Trabalhadores precisam criar estratégias para transição energética justa

“Não haverá emprego em um planeta morto”, afirma Mariano Sanz Lubeiro, líder sindical espanhol

Entrevista com Mariano Sanz Lubeiro sobre transição energética justa na Espanha
Mariano Sanz Lubeiro, secretário de Meio Ambiente e Mobilidade da Confederación Sindical de Comisiones Obreras (CCOO)

Para o líder sindical espanhol Mariano Sanz Lubeiro, a única forma de evitar que a descarbonização deixe para trás uma força de trabalho desamparada é posicionar os trabalhadores na dianteira das negociações das estratégias de transição justa.

Lubeiro é secretário de Meio Ambiente e Mobilidade da Confederação Sindical de Comissões Trabalhistas (CCOO, na sigla em espanhol), a principal organização da Espanha.

Ele participa das negociações do Instituto de Transição Justa instalado pelo governo de Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol, que assumiu em 2018. O órgão foi criado para organizar a economia durante as transições ecológicas.

Em entrevista à epbr, Lubeiro compartilha a experiência do país em seus esforços para eliminar o carvão da matriz energética do ponto de vista dos trabalhadores — naturalmente, o elo mais fraco da economia.

“Na Espanha, foram muitos anos de debate até começarmos a construir alguns consensos. O primeiro deles foi reconhecer que o tema da mudança climática é algo que os sindicatos terão que lidar”, diz.

Ele também é vice-presidente do Instituto Sindical de Trabalho, Ambiente e Saúde (Istas) e representou trabalhadores em duas Conferências do Clima da ONU.

No país, o debate surge na década de 1990, quando sindicatos espanhóis passaram a incorporar temas ambientais pelo viés da saúde do trabalho.

Para o sindicalista, a Espanha vive um momento-chave, com a destinação de grandes volumes de recursos à recuperação econômica pós-covid, boa parte deles com critérios climáticos obrigatórios.

Não que tenha sido fácil.

“[O] comodismo é uma armadilha, e os empresários que se dão conta disso e se antecipam às transições ficam três passos à frente”, afirma.

Hoje, diz Lubeiro, a luta é para que os trabalhadores sejam beneficiados pela transição energética, indo para postos de trabalho mais bem remunerados e seguros, ou que tenham uma compensação adequada.

“Todo esse processo exige uma coordenação muito forte entre os governos — nacional e regionais–, e nem sempre isso ocorreu aqui. E os empresários foram pouco proativos”, critica.

E, ao lamentar que o Brasil não tenha neste momento uma liderança preocupada com a transição ecológica, defende a troca de experiências globais entre os trabalhadores sobre as mudanças climáticas.

“O Brasil deu azar de ter neste momento um presidente que politicamente está preso a um pensamento de séculos atrás. Se o país se der conta de seu potencial, vai perceber que o desenvolvimento sustentável é uma oportunidade”.

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Como os sindicatos na Espanha estão envolvidos na transição justa da indústria do carvão?

Nos anos 1990, reconhecemos que havia uma importante interseção entre ambiente e saúde ocupacional. Hoje nossa atuação está fundamentalmente em dois setores: o fim da mineração do carvão e o fechamento de centrais térmicas a carvão.

Quando a Espanha entrou na União Europeia, nossas minas eram as menos rentáveis e dependiam de subsídios europeus, e o bloco nos obrigou a fechá-las progressivamente.

Havia naquele momento algo como 40 mil trabalhadores no setor. Nesse processo, um acordo foi firmado entre o governo espanhol, empresas e sindicatos para encerrar as minas que não eram rentáveis até 31 de dezembro de 2018. Naquela data, restavam 2 mil empregados.

Esses acordos tinham duas bases: planos de demissão voluntária e aposentadorias incentivadas; ou uma bolsa de emprego e formação para que esses territórios possam reativar a economia com outras atividades.

Nesta segunda também estão incluídos projetos de recuperação ambiental nas áreas de mineração historicamente afetadas, que capacitou e agora emprega cerca de 500 trabalhadores oriundos do setor de carvão por um período mínimo de cinco anos.

Todas essas regiões também são objeto de um plano mais amplo, com apoio da UE, para reconversão de energia, ou seja, a transição energética para opções renováveis, além da melhoria da gestão de resíduos.

Foi necessário firmar acordos muito claros com as usinas termelétricas, incluindo as empresas menores, que prestam atividades auxiliares, como limpeza e manutenção.

Veja, as empresas de energia têm enorme poder econômico e muitas instalações. Sem um acordo, elas poderiam facilmente indenizar ou transladar o trabalhador de um lugar para outro.

Essas medidas tiveram êxito?

Esse processo acabou se transformando em uma política de Estado.

Em 2019 se estabeleceu a estratégia espanhola para uma transição justa, que vai além do setor de energia, que consideramos a porta de entrada das transições.

É necessária uma estratégia conjunta para vários setores que serão afetados de maneira simultânea. Um dos principais é a mobilidade e o setor automotivo.

O governo pode criar políticas que facilitem essa transição, como educar os mais jovens, criar infraestruturas e oferecer financiamento adequado, ou seja, garantir que teremos capacidade, como sociedade, de responder e nos adaptar às mudanças.

O problema das transições é que não se pode fazê-las quando elas já chegaram. Você precisa se antecipar a elas. A palavra-chave é “planejamento”.

No Brasil, a perda de emprego é o principal argumento para adiar transições ecológicas, seja no setor energético, com a manutenção de térmicas a carvão, seja em setores automotivos, que postergam a adoção de tecnologias menos poluentes. Como vocês contornaram esse discurso?

As posições dos sindicatos foram majoritárias, mas não unânimes. A conclusão majoritária é de que não há alternativa. E quanto mais tempo perdemos, mais dificuldade teremos para influenciar nessa transição.

Na Espanha, foram muitos anos de debate até começarmos a construir alguns consensos. O primeiro deles foi reconhecer que o tema da mudança climática é algo que os sindicatos terão que lidar.

A partir disso, defendemos que as políticas para reduzir os efeitos das mudanças climáticas precisam ser mais ambiciosas. Dentro desta visão, concordamos que não se trata apenas de reduzir as emissões de CO2, mas de uma transição ecológica, que vai requerer, por exemplo, uma gestão adequada das matérias-primas e mais soberania energética.

Esse debate não é nada fácil. E há um custo político, sobretudo para os dirigentes sindicais.

O governo da Espanha — um governo de transição e que vive uma situação política complicada –, apostou em uma iniciativa de Estado de transição ecológica.

A UE também fez essa aposta, e está condicionando políticas de acesso a fundos aos temas de digitalização e clima. Esses dois temas são quase 70% das condicionantes para financiamento dos fundos de recuperação econômica pós-covid.

Ou seja, temos que aproveitar esse bom momento.

Há lições para os movimentos sindicais no Brasil e de outros países?

É preciso levar em conta as particularidades de cada geografia. Mas a partir do momento que a organização chegou a um consenso sobre esses pontos, é necessário falar com governos — no plural — e com as empresas.

E estabelecer uma estratégia para obter compromissos que mitiguem impactos e ofereçam alternativas para que as pessoas não se sintam desamparadas.

Pelo que conheço do Brasil, sei que poderia estar sendo protagonista neste tema, tanto pelos recursos naturais, como pela massa crítica que tem.

O Brasil deu azar de ter neste momento um presidente que politicamente está preso a um pensamento de séculos atrás. Se o país se der conta de seu potencial, vai perceber que o desenvolvimento sustentável é uma oportunidade.

Uma das demandas que fazemos no movimento sindical internacional é que os países ricos sejam apoiadores dos países menos desenvolvidos.

Em junho, um evento liderado por centrais sindicais francesas e com apoio da Confederação Sindical Internacional (CSI) discutiu o tema da transição justa, com a participação de representantes de todos os continentes. Há muitas diferenças.

Aquilo que traz o Senegal é diferente do que apresentará a Indonésia, que também será diferente das demandas da Polônia. A ideia é que possamos compartilhar experiências e antever cenários, e os sindicatos que estão mais avançados devem apoiar os que estão começando esse debate.

Por sermos espanhóis, temos uma relação muito próxima com os sindicatos latino-americanos, principalmente chilenos, argentinos e uruguaios.

Nesses espaços estamos fortalecendo o lema: “não haverá emprego em um planeta morto”.

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Na Espanha houve um modelo de transição específico da energia que empregou a mão de obra do setor de carvão no de energias renováveis, mas nem todas as geografias são elegíveis para esses projetos. Como os sindicatos e os trabalhadores lidaram com o fechamento de usinas?

Os convênios de transição justa tiveram um papel fundamental nesse sentido, como instâncias que determinam quais políticas serão estruturadas.

O Instituto de Transição Justa e as comunidades autônomas fazem um diagnóstico sobre quais são os impactos e os potenciais das comunidades. Contratamos estudos para nos municiar de propostas viáveis e de um diagnóstico preciso.

A partir disso, é aberto um um processo de participação pública.

Como as empresas de energia lucraram muito com as instalações que precisam ser desativadas agora, elas ficaram comprometidas a fazer investimentos.

De uma maneira geral, os projetos têm se ajustado aos requisitos sociais, trabalhistas, ambientais e econômicos. O principal êxito é a garantia de financiamento e continuidade.

No passado, os planos de eliminação do carvão não foram corretamente geridos. O que pedimos hoje é que todos os recursos sejam auditados, para evitar irregularidades e corrupção, mas também para que não sejam projetos sem justificativa técnica e compromisso de permanência.

Criticamente, como você avalia os resultados observados até o momento?

Todo esse processo exige uma coordenação muito forte entre os governos — nacional e regionais–, e nem sempre isso ocorreu aqui. E os empresários foram pouco proativos.

Ainda há pouca receptividade no mundo empresarial. Não querem mudar, estão em uma posição muito cômoda, e por isso precisam ser permanentemente pressionados.

Mas esse comodismo é uma armadilha, e os empresários que se dão conta disso e se antecipam às transições ficam três passos à frente.

Outra crítica que faço é ao movimento sindical, que precisa definitivamente incorporar a discussão ambiental em suas reivindicações trabalhistas e por direitos sociais, e abordar a necessidade de uma transição ecológica.

Como você define o momento atual da transição ecológica na Espanha?

Com o avanço da vacinação, a Espanha e a maioria dos países europeus estão vendo suas economias voltarem a florescer. Acredito que estamos em um momento-chave, colhendo os frutos das negociações iniciadas em 2019 ou antes, fortalecidas pelas políticas europeias de recuperação econômica.

A estimativa atual é de que até o fim deste ano ao menos quinze convênios tenham que ser aprovados em zonas relacionadas às termelétricas e à mineração do carvão. E em breve vamos começar a negociar o fechamento das usinas nucleares.

Está claro que a Europa não faz uma aposta ambiental somente. É uma aposta em ser líder da transição energética, determinar o que será economicamente bem sucedido e posicionar as empresas europeias de maneira privilegiada.

Por isso, cada região precisa fazer um bom diagnóstico e aproveitar seus potenciais.

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