A transição energética depende de volumosos investimentos para desenvolver uma nova infraestrutura capaz de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e compensar a substituição de fontes não renováveis na matriz energética global.
Espera-se na próxima década um crescimento vertiginoso de novos projetos em diversas áreas, como sistemas de captura e armazenamento de carbono (CCS), hidrogênio verde, parques eólicos onshore e offshore, usinas solares, hidrelétricas, entre outras soluções.
Após 2015, com a queda no preço do petróleo e a ratificação do Acordo de Paris, a expectativa era que as empresas incumbentes da indústria de petróleo e gás fossem liderar a transição para projetos de energias renováveis, por conta de sua capacidade de mobilizar recursos financeiros e tecnológicos para projetos complexos.
Esse processo tem sido mais moroso do que o imaginado. A demanda global e doméstica por petróleo e gás até 2050 continuará atraindo a atenção das empresas, dada a rentabilidade desses projetos em comparação com outros segmentos. No Brasil, o próprio governo emite sinais contraditórios em relação à promoção de uma transição completa, devido aos empregos e arrecadação gerados pela indústria de petróleo e gás.
Além disso, a menos que um plano agressivo seja implementado para reduzir o consumo anual de 150 bilhões de toneladas de combustíveis fósseis, não faz sentido incentivar a redução da produção no país apenas para transformá-lo em um importador de energia. Outro ponto importante seria a perda de receita, que segundo estimativas da EPE poderia atingir R$ 4 trilhões entre 2031 e 2050.
No entanto, a demanda não é o único desafio para a indústria de petróleo e gás no Brasil. Em uma pesquisa com 36 das principais empresas da cadeia produtiva, observei que muitas multinacionais já possuem portfólios diversificados com projetos voltados à transição energética, embora grande parte dessas iniciativas seja desenvolvida no exterior.
Isso ocorre porque o Brasil ainda possui um arcabouço regulatório incipiente, e os principais motores de projetos verdes inovadores, como liderança tecnológica e demanda de clientes, estão localizados fora do país. Aliado à lucratividade dos contratos de megaprojetos offshore no Brasil, esses fatores fazem com que as empresas incumbentes concentrem mais esforços na descarbonização das suas atividades de exploração e produção (E&P) do que na transição para outras fontes de energia.
Exemplos de medidas adotadas recentemente incluem sistemas de flare fechados, geração de energia em ciclo combinado, plataformas totalmente elétricas, soluções digitais e outras tecnologias novas como o Hisep.
A incumbência é importante sob o ponto de vista de inovação incremental e competitividade. Empresas incumbentes, devido à sua posição estabelecida, também são mais hábeis em influenciar políticas públicas. Essas características podem limitar sua disposição para promover ou adotar mudanças disruptivas.
Por esse motivo, a literatura sobre transição energética é muitas vezes crítica ao papel de incumbentes, visto que elas tendem a sustentar o status quo. Uma questão importante é que empresas incumbentes do setor de energia geralmente focam em “esverdear” (do inglês greening) seus negócios existentes na área de combustíveis fósseis, enquanto politicamente desviam a discussão para assuntos como segurança e justiça energética, em vez de promoverem uma mudança efetiva.
Políticas públicas mais agressivas são necessárias para reduzir a dependência de combustíveis fósseis e aumentar a competitividade dos projetos de energias renováveis.
Em um artigo para a Oxford Review of Economic Policy, o economista Dani Rodrik analisou as políticas industriais verdes de países como Estados Unidos, Alemanha, China e Índia. Classifico os incentivos oferecidos por esses países em seis categorias: tributários, financeiros, comerciais, tecnológicos, laborais e regulatórios.
Na esfera tributária, os incentivos incluem créditos de imposto de renda, depreciação acelerada, isenções fiscais na compra de maquinário e aumento de impostos sobre produtos mais poluentes. Incentivos financeiros envolvem garantias de empréstimos, juros baixos, títulos para conservação de energia, cap-and-trade e seguros contra riscos.
Também há incentivos comerciais, relacionados a compromissos de compra, como políticas de compras governamentais, cotas de combustível, tarifas feed-in e prêmios de mercado. No campo tecnológico, os incentivos incluem subvenções para pesquisa e desenvolvimento (P&D) e financiamento direto. Incentivos laborais são subsídios de treinamento voltados aos trabalhadores da economia verde.
Em termos regulatórios, os governos facilitam projetos com certificados sobre sustentabilidade do produto, normas, especificações técnicas e agilidade no processo de licenciamento e concessão de permissões.
Todos esses incentivos devem estar alinhados em favor de projetos de energias renováveis, para encorajar a participação do setor privado no desenvolvimento de uma infraestrutura mais sustentável.
Apesar dos compromissos globais para a redução de GEE e dos incentivos econômicos para a economia de baixo carbono, a indústria de petróleo e gás continuará resistente a essas pressões, por conta da sua rentabilidade e importância política.
Cabe ao governo parar de emitir sinais contraditórios, como os planos estratégicos da Petrobras ou o Repetro, e desenvolver um pacote de incentivos tributários, financeiros, comerciais, laborais, tecnológicos e regulatórios para trazer as empresas incumbentes de petróleo e gás de forma definitiva para a transição energética no país.
Tércio Pinho Filho possui doutorado pela Universidade de Oslo – Centre for Technology, Innovation and Culture (TIK-UiO), com foco em inovação em contratos de projetos de petróleo e gás na Noruega. Atualmente, é pós-doutorando em dois programas: um na FGV-EBAPE, no Brasil, e outro no PMJ College, no Reino Unido.