Em meio à revisão de diretrizes de política econômica de diversas nações e aos desafios impostos pelas mudanças climáticas, a reorganização da dinâmica entre os países do Norte e do Sul global é fundamental para o desenvolvimento econômico das regiões menos favorecidas do mundo.
Essa reorganização passa por uma redistribuição das cadeias de produção e suprimento, capaz de descentralizar a criação postos de trabalhos de qualidade, que hoje se concentram nas economias avançadas. Além disso, embora internacional, tal dinâmica não deve se valer apenas de acordos comerciais entre as nações: pressupõe uma organização interna das economias locais, que devem fomentar a atração de investimentos industriais, por meio de políticas públicas que favoreçam o aumento da competitividade produtiva.
Para tanto, são necessários objetivos factíveis e previamente estabelecidos, regras claras e um rigoroso sistema de contrapartidas para setores eventualmente beneficiados. Isso reduz as chances de captura dessas inciativas por grupo de interesse e garante uma efetiva contribuição ao desenvolvimento e respeito às condições ambientais tanto em termos locais como globais.
Justamente por conta dessas condições, também é necessário um modelo econômico que possa lidar com os dilemas da sociedade atual, como o crescimento da desigualdade, as mudanças climáticas e o aumento do custo de vida para as novas gerações.
O Consenso de Washington, doutrina consagrada nos anos 1990, pressupõe que uma diminuição drástica da interferência do Estado na economia, a globalização e a especialização tornariam a alocação de recursos mais eficiente, resultando em crescimento econômico elevado e estabilidade macroeconômica.
Mas esse modelo falhou sistematicamente, ao ser aplicado no Sul Global, por sua incapacidade de compreender o desenvolvimento nos países emergentes, além de ser no mínimo ineficiente para lidar com as questões climáticas e por suas práticas econômicas estarem perdendo força no Norte global.
O fato é que, mais de 30 anos depois, as propostas desse consenso não chegaram ao resultado esperado. Ao mesmo tempo, a conjuntura mundial mudou, e a preocupação ambiental, que nos anos 1990 começava a ganhar força, tornou-se protagonista do debate político e econômico em meio justamente ao acirramento das mudanças climáticas.
Como tem se observado em diversos países, a nova realidade exige uma atuação mais efetiva do Estado como condutor do desenvolvimento, e isso inclui investimentos em pesquisa e desenvolvimento em setores estratégicos, implantação de parcerias público privadas e uso das compras de responsabilidade dos governos como alavanca para a promoção da produção e mercado internos, em linha com a argumentação da economista Mariana Mazzucato, da University College London, em artigo sobre a política industrial brasileira publicado recentemente no Valor Econômico.
Trabalhos da pesquisadora italiana também salientam que, nesse contexto, a condicionalidade é um mecanismo essencial para que empresas contempladas com subsídios, garantias, empréstimos, resgates ou contratos públicos obedeçam determinadas condições, com vistas a orientar a inovação e o crescimento, e resultando em maximização dos benefícios para sociedade.
Além disso, a chamada neoindustrialização não pode prescindir do fato de que as mudanças nas cadeias de suprimento internacionais têm obrigatoriamente de serem feitas com o uso de fontes de energia limpa. Ou seja, a neoindustrialização tem de ser verde. Ao mesmo tempo, essa oferta de energia segura e competitiva pode justamente ancorar novos investimentos produtivos, por meio do chamado powershoring.
A corrida pela hegemonia da nova configuração das estruturas produtivas globais já começou, e os principais países do Norte global nos últimos anos lançaram planos econômicos nos quais os governos assumiram cada vez relevância na definição de como as indústrias devem atuar e evoluir.
Os principais exemplos nesse sentido vêm dos Estados Unidos, com a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), e da União Europeia, com o Mecanismo de Controle de Carbono na Fronteira (CBAM). Ambos são planos estratégicos com presença decisiva do Estado para dar rigidez a regulações relativas à mitigação das mudanças climáticas cominada à implantação de políticas industriais estratégicas no novo contexto global.
A Organização das Nações Unidas (ONU) confirmou que a COP30, em 2025, será realizada no Brasil, em princípio na cidade de Belém, na região Amazônica. Até lá, a expectativa é que, justamente à luz do CBAM e do IRA, diversas nações elaborem políticas que lidem com a nova conjuntura econômicas e as implicações da emergência climática.
Além de organizar suas próprias políticas industriais e ecológicas nessa direção, ao sediar a COP, o Brasil tem a oportunidade de ser o palco do “Consenso de Belém”: um consenso formado por um conjunto de proposições políticas construído com participação ampla dos agentes globais e que consolide essa nova configuração entre o Norte e o Sul global, com descentralização do desenvolvimento econômico, redistribuição de cadeias produtivas em função da eficiência no abatimento de emissões de gases de efeito estufa e aumento do equilíbrio na criação e divisão dos empregos de qualidade entre a população global.
Rosana Santos é diretora-executiva e Edlayan Passos é especialista em energia do Instituto E+ Transição Energética.