RIO — O Brasil corre o risco de perder mais uma janela estratégica de oportunidades no setor mineral caso não avance rapidamente na criação de uma política nacional capaz de garantir a viabilidade financeira de projetos em minerais críticos — especialmente lítio, níquel e terras raras.
A alta volatilidade de preços no mercado internacional e a ausência de instrumentos de mitigação de risco têm dificultado a bancabilidade desses empreendimentos, afastando investidores e travando a agregação de valor às cadeias produtivas, segundo especialistas.
Marisa Nascimento, coordenadora no Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), avalia que o país precisa atacar simultaneamente a desindustrialização e a fragilidade das cadeias produtivas.
“O aumento do grau de nacionalização dos equipamentos usados na mineração e metalurgia é de suma importância. Então, adensar as cadeias produtivas tem que acontecer juntamente com combater a desindustrialização brasileira”, afirmou, durante evento promovido pela FGV Energia, no Rio de Janeiro, na última quarta (8/10).
Segundo Nascimento, o risco de o país não conseguir competir com economias que subsidiam fortemente seus setores, como a China, é alto.
“Como é que o Brasil vai subsidiar fortemente o setor? Como é que nós vamos manter essas cadeias vivas nas intempéries de mercado? Esse é o grande desafio que o governo precisa trabalhar”.
O Ministério de Minas e Energia promete a publicação da Política Nacional de Minerais Críticos há mais de dois anos.
Enquanto no Congresso Nacional, setores de mineração e energia concentram esforços para aprovação ainda este ano do projeto de lei 2780/2024, que cria a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE).
Mecanismos financeiros
No mesmo sentido, Amynthas Gallo, consultor sênior de negócios em mineração no BNDES, enfatiza a urgência de uma estratégia financeira abrangente que garanta a viabilidade dos projetos.
“Precisamos viabilizar que esses projetos sejam apoiados. E não é uma questão de ser apoiados pelo BNDES, eles precisam ter bancabilidade”.
O BNDES iniciou negociações para R$ 46 bilhões em projetos de minerais críticos, com 56 empresas interessadas. Esses projetos, selecionados a partir de um edital em janeiro, são estratégicos para a transição energética e a descarbonização, sendo o lítio e as terras raras os focos principais.
Gallo defende que o governo e o setor produtivo construam novos instrumentos financeiros e um fundo garantidor voltado a reduzir o risco de crédito e atrair capital privado.
“Precisamos discutir formas para viabilizar o que a gente está chamando aqui de uma política para ofertas resilientes (…) Faria sentido a gente ter, talvez, um fundo para prestação de garantia para o mercado de crédito brasileiro”.
Segundo o consultor, o desafio é ainda mais complexo diante da disputa geopolítica por cadeias minerais.
“Se eu aceito um off-take de um chinês, eu posso fechar a porta com uma americana. Se eu aceito de um europeu, pode ser que o americano não queira sentar na mesa. Então, talvez a gente pudesse pensar numa lógica em que parte desse risco fosse assumido pelo governo brasileiro dentro de uma agenda ampla de ação”, sugere.
Janela de oportunidades
Já o advogado Frederico Bedran, sócio da área de mineração do escritório Caputo, Bastos e Serra Advogados, chama atenção para o risco de o Brasil repetir erros do passado e perder novamente o “timing global”.
“O desafio é não perder essa janela de mercado” alerta.
Para Bedran, o foco da política pública deve se concentrar em três minerais com maior potencial geológico: lítio, grafite e terras raras.
Ele defende também uma abordagem realista sobre até onde o país pode avançar em cada etapa das cadeias produtivas, focando, em um primeiro momento, no refino base.
“O formulador de política pública não pode pensar somente no motor. Ao mesmo tempo, a gente só consegue chegar no motor se tiver mineração”, explica.
Segundo o advogado, o Brasil tem condições de avançar até o primeiro refino, mas precisa de incentivos claros e garantias para que as empresas consigam financiar seus projetos.
“Hoje, a política pública tem que entregar esses fatos. Olhando para a mineração, mecanismo de garantia. Olhando para o primeiro refino, benefício fiscal”.
Bedran também aponta a necessidade de ampliar instrumentos de financiamento, como fundos e debêntures incentivadas.
“Essas empresas carecem de garantia. E o BNDES não vai conseguir aportar se não tiver uma garantia”.
Projetos em tramitação
Os dados da Agência Nacional de Mineração (ANM) reforçam o crescimento do interesse pelo tema: as autorizações para pesquisa em terras raras saltaram de 40 em 2015 para 1.361 em 2024, com aceleração expressiva nos últimos quatro anos.
No entanto, esse aumento de prospecções não se traduziu em novos empreendimentos industriais, pela falta de condições financeiras seguras e estabilidade regulatória.
No Congresso, algumas propostas estão em tramitação. Entre elas, o PL 2780/2024, que cria a Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos (PNMCE), é o mais adiantado.
Desde setembro, tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados sob relatoria de Arnaldo Jardim (Cidadania/SP). O objetivo é aprovar o texto antes da COP30, marcada para novembro de 2025, em Belém (PA).
Também estão em análise o PL 2210/2021, que cria a Política Nacional de Fomento ao Desenvolvimento Tecnológico da Cadeia Produtiva de Terras Raras, e o PL 3659/2025, que institui o Marco Regulatório Nacional para a Pesquisa, Mineração e Industrialização de Elementos Terras Raras.