RIO — O furto de energia nas redes de distribuição voltou a crescer no país, a partir de meados da década passada, e vem ganhando mais destaque diante das dificuldades financeiras enfrentadas por algumas distribuidoras — a exemplo da Light (RJ) e Amazonas Energia.
“O setor elétrico está sendo derrotado pelo furto de energia”, disse o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Edvaldo Santana, em entrevista ao antessala epbr.
“Talvez seja o problema mais relevante que se tenha no setor elétrico brasileiro”, completou.
No topo da lista de distribuidoras mais afetadas pelos furtos de energia, o caso mais grave é no Amazonas.
As perdas não técnicas, popularmente conhecidas como “gatos”, representaram, em 2021, 122% da energia distribuída pela Amazonas Energia no mercado de baixa tensão, em termos reais. Em seguida, está a companhia de distribuição do Amapá, com 85% de perda real.
Em seguida, no ranking da Aneel, aparecem a Light, com perda real de 54%, e Celpa, do Pará, com 37%.
As perdas não técnicas reais são aquelas efetivamente apuradas pelas distribuidoras. A diferença de custos entre as metas regulatórias — aquelas reconhecidas nas tarifas — e as perdas reais é um prejuízo assumido pelas concessionárias.
Problema no caixa
Ou seja, as perdas com furto de energia afetam tanto o bolso dos consumidores, nas tarifas; quanto o caixa das distribuidoras.
A Light fechou o ano passado com um prejuízo de R$ 5,67 bilhões. A empresa alega que a situação atual é de desequilíbrio estrutural e defende a renovação antecipada da concessão, que vence em 2026.
No caso do furto, hoje, 70% das perdas financeiras são repassadas para a tarifa do cliente regular, os outros 30% são assumidos pela distribuidora, afirma o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira.
Segundo estimativas da associação, as perdas não técnicas custaram ao país R$ 6,6 bilhões no ano passado.
Já a Aneel calculou o prejuízo em R$ 5 bilhões — o que representa cerca de 3%, em média, do valor da tarifa paga pelo consumidor.
Um problema social
O problema dos furtos de energia é sócio-econômico — e de segurança pública.
Nos últimos anos, o aumento da área controlada por grupos armados, como milícias e traficantes, impede a operação regular das distribuidoras.
Algumas dessas organizações criminosas comandam a distribuição de energia por meio de ligações clandestinas e dificultam a realização de fiscalização por parte das concessionárias.
Só na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, as áreas sob influência de grupos armados passaram de 8,7%, em 2006 para 20% do território, em 2021. Um aumento de 131%, segundo levantamento do Mapa dos Grupos Armados, do Instituto Fogo Cruzado e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF).
“Tem região que não se entra, que não tem presença do poder público”, afirmou Madureira, ao participar do antessala.
Acompanhe na íntegra o episódio “Furtos de Energia têm solução?”, do antessala, produção da agência epbr
Em 2008, houve uma tentativa de reinserção dos serviços públicos em áreas de conflitos, no Rio de Janeiro, por meio das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) — mas a política de segurança pública fracassou e foi gradualmente descontinuada.
Possíveis saídas
Especialistas defendem que o combate ao furto de energia demanda políticas mais abrangentes — e não apenas setoriais.
Além de mais fiscalização e diálogo com ações de segurança pública, o ex-diretor da Aneel, Edvaldo Santana, defende uma espécie de tarifa social específica para aqueles consumidores que regularizassem a sua situação e se conectassem ao medidor — com valores mais baixos.
“No Rio, por exemplo, quem furta não deixa de pagar, mas em vez de pagar para a distribuidora, paga para milícias e grupos organizados”, disse.
Ele também aponta que a instalação de plantas de geração renovável dedicadas a consumidores hoje irregulares poderia ser uma caminho.
“Essa solução de painéis solares ou eólicas instaladas em áreas específicas para mim é a melhor solução (…) No caso do Rio de Janeiro, seriam necessários painéis de 350 a 400 MW, o que não é algo tão grande”, pontua.
Santana critica, por outro lado, ideias como a criação de subconcessões — divisão em que aquelas áreas onde o concessionário não conseguisse entrar para prestar o serviço fossem assumidas pelo Estado e a parte restante, onde é possível a prestação do serviço, ficasse com a distribuidora.
“Isso significa agravar o problema. O Estado não vai gerar dinheiro para combater as perdas”, comentou.
Já Marcos Madureira destaca que os altos patamares das tarifas estimulam a clandestinidade.
“Quanto mais alto é o preço da energia e mais atrativa para alguém roubar. Devemos olhar para tarifa elétrica e ver que componentes não deveriam estar presentes para não onerar o consumidor”, avalia.
Outro ponto importante citado pelo presidente da Abradee é o apoio político à fiscalização das distribuidoras.
Ele cita os casos de novos medidores anti-furto instalados — que já foram objetos de uma CPI na Assembleia Legislativa do Estado (Alerj). No Amazonas, um projeto de lei propôs a proibição da instalação de medidores aéreos na capital amazonense.
“São impeditivos para atuação das distribudioras”, afirma Madureira.
Combate às irregularidades
Madureira lembra que o furto de energia está longe de ser um problema apenas de áreas mais vulneráveis. O crime ocorre também em residências das classes A,B e C, pontos comerciais e até mesmo industriais. Nesses casos, contudo, as distribuidoras conseguem fazer um trabalho de fiscalização mais efetivo.
Entre janeiro e dezembro de 2022, por exemplo, a Enel Rio registou um aumento de 7% na identificação de irregularidades.
No ano passado, foram encontradas 194 mil irregularidades, contra 182 mil em 2021. Com isso, a Enel Distribuição Rio conseguiu recuperar 470 milhões de kWh de energia furtada.
Segundo a companhia, este volume de energia recuperado seria suficiente para abastecer aproximadamente 261 mil residências por um ano com consumo médio mensal de 150/kWh.