A urgência da redução de emissão de gases de efeito estufa (GEE), associada às discussões de mudanças climáticas no âmbito do Acordo de Paris, trouxe à tona um termo cada vez mais utilizado e cujo significado tem sido, em geral, mal compreendido: a transição energética.
Qual é a sua importância? Por que o tema tem ganhado tanto destaque?
Nesta coluna mensal, vamos explicar por que a transição energética precisa ser de compreensão geral, quais os principais desafios associados e por que ela pode alavancar o papel do país em termos geopolíticos e transformar o Brasil em uma potência descarbonizadora do mundo neste século.
Para isso é necessário começarmos por conceitos fundamentais.
Neste artigo, vamos discorrer sobre a transição energética, como o Brasil se encaixa nesse movimento mundial, seu diferencial em relação aos demais países e as razões de a considerarmos uma grande oportunidade para o país.
A transição energética é um processo no qual há uma alteração na composição da(s) principal(is) fonte(s) de energia de uma matriz energética.
Essas alterações, por sua vez, estão atreladas a modificações significativas na forma de produzir, distribuir e consumir energia, trazendo novidades em relação a tecnologias de conversão, modelos de negócios, segmentos industriais e relações internacionais.
Atualmente, as matrizes energéticas no mundo são dominadas por fontes fósseis (carvão e petróleo).
Porém, as fontes renováveis de energia vêm ganhando importância cada vez maior.
Uma visão em 5Ds para a transição energética
Essa alteração está no bojo do que chamamos de descarbonização da matriz, já que envolve a substituição de fontes (ou tecnologias de geração) de energia com alto teor de emissão de GEE por fontes (ou tecnologias de geração) com emissões baixas (nulas e até, em alguns casos, negativas!).
Entretanto, apesar de muitos analistas se limitarem a definir a transição energética apenas como esse processo de descarbonização, há outros dois elementos igualmente essenciais para a caracterização da atual transição energética mundial: a descentralização e a digitalização.
A descentralização da energia pode ser percebida, especialmente, na disseminação da geração distribuída, na qual os painéis solares nos telhados das residências são os exemplos mais visíveis.
Possibilitada por avanços da tecnologia que têm permitido a redução das escalas dos respectivos projetos, ela se caracteriza pelo fato de que há uma maior aproximação da oferta de energia aos centros consumidores, reduzindo custos e as perdas associadas ao transporte de energia a longa distância.
A descentralização também permitiu uma nova relação entre consumidores e produtores, com o surgimento do que se passou a se chamar de prosumidores, ou seja, consumidores que geram sua própria energia.
Já a digitalização, embora não seja um processo específico do setor de energia, é representada pela crescente integração e evolução exponencial das tecnologias digitais (como redes inteligentes, blockchain, internet das coisas, big data, entre outras) com acesso à maior quantidade de informação, automatização de processos e sistemas, descortinando, assim, novos estilos de vida e mudanças comportamentais.
Contudo, a visão da transição energética baseada nos 3Ds descritos (descarbonização, descentralização e digitalização) é insuficiente para descrever a nossa experiência.
Desenho de mercado e democratização
No Brasil, precisamos incluir outros 2Ds: desenho de mercado e democratização (com redução da desigualdade). Um breve vídeo com esses conceitos pode ser acessado também no site do Instituto E+ Transição Energética.
O bom desenho de mercado assegura que as negociações nos mercados de energia ocorram de maneira eficiente, com apropriada alocação de riscos e de custos entre agentes.
Ele permite ainda que inovações que tragam maior competitividade ou novos serviços sejam incorporados sem maiores fricções, trazendo aumento de bem-estar para a população.
As discussões recentes de modernização dos setores elétricos e de gás natural apontam na direção correta, mas ainda necessitam de aprimoramentos posteriores para garantir a alocação apropriada de riscos e custos, além de levar a melhor utilização dos recursos, levando-se em conta a segurança energética do país.
A desigualdade de acesso à energia reconhece que a solução de mercado gera eficiência nas transações, mas não garante equidade. A transição energética tem que ser justa e inclusiva, com particular ênfase na melhoria da qualidade de vida dos grupos sociais mais vulneráveis.
A democratização do acesso com qualidade e a preços competitivos à energia representa maiores oportunidades para a nossa indústria, empreendedores e população de baixa renda, contribuindo para uma maior expansão das atividades econômicas e do bem-estar.
O grande desafio brasileiro está em aproveitar a diversidade de seu portfólio de recursos, com segurança energética, ambiental, econômica e distribuição dos benefícios para toda a sociedade.
É essa a transição energética que pode gerar o desenvolvimento do Brasil em bases socialmente justas, ambientalmente responsáveis e economicamente eficientes nas próximas décadas. Sendo, dessa forma, a chave para o país ser mais competitivo, inclusivo, produtivo e eficiente.
Emílio Matsumura é diretor-executivo do Instituto E+ Transição Energética e professor do IBMEC/RJ.