O Ministério da Fazenda submeteu a consulta pública o projeto de uma taxonomia sustentável para o país.
A medida, em conjunto com o projeto de lei do mercado regulado de carbono e o “Programa Combustível do Futuro”, compõe o pacote de iniciativas do Governo Federal voltado ao desenvolvimento sustentável. O projeto possui objetivos financeiros, ambientais, climáticos e sociais.
Mas o que é taxonomia sustentável?
O botânico sueco Carl Linnaeus desenvolveu uma metodologia científica para classificar os seres vivos, feito que o colocou na posição de precursor da taxonomia moderna. Foi ele quem deu o nome científico à espécie humana – Homo Sapiens. Cientista pouco modesto, dizia que Deus criou os seres vivos e os organizou.
Em tempos de aquecimento global e governança ESG, a classificação das atividades, projetos e tecnologias que causam impacto positivo em relação à sociedade, ao meio ambiente e ao clima passou a ser conhecida como “taxonomia sustentável”.
A premissa fundamental é que esta classificação seja elaborada com base na melhor ciência, reflita com integridade os resultados socioambientais e ofereça um parâmetro único a empresas, investidores, reguladores e demais stakeholders.
Em termos práticos, a taxonomia serve para orientar o fluxo de recursos financeiros públicos e privados destinados a iniciativas classificadas como sustentáveis.
A taxonomia também contribui para o aperfeiçoamento dos reportes de sustentabilidade, tornando-os mais consistentes e verdadeiros. A Resolução CVM n. 59/2021 obriga as empresas a divulgar relatórios de sustentabilidade e informações sobre a exposição a riscos climáticos. A existência de uma classificação lastreada em critérios científicos trará consistência e clareza sobre os investimentos de que tratam estes reportes, reduzindo o risco de greenwashing.
Equilíbrio e segurança energética
Quanto à transição energética, a grande contribuição que a taxonomia pode oferecer é a racionalização das discussões sobre as suas possíveis rotas, afastando-as de qualquer viés ideológico ou simples preconceito. Explica-se.
Os combustíveis fósseis são as mais importantes fontes de energia para a vida moderna e, ao mesmo tempo, causam as maiores emissões globais de gases de efeito estufa. Tal fato alimenta discussões pouco qualificadas, em que simplesmente se defende a abolição dos combustíveis fósseis a qualquer custo.
Evidentemente é preciso ampliar as fontes de energia renováveis e reduzir o uso indiscriminado dos combustíveis fósseis para que os objetivos do Acordo de Paris sejam atingidos. O desafio é encontrar equilíbrio neste processo para que não se comprometa a segurança energética.
Neste sentido, a União Europeia – que há décadas é vanguarda no combate ao aquecimento global – se mostrou pragmática quando a segurança energética do bloco foi desafiada pela guerra na Ucrânia, por uma regulação mais restritiva aos combustíveis fósseis e pela redução da energia nuclear.
A taxonomia regulamentada pela Europa no ano passado classificou como sustentável o investimento em energia nuclear e gás natural, quando presentes determinadas circunstâncias. As plantas nucleares de última geração são muito seguras e consomem quase todo o seu combustível, produzindo pouco lixo atômico. Por sua vez, a substituição do carvão e do óleo diesel por gás natural reduz as emissões de gases de efeito estufa.
Esta regulamentação foi alvo de críticas por tratar como sustentáveis a energia atômica e um combustível fóssil (gás natural), mas demonstrou racionalidade na ponderação da urgência climática e da segurança energética.
O Brasil enfrenta desafios diferentes da Europa em relação a transição energética que precisarão ser considerados na sua taxonomia. E aqui vale pontuar o acerto da proposta apresentada pelo Ministério da Fazenda que não se limitou a transição energética (como fez a Europa), mas também contemplou impactos sociais.
Em um país com tantas desigualdades, a transversalidade entre temas climáticos e sociais é bem-vinda. Neste sentido, a Constituição Federal trata dos dois temas, quando determina que a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais são objetivos fundamentais (art. 3º), cabendo ao Poder Público e à coletividade o dever de preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (art 225).
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Estímulo à redução de emissões precisa levar em conta a pobreza energética
A pobreza energética é um bom exemplo de como a taxonomia pode causar impactos positivos para o clima e a sociedade. Conceitualmente, a pobreza energética existe quando uma parcela da sociedade não tem acesso à energia necessária para atender as suas necessidades básicas. Vejamos o exemplo da lenha.
De acordo com trabalho publicado pela Empresa de Pesquisa Energética, a lenha representa inacreditáveis 26,1% da energia consumida nas residências brasileiras. O consumo de lenha no Brasil aumentou 3,2% em 2021. O gás liquefeito de petróleo (GLP) e o gás natural (GN) que são os substitutos para a lenha, representam, respectivamente, 22,9% e 1,6% do consumo residencial.
O uso da lenha prejudica os esforços de mitigação do aquecimento global, pois ela “é a maior responsável pela emissão de gases de efeito estufa seguida pelo carvão vegetal”, como aponta a pesquisadora da PUC/RJ Adriana Gioda. A queima de lenha gera mais de quarenta vezes a emissão de gases de efeito estufa em comparação ao GLP ou o GN, como menciona a citada pesquisadora.
Trata-se também de um problema de saúde pública. A fumaça contendo material particulado proveniente da queima de lenha causa inúmeros problemas de saúde, como indica trabalho elaborado pela Organização Mundial da Saúde. A queima da lenha coletada em ambientes urbanos (restos de madeiras que contêm tinta e outras substâncias químicas) é ainda pior, pois provoca uma fumaça tóxica mais danosa à saúde.
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Neste contexto, além de políticas sociais como o programa Auxílio Gás, o fomento aos investimentos na cadeia do GLP, bem como na infraestrutura para a estocagem e fornecimento de GN, pode reduzir substancialmente o uso da lenha nas residências brasileiras.
A identificação das circunstâncias em que estes combustíveis contribuem para a transição energética ou para a redução da pobreza energética no país é o primeiro passo para incluí-los no rol dos investimentos sustentáveis e, assim, estimular estes investimentos.
O fato é que o uso da lenha apenas escancara a necessidade de dispormos de mecanismos regulatórios que estimulem a redução das emissões de gases de efeito estufa, mas que não relevem a pobreza no país ao segundo plano.
Sendo assim, a iniciativa do Ministério da Fazenda é oportuna, pois identificará objetivamente as fontes de energia brasileiras (fósseis ou não) que são ativos valiosos para a transição energética, bem como para a mitigação da pobreza energética. Tal fato estimulará o direcionamento de recursos financeiros por parte de agentes públicos e privados para projetos que impulsionem transversalmente o desenvolvimento sustentável do país.
Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.
Guilherme Barbosa Vinhas é advogado, mestre em Direito, membro da Comissão Especial de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável da OAB/SP, membro do Conselho Empresarial de Energia e Transição Energética da Associação Comercial do Rio de Janeiro – ACRJ.