RIO — A revisão das políticas de incentivos da Lei de Redução da Inflação (IRA, em inglês) nos Estados Unidos e a saída da maior economia global do Acordo de Paris, no governo de Donald Trump, abre novas oportunidades para o Brasil atrair investimentos em projetos verdes, como geração eólica e hidrogênio verde, na visão de executivos do setor.
Há um entendimento de que o compromisso de empresas e fundos de investimento com metas ambientais pode impulsionar o Brasil como um player global na transição energética.
No entanto, o país enfrenta desafios macroeconômicos que podem dificultar a chegada desses recursos.
Diferencial verde
A decisão dos Estados Unidos de suspender incentivos previstos no IRA, que destinava bilhões de dólares para projetos de energia limpa, libera capital que antes era direcionado ao mercado norte-americano, na avaliação de Luis Viga, presidente do conselho da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde (ABIHV) e da Fortescue Brasil.
“Há exemplos de companhias que desistiram de projetos de hidrogênio no Brasil para direcionar investimentos nos EUA, atraídos pelos incentivos do IRA, no governo Biden. Com a suspensão desses incentivos, alguns desses recursos podem se voltar para o Brasil”, afirma Viga em entrevista à agência eixos.
Ele pontua que depois do mercado de hidrogênio passar por uma fase de “hype”, agora os investidores estão olhando para onde estão reunidas condições que de fato levam à produção de hidrogênio a um menor custo, como a abundância de energia renovável.
“Esse é o caso do Brasil. Se quisermos trazer investimentos para o Brasil, o nosso diferencial é o verde”, ressalta.
Viga diz que, apesar de muitas empresas estarem revendo sua políticas e projetos sustentáveis, a Fortescue — quarta maior mineradora de minério de ferro do mundo — está comprometida com suas metas climáticas, incluindo a de abandonar o uso de combustíveis fósseis nas suas operações na Austrália até 2030.
Por aqui, a companhia espera tirar do papel uma planta de produção de hidrogênio verde, no Complexo do Pecém, no Ceará, com investimento estimado em R$ 17, 5 bilhões. O projeto espera produzir cerca de 500 toneladas diárias de hidrogênio a partir da eletrólise da água, utilizando 1,2 gigawatts de energia renovável.
Desafios são macroeconômicos
Para Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica), o Brasil está bem posicionado para atrair esses investimentos, posicionado entre os cinco mais atrativos do mundo para a indústria de renováveis.
“O país acaba ficando numa posição melhor para atrair recursos de renováveis de forma geral, tanto para eólicas offshore quanto onshore, hidrogênio, e até mesmo oferecer energia para data centers e empresas que querem consumir a energia renovável”, destaca em entrevista à eixos.
Apesar das oportunidades, Gannoum destaca que o Brasil tem desafios macroeconômicos não muito favoráveis para investimentos, como déficit fiscal, inflação e taxas de juros elevadas.
“O momento do investimento no Brasil é bastante desafiador. Por outro lado, são investimentos que olham o longo prazo, e temos a capacidade de lidar com essa série de variáveis complexas”, pontua.
Juliana Ramalho, sócia da área de ESG do escritório Mattos Filho, também observa que questões burocráticas e tributárias são outros entraves.
“Questões de burocracia e tributação são drivers importantes quando o investidor está olhando para o Brasil”, afirma.
Ainda assim, a advogada avalia que há um potencial para atrair empresas verdadeiramente comprometidas com políticas ambientais, em contraposição ao reposicionamento dos EUA e de grandes companhias em relação em a práticas ESG (Environmental, Social, and Governance).
“O Brasil tem um super potencial. Algumas [empresas] surfaram na onda [ESG]. Essas, na primeira oportunidade, vão desistir dessa onda. E há outras empresas que são muito sérias e que vão continuar levando essa agenda ESG”.
Giovani Loss, sócio da área de Transição Energética do Mattos Filho, ressalta que a legislação tem evoluído para evitar o greenwashing, obrigando empresas a serem mais transparentes em seus relatórios e compromissos, além da própria pressão da sociedade, o que reduz os efeitos de atos políticos de Trump sobre a decisão das companhias.
“Empresas multinacionais sofrem outras pressões de outros governos, do judiciário e da população, dos stakeholders e dos investidores. Isso bota em xeque até a capacidade de regulação tradicional do Estado, porque ela ultrapassa a capacidade do Estado de regular uma série de medidas”, comenta.
“As empresas entendem que as decisões não são somente direcionadas pelo governo, mas por estratégias deles mesmos, e que a demanda por energia limpa veio para ficar e só vai aumentar”, completa Loss.
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