parque nuclear, como o Brasil, e também em novos países, como Egito e Bangladesh, que já têm projetos em andamento”, avalia.
Aqui no Brasil, ele cita o caso de Angra 3, cuja decisão sobre continuidade das obras deve ocorrer na próxima reunião do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), marcada para 4 de dezembro.
“Garantir o investimento para concluir as obras é uma missão bastante complexa em um ambiente econômico mundial de elevação de taxa de juros. É um momento delicado e devemos nos preocupar com a viabilização desse financiamento para que efetivamente a obra retorne para a sociedade aquilo que se espera dela”, explica.
“A discussão do papel da iniciativa privada no setor é fundamental, não só para Angra 3, mas também para eventuais futuras usinas. Porque fica evidente que o modelo original de financiamento dessas usinas (Angra 1, 2 e 3) com participação quase total do orçamento da União não me parecem razoáveis, nem viáveis, no momento que vivemos, com o governo preocupado com enorme dificuldade de estabelecer uma lista de redução de gastos para fins de equilíbrio fiscal”, completa.
No contexto internacional, em que mais de 30 países se propõem a triplicar a capacidade — em 2023 geração global a partir desta fonte foi de 2.602 TWh — também é preciso engajamento de bancos internacionais para viabilizar essa expansão, aponta Guimarães.
Uma forma de fazer isso seria com a criação de um banco internacional de financiamento para projetos nucleares.
“Isso foi criado, mas ainda não é um banco. Se tivermos suporte de outros bancos de financiamento já é um avanço”.
Ele lembra também o compromisso assumido por 14 grandes bancos para financiar projetos de energia nuclear, durante a semana do clima em Nova York, no final de outubro de 2014.
“Sem a participação direta desses instrumentos de financiamento, a intenção acaba ficando só nela e não consegue se materializar. É bastante importante a sequência desses dois termos que foram assinados entre os países na COP28 e COP29, e na última semana de outubro”.
Entre os bancos signatários estão o Abu Dhabi Commercial Bank, o Bank of America, Barclays, BNP Paribas, Brookfield, Citi, Credit Agricole CIB, Goldman Sachs, Morgan Stanley, e Societe Generale.
“Considero um enorme avanço, tendo em vista que esses bancos, em geral, eram bastante reticentes com o tema”, completa.
Até recentemente, a energia nuclear era considerada uma fonte não “verde” por taxonomias de muitos países e instituições, devido aos seus riscos envolvidos.
G20 e Brics
Paralelamente à COP29, o Rio de Janeiro sedia na próxima semana a cúpula de líderes do G20, outro fórum onde a Abdan enxerga espaço para discutir o financiamento direcionado ao setor.
Para Cunha, uma declaração do G20 sobre a necessidade da energia nuclear pode ser um passo decisivo.
“Está na hora de sermos mais pragmáticos na execução. Eu acredito que o G20 fazendo uma declaração forte sobre o nuclear”.
Em outubro, o Grupo de Trabalho de Transições Energéticas do G20 (ETWG), presidido pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chegou a uma declaração conjunta que reconheceu a neutralidade tecnológica para descarbonização, e a contribuição da energia nuclear para a redução das emissões de GEE.
O Brics, que em 2025 será presidido pelo Brasil, é outro exemplo de como dar sequência a essa agenda.
“O próprio Brics está tentando construir uma plataforma voltada para o nuclear, que venha fomentar o setor”, lembra Cunha.