Transição justa

PGR prepara proposta de contrato referência para arrendamento de terras para usinas solares

Organização Nordeste Potência lançou nesta sexta (26) documento com as salvaguardas socioambientais para energia solar centralizada

Foto aérea de fileiras de painéis fotovoltaicos em usina solar (Foto: Kev/Pixabay)
Foto aérea de fileiras de painéis fotovoltaicos em usina solar (Foto: Kev/Pixabay)

BRASÍLIA — Está em fase de finalização pela Procuradoria Geral da República (PGR) a elaboração de uma proposta de contrato com obrigações mínimas e valores de referência para o arrendamento de terras destinadas a projetos de geração de energia solar.

A informação foi confirmada pelo procurador da República na Paraíba, José Godoy, durante evento de lançamento do documento de salvaguardas socioambientais para energia solar centralizada, elaborado pela organização Nordeste Potência, nesta sexta-feira (26/9).

Segundo Godoy, o objetivo é garantir remuneração justa para proprietários de terras, especialmente no Nordeste, onde há grande número de ocorrências de contratos desequilibrados.

Há casos, por exemplo, em que os proprietários são analfabetos e firmam acordos de longo prazo sem compreender, de fato, as cláusulas. A iniciativa da PGR tenta protegê-los dessas situações.

O procurador também observa que a presença de empresas estrangeiras nesse processo é marcada por “elevada nulidade de contratos”.

Um problema estaria no descumprimento da obrigatoriedade de autorização do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para que empresas estrangeiras possam ter propriedade sobre terras rurais ou arrendá-las.

Ele explica que porções de terras superiores a cem módulos precisam de autorização do Congresso Nacional e muitas delas estariam sem esta autorização, descumprindo frontalmente a lei 5709/1971.

E afirma que contratos nulos de pleno direito estão sendo aceitos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e que órgãos ambientais dão andamento a licenciamentos com base em contratos de arrendamento e de propriedade nulos, sem autorização do Incra.

O procurador cita entendimento firmado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de que os cartórios não devem registrar contratos de empresas estrangeiras sem autorização do órgão fundiário, mas que a prática vem ocorrendo.

“Os tribunais de Justiça precisam ser acionados. Essas empresa estão funcionando no Brasil de forma ilegal. Isso precisa ser enfrentado com urgência e nós temos que ter uma proposta para que qualquer acordo que aconteça para regularizar essa situação tenha contratos justos ambientalmente e socialmente, também do ponto de vista econômico e financeiro. Nós pautamos os tribunais e as corregedorias”, afirmou.

A Aneel não respondeu ao pedido de comentários até o fechamento desta edição. O espaço segue aberto.

Projetos híbridos e uso da água

Uma parcela expressiva dos projetos de geração solar fotovoltaica centralizada está localizada em regiões semiáridas ou com algum nível de escassez hídrica.

Segundo o levantamento do Nordeste Potência, há indícios de más práticas no manejo da água, na supressão da vegetação e na utilização sustentável dos recursos em usinas visitadas ao dentro da Bacia do Rio São Francisco.

Além disso, o documento aponta que a instalação de empreendimentos híbridos, com geração solar e eólica, podem interferir em nascentes e aquíferos superficiais.

Usinas eólicas apresentam, em geral, baixo consumo hídrico durante a fase de operação. No entanto, a fase de instalação demanda volumes consideráveis de água, seja para a execução de obras civis, como fundações e estradas, seja para controle de poeira ou uso em canteiros.

No caso das usinas solares, a limpeza frequente dos painéis — comum em regiões áridas — também pode exigir elevado consumo de água durante a operação.

“Quando essa demanda é atendida por perfurações de poços profundos, sem estudos hidrogeológicos adequados, há riscos concretos de rebaixamento dos lençóis freáticos e de interrupção do fluxo de cursos d’água”, aponta o estudo.

Mapeamentos feitos pela organização apontam 95 conflitos socioambientais nas serras do sertão baiano entre 2012 e 2021, sendo 22% associados à água e 76% a questões fundiárias.

Nessa área semiárida, a instalação de empreendimentos híbridos pode agravar a escassez hídrica, intensificar conflitos pelo uso da água e pressionar direitos territoriais, promovendo a fragmentação social em territórios tradicionais.

Também aponta a impermeabilização do solo e a retirada de cobertura vegetal comprometem as áreas de recarga dos aquíferos e afetam diretamente populações que dependem das nascentes e rios para a produção de alimentos, práticas culturais e subsistência.

Propostas de salvaguardas

Dentre as propostas para melhorar a relação entre as questões sociais, ambientais e econômicas, ao passo que investimentos sejam viabilizados, a organização propõe, dentre outros:

  • a apresentação de alternativas que priorizem áreas degradadas como etapa obrigatória do licenciamento;
  • a garantia de que os empreendimentos adotem a hierarquia da mitigação de forma integral e auditável: evitar, minimizar, restaurar e compensar.
  • exigir, como condicionante obrigatória do licenciamento ambiental, a elaboração e a execução de um plano de manejo de fauna;
  • impedir a instalação de empreendimentos que provoquem fragmentação de ecossistemas ou comprometa a regeneração natural da vegetação;
  • exigir, como parte do processo de descomissionamento dos empreendimentos, a recomposição da vegetação com espécies nativas nas áreas afetadas pela instalação e operação, visando à restauração das funções ecológicas originais e à reparação dos impactos ambientais;
  • tornar obrigatório o monitoramento contínuo das condições microclimáticas antes, durante e após a instalação do empreendimento;
  • fomentar, com recursos do empreendedor, pesquisas públicas e parcerias com instituições científicas para estudar os efeitos microclimáticos de diferentes configurações e tecnologias de usinas solares.

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