Eleições 2022

A transição energética no País das Maravilhas?

Planos de governo não têm contemplado estratégias setoriais para descarbonização, cumprimento do Acordo de Paris e uma transição energética justa, escrevem Alice Amorim e Marina Azevedo

O que dizem os presidenciáveis [na imagem] sobre clima e transição energética? (Foto: Reprodução Youtube)
Nenhum dos quatro principais candidatos ao Planalto tem compromissos claros com a meta climática do Acordo de Paris (Foto: Reprodução Youtube)

Os candidatos mudam, mas o tema da transição energética esteve presente em todas as eleições dos últimos 20 anos no Brasil. O enfoque oscilou de acordo com a crise (o preço dos combustíveis ou crise hídrica) ou o acontecimento relevante da vez (a descoberta do Pré-sal, por exemplo) .

Não se notou claro esforço dos diversos programas de governo em elaborar sobre o significado da transição energética e o seu real potencial para o desenvolvimento social e econômico do Brasil.

Levantamento feito pela equipe do Instituto E+ analisou os Programas de Governo dos principais candidatos à Presidência desde 2006. Encontramos propostas relacionadas ao uso e preço de combustíveis fósseis, expansão de fontes renováveis, acordos para cooperação internacional em ações referentes ao clima e ao meio ambiente, segurança e acessibilidade energética.

O exercício nos mostrou que a transição energética é quase sempre fatiada em subtemas, como se eles estivessem desconectados entre si e não fossem parte de um processo mais amplo de transformação econômica e social. Essa abordagem torna complexa a tarefa de compreender o conjunto de proposições dos diferentes programas e avaliar se, ao final, ele leva o Brasil a um caminho de maior ambição ou de retrocesso.

Todos os caminhos levam à Petrobras

Com o anúncio da descoberta do pré-sal em 2006 e o início da sua extração em 2010, o Pré-Sal norteou as discussões nas eleições de 2010 e 2014. Havia consenso de que a exploração do recurso levaria ao fortalecimento da economia e crescimento do Brasil no mercado de petróleo, por isso propunha-se o desenvolvimento de uma indústria de bens e serviços em torno dele.

Os escândalos de corrupção envolvendo a Petrobras, que chegaram a público em 2014, mudaram o rumo do debate na eleição de 2018 e na atual. As discussões acerca do papel desempenhado pela estatal tiraram o foco do pré-sal para o próprio futuro da empresa, sem necessariamente levar a um debate mais profundo sobre qual o futuro dela num contexto de desenvolvimento e descarbonização da economia.

Candidatos de esquerda defendem a ampliação da capacidade de investimentos da empresa, com reindustrialização do país e modernização do parque produtivo. Já no plano alinhado ao viés de direita, a privatização de grandes estatais do setor de energia, de forma a reduzir a intervenção do Estado na economia tende a dominar.

Os debates sobre os combustíveis fósseis e o papel da Petrobras fazem parte de uma pauta mais ampla, de segurança energética, tema recorrente nas eleições entre candidatos de espectros políticos distintos.

Desde 2006, quase todos os planos de governo propõem aumentar os investimentos na construção de infraestruturas de energia, logística, transportes e comunicação, alguns exemplos são a expansão da malha de gasodutos, novas usinas de geração de eletricidade, ferrovias, aeroportos e portos.

A partir da década de 2010, a diversificação do portfólio energético nacional passa a ser tratada também como uma estratégia para aumentar a segurança e competitividade do setor. Isso envolve a produção de derivados do petróleo, o estímulo à produção de biodiesel, e a ampliação do parque elétrico com fontes renováveis.

Porém, mesmo existindo um consenso sobre os benefícios que a ampliação das fontes renováveis trará ao Brasil, faltam discussões sobre como paralelamente reduzir a dependência que temos das fontes fósseis.

Já em 2022, o principal tópico relacionado à transição energética é a capacidade dos consumidores de pagarem pela energia.

O plano de governo de Lula propõe lidar com a alta de preços dos combustíveis através de medidas de combate à inflação e da transição para uma nova política que leve em conta os custos nacionais e seja adequada à ampliação dos investimentos em refino. Em 2018, o candidato do PT, Haddad, defendeu o fim da política de paridade de preços implementada no governo Temer.

Já Bolsonaro, na mesma eleição, propôs revisar os tributos estaduais na formulação do preço da energia, e implementou a medida em 2022 através da Lei Complementar 194/22, que alterou o código tributário nacional e da Lei Kandir.

As mudanças na Lei estabelecem um ambiente de incerteza, visto que seu principal impacto está na arrecadação de impostos dos Estados, que se tornaram mais dependentes de repasses do governo federal.

A economia de cada região pode sentir tanto um efeito positivo, com o aumento do poder de compra da população e movimentação dos mercados, quanto negativo, com a redução dos investimentos em novos projetos e infraestrutura por parte dos Estados e, consequentemente, redução de empregos.

Pouco se foi debatido no contexto eleitoral sobre as repercussões da medida e sobre como o mercado deverá se adaptar caso surtam efeitos negativos no âmbito social.

Como a transição energética impacta nossas vidas?

A sociedade brasileira precisa entender melhor o que é a transição energética em todas suas facetas para visualizar como as medidas de curto prazo feitas em contexto eleitoral podem ter um efeito de longo prazo com grande impacto em suas vidas muito depois de um ciclo de governo.

Queremos ou não construir hidrelétricas na Amazônia? Queremos ou não dar uma sobrevida ao Carvão em Santa Catarina? Queremos ou não eletrificar a frota de transporte público? Precisamos ou não de termelétricas a gás natural operando por 20 anos? Faz sentido subsidiar os combustíveis fósseis para reduzir o preço em 6 meses se devemos eliminá-los?

Todas essas e muitas outras perguntas precisam ser feitas e debatidas num contexto eleitoral para que possamos entender como os programas de governo vão ser desenvolvidos no dia seguinte das eleições.

“A democracia energética visa garantir que todos tenham acesso adequado à energia, ampliando a participação da sociedade na gestão da produção e acesso à energia, com autonomia na decisão e no acesso a serviços e produtos. O conceito está ligado a uma descentralização contínua dos sistemas de energia com eficiência energética e energia renovável.

É um movimento social emergente que busca promover o acesso amplo aos serviços energéticos, associado, em geral, também a questões sociais e ambientais”.  Manual E+ de Termos e Conceitos da Transição Energética

Cobrimos por aqui:

O que está faltando no debate?

Os planos de governo não contemplam estratégias de ação bem definidas para a transição energética. Isso é um fato crucial pois muitas dessas ideias não evoluem para ações coerentes com o contexto de emergência climática e de segurança energética que o mundo vive.

O Brasil deve buscar alcançar uma economia mais competitiva e menos dependente dos combustíveis fósseis. Assim, faltam discussões sobre como implementar os planos setoriais de descarbonização, cumprir o Acordo de Paris, e formular estratégias para uma transição energética justa, com a inclusão de diferentes grupos da população e políticas para garantir a proteção dos mais vulneráveis.

Para falar de transição energética é necessário olhar para o futuro e voltar de trás para frente para desenvolver estratégias de como chegaremos lá. Senão, ficamos como nos sugere o gato para a Alice no País das Maravilhas: Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.

Alice Amorim é Presidente do Conselho Deliberativo do Instituto E+ Transição Energética.

Marina Azevedo é Consultora técnica do Instituto E+ Transição Energética.