Convite da ONU para debater transição energética deve ser visto como oportunidade para apresentar ações concretas, dizem especialistas

Globo terrestre na conferência do clima de Madri, COP 25, em 13 de dezembro de 2019 — Foto: Paul White/AP
Globo terrestre na conferência do clima de Madri, COP 25, em 13 de dezembro de 2019 — Foto: Paul White/AP

O convite ao Brasil para integrar um grupo vai liderar o Diálogo de Alto Nível da ONU sobre Energia, em setembro, é visto com desconfiança por representantes de organizações da sociedade civil.

Mas deve ser encarado como uma oportunidade para o Brasil apresentar objetivos mais ambiciosos e ações concretas em políticas climáticas, como a implementação de um mercado compulsório de carbono, avaliam especialistas envolvidos com políticas públicas ouvidos pela epbr.

“O Brasil foi convidado por sua importância como país, não por causa de governo, no equacionamento de soluções climáticas, tendo em vista sua matriz energética muito limpa, proporcionalmente ao resto do mundo”, alerta Izabella Teixeira, Copresidente do International Resource Panel da ONU.

Izabella Teixeira foi ministra do Meio Ambiente durante as negociações iniciais do Acordo de Paris, assinado em 2016.

O governo atual, sob a liderança de Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo, contudo, vem desafiando a credibilidade nos fóruns climáticos internacionais, gerando críticas e prejuízos diplomáticos, como a recente foi a exclusão do país da cúpula que antecipou debates da próxima COP26.

Para o encontro de setembro, a participação será encabeçada pelo Ministério de Minas e Energia (MME).

A ONU divulgou oficialmente nesta quinta-feira (21) que o Brasil foi convidado a ser um dos 17 estados-membros da organização a liderar o debate sobre transição energética, ao lado de Colômbia, Dinamarca, Alemanha, Índia, Espanha e Reino Unido.

Oportunidade para demonstrar ambição

Para Izabella Teixeira, é uma chance para demonstrar mais ambição no tema e, de fato, buscar uma posição de liderança no debate sobre a neutralização de emissões da geração de energia a partir de combustíveis fósseis, valorizando os fóruns multilaterais.

“É uma oportunidade internacional e espero que quem for pelo Brasil abra a cabeça, não fique emperrando a agenda”, diz.

Para o mercado, o Brasil deve aproveitar as chances para demonstrar alinhamento entre os setores públicos e privados, especialmente na definição de regras para um mercado compulsório de carbono, prioridade na agenda do CEBDS.

A organização, que representa 60 grandes empresas brasileiras, aguarda uma reunião com o ministro Paulo Guedes para debater o ritmo de implementação da iniciativa, apoiada por boa parte de seus membros.

Em dezembro, Izabella Teixeira avaliou os compromissos climáticos brasileiros no Acordo de Paris, em entrevista à epbr

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O CEBDS apresenta no ano passado ao Ministério da Economia uma proposta de implementação de mercado compulsório.

Presidente do CEBDS, Marina Rossi cobra um planejamento mais claro do governo, que permita ao país aproveitar ao máximo todo o potencial, que cada matriz energética tem a oferecer na transição.

“O setor privado faz esse exercício, olhando, por exemplo, para o pico da extração de petróleo”, diz ela.

“Mas é preciso de um planejamento melhor, que envolva o governo e que leve em consideração as potencialidades regionais de cada matriz”, afirma.

Países do Diálogo de Alto Nível sobre Energia, em cada eixo temático:
  • Acesso à energia – China, Japão, Quênia, Holanda e Rússia
  • Transição energética – Brasil Colômbia, Dinamarca, Alemanha, Índia, Espanha e Reino Unido
  • Habilitar Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) por meio de transições inclusivas e justas – Nauru e Emirados Árabes Unidos
  • Inovação, tecnologia e dados – Ilhas Maurício e Rússia
  • Finanças e investimento – República Dominicana, Holanda e Paquistão

Segundo o Ministério de Minas e Energia, a participação no fórum é a “demonstração de respeito nos foros internacionais de energia, onde o Brasil tem defendido a utilização de ampla gama de soluções para a descarbonização, combinando as vantagens da bioenergia sustentável, hidroeletricidade, energia solar e eólica, além da energia nuclear, em conjunto com fontes fósseis de menor emissão de CO2, como o gás natural”.

Ambientalistas criticam convite

Ambientalistas e representantes de organizações da sociedade civil entendem que as prioridades do governo brasileiro apontam no sentido contrário à redução de emissões, com políticas que levarão a uma transição mais lenta dos combustíveis fósseis.

“Quem deveria liderar esse tipo de diálogo é quem está avançando, não quem está regredindo”, Thiago Almeida, do Greenpeace.

Para ONG ambiental o governo não tem uma pauta clara para o tema e o país segue aumentando suas emissões.

“O próprio PDE 2030 mostra que o governo não tem um plano claro de transição energética para o país”, afirma.

“Esse convite não é adequado se a gente observar o que é colocado como prioridades do governo brasileiro hoje e também de governos anteriores”, diz Ilan Zugman, diretor da ONG 350.Org na América Latina.

“O Brasil tem seu foco principal na exploração do pré-sal e a Petrobras não tem previsão de investir em fontes renováveis até 2030”, cita.

São organizações que entendem que a substituição de combustíveis fósseis deve ser acelerada, com restrição inclusive para novos projetos de exploração e produção.

A 350.org é crítica de programas como Reate e Promar, por exemplo, a recente criação de um grupo de trabalho avaliar como manter o carvão na matriz energética brasileira, além do programa Novo Mercado de Gás.

Entende que o governo erra ao continuar apoiando combustíveis fósseis em troca de desenvolvimento econômico, já que resultados poderiam ser alcançados com foco total em renováveis.

“[O gás natural] é mais um combustível fóssil, com altas taxas de vazamento de metano, um gás de efeito estufa muito mais poderoso do que o CO2″, ressalta Zugman.

O diretor-executivo do Instituto Escolhas, Sérgio Leitão, afirma que o Brasil está na contramão do diálogo sobre transição energética no mundo.

Ele cita que o governo segue defendendo opções que são abandonadas em grande parte do mundo, como o gás natural e a energia nuclear.

Por outro lado, o país não tem um programa nacional que possibilite a expansão rápida da energia solar no atendimento domiciliar e desperdiça o debate sobre o biogás.

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Eixos da política energética brasileira

Em grande medida, as políticas energéticas em desenvolvimento no governo Bolsonaro são herança de governos anteriores. Enquanto avanços ambientais são desfeitos, pioram os indicadores de desmatamento e queimadas e o governo interfere em órgãos ambientais, como o Ibama e o ICMBio.

A liderança na produção de óleo, começa com a descoberta do pré-sal no governo Lula (“o passaporte para o futuro”) e o primeiro leilão de partilha da produção foi feito por Dilma Rousseff, em 2013.

Programas como o Reate (estímulo à produção de óleo e gás em terra), e o Novo Mercado de Gás (antigo “Gás Para Crescer) começaram a sair do papel no governo Temer.

  • Demanda por óleo: a partir do reconhecimento que o mercado de fósseis vai encolher, é preciso acelerar o desenvolvimento de novas reservas de petróleo e a revitalização de províncias maduras que podem deixar de ser competitivas;
  • O gás natural é um indutor de desenvolvimento econômico e as políticas devem buscar redução de custo do gás para indústria e também da energia. Universalização do acesso ao gás não é prioridade;
  • Tanto no transporte quanto na geração de energia, políticas precisam levar em conta o custo para o consumidor de combustíveis e não apenas a descarbonização. Governo tenta substituir subsídios às fontes renováveis

O Instituto Escolhas aponta que o Brasil tem potencial para expandir a presença das fontes solar, eólica e biomassa, conjuntamente, em 68% na sua matriz elétrica até 2035. Permitiria que essas fontes renováveis ocupassem 44% da composição da matriz.

Um estudo divulgado no ano passado pela plataforma Energy Policy Tracker em parceria com o Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), destinado a monitorar as propostas dos governos do G20 para o setor de energia, aponta que o Brasil destinou US$ 3,4 bilhões a políticas do setor de energia nos seis primeiros meses de 2020.

Do montante, apenas 20% dos recursos – US$ 770 milhões – foram para promoção de fontes renováveis.

Citando o estudo, Zugman, da 350.org, diz que o Brasil mantém o foco em subsídios a combustíveis fósseis, enquanto energias renováveis não estão recebendo a mesma atenção por parte do governo.

“E todos os indicativos nos mostram que a próxima década vai ser mais uma com mais investimentos em fósseis do que renováveis no país”, diz.

ESG pode dificultar acesso do Brasil a recursos para projetos de energia

Sérgio Leitão, do Escolhas, diz que o Brasil pode estar se direcionando para uma postura de maior isolamento internacional que conta com um agravante: a dificuldade em conseguir recursos no exterior para financiar projetos sem critérios ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês).

“A agenda ESG, que os bancos tanto falam, tem a ver com olhar o impacto dos seus investimentos sobre o clima, mas como a gente vai querer atrair investimentos se nosso processo de desenvolvimento está ancorado em fontes que estão sendo deixadas de lado?”, questiona.

“O Brasil não tem atualmente a representatividade esperada para quem deveria liderar um diálogo sobre transição”, diz Leitão. “Está voltando para uma pauta de energia dos anos 70: nuclear e exploração de petróleo”.

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