RIO — O presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), Celso Cunha, criticou o Plano Clima lançado no mês passado pelo governo federal, afirmando que o documento é marcado por “ativismo” e “questões tecnicamente equivocadas”.
Na visão do executivo, os caminhos apontados para a transição brasileira desconsideram o papel estratégico da energia nuclear na descarbonização da matriz energética.
“Participamos ativamente da discussão do Plano Clima. Mas esse plano me parece mais um ativismo do que algo efetivamente e tecnicamente pensado”, aponta Cunha, em entrevista à agência eixos.
Para ele, as poucas referências à energia nuclear no documento, restritas à conclusão de Angra 3 e menções a barreiras econômicas e sociais, estão desatualizadas.
Divulgado em 18 de julho, o plano elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e Aneel é o roteiro para o Brasil cumprir sua Contribuição Nacionalmente Determinada ao Acordo de Paris (NDC, em inglês), mas chegou com um cenário sem expansão da energia nuclear até 2035.
O único compromisso concreto é a realização de um estudo de viabilidade para Angra 3 até 2032. A obra está paralisada desde 2015, com custos que chegam a R$ 1 bilhão por ano.
Em janeiro, a EPE afirmou que os estudos sobre os impactos ao sistema elétrico da conclusão da usina nuclear de Angra 3 concluíram que o projeto evitaria gastos de abandono e moderar custos sistêmicos, além de prover segurança energética e confiabilidade para o sistema.
Plano Clima aponta barreiras para a nuclear
O Plano Clima cita “altos custos de implantação” e “resistência pública” como barreiras ao avanço da fonte na matriz brasileira.
Cunha rebate os argumentos e aponta que a realidade mundial caminha em sentido oposto, com a expansão de grandes reatores nucleares, e o esforço para tirar do papel os pequenos reatores modulares (SMRs, na sigla em inglês) — nova tecnologia que vem sendo adotada por países como China, EUA e Canadá, entre outros.
“Enquanto o mundo todo está se voltando para a nuclear — e é só olhar as curvas de investimento, o volume, e os novos projetos do SMR entrando no mundo todo —, vemos uma barreira enorme do Plano Clima”, diz.
Para o presidente da Abdan, o argumento da gestão de resíduos também é infundado.
“De vez em quando vem essa história que tem o problema do resíduo. Mas não tem mais resíduo. Tem mais combustível empobrecido que pode ser reciclável”, afirma.
“Estamos falando de ciclos fechados de combustível. O que torna a fonte praticamente renovável”, completa.
Mesmo com a exclusão da fonte nos documentos preliminares, Cunha garante que não pretende desistir.
“Eles ainda não fecharam. Nós também não desistimos não”, conta.
Os documentos do Plano Clima ficam em consulta pública até 18 de agosto.
A Abdan propôs a inclusão dos SMRs como solução para descarbonização da indústria — especialmente do setor de óleo e gás.
“A nossa sugestão foi entrar com os SMRs para descarbonizar a indústria, descarbonizar a indústria do petróleo. Isso está acontecendo no mundo de uma forma geral”.
Foco nas térmicas a gás
Outro ponto de crítica é foco do governo em ampliar o uso de termelétricas a gás para dar suporte à expansão das fontes renováveis, diante da intermitência da solar e da eólica — mas sem considerar a nuclear como alternativa firme.
“Realmente são necessárias mais térmicas. Isso é um fato”, diz Cunha, para quem o apagão de agosto de 2023, no Brasil, serve de exemplo da relevância das termelétricas para segurança energética.
Segundo ele, a falta de uma fonte de base confiável, como era o papel das hidrelétricas no passado, compromete a estabilidade do sistema.
Contudo, aponta que a adoção do gás natural como solução de base na transição energética repete erros cometidos na Europa, e que a geração nuclear no Brasil se apresenta como mais competitiva.
“O gás é uma commodity. Já custou US$ 6. Hoje passa de US$ 15. Nossas térmicas a gás custam R$ 2 mil o megawatt hora. Já as nucleares Angra 1 e Angra 2 estão na faixa de R$ 300. Como é que é caro?”, questiona.
Ele observa ainda que a expansão das térmicas a gás depende da construção de gasodutos, um custo que será repassado à sociedade, algo que o Plano Clima desconsidera.
“Mesmo [com a conclusão de] Angra 3, que vai diluir o investimento, os cálculos do BNDES apontam para R$ 640/MWh. A diferença de R$ 640 para R$ 2 mil é imensa. Ou seja, estamos querendo viabilizar levar gás para o interior do Brasil e alguém vai pagar a conta de construir os pipelines todos”.
“Vamos ter muito apagão pela frente”
O presidente da Abdan alerta para os riscos do sistema elétrico nacional continuar se expandindo baseado majoritariamente em renováveis intermitentes, como solar e eólica.
“Tem momentos do dia que você chega a ter mais de 70% de energia renovável sendo injetada no sistema. O risco nesses casos é exponencial. Isso é técnico para quem conhece o assunto”, afirma.
Para ele, é necessário planejamento de longo prazo e diversificação real das fontes firmes.
“Até 2035 são 10 anos. Em 10 anos você constrói as usinas antigas. Hoje em dia está se construindo em 74 meses. Os chineses estão construindo em 56 meses uma usina de grande porte. A partir de 2030 nós temos os SMRs começando a entrar em escala”, destaca.
Com uma visão crítica do que chama de “ativismo ambiental” no planejamento energético, Cunha resume a preocupação do setor.
“A ONU fez uma declaração muito forte na COP29 dizendo o seguinte: sem nuclear não tem transição energética. E aí a gente fica aqui numa briga eterna como se o sol e o vento fossem resolver esse problema. É lamentável. Mas vamos ter muito apagão pela frente se continuar com essa postura”.