Energia

Setor elétrico está à deriva enquanto mudança climática avança

Para garantir energia barata, limpa e segura é preciso aumentar a diversificação das fontes renováveis, escrevem Luiz Eduardo Barata e José Marangon

Setor elétrico está à deriva enquanto mudança climática avança. Na imagem: Terra seca e rachada pela escassez de água na represa do Passaúna, em Curitiba, no Paraná, durante a crise hídrica de 2020 (Foto: Gilson Abreu/AEN-PR)
Seca na represa do Passaúna, em Curitiba, que integra o sistema de abastecimento de água para a população da capital paranaense (Foto: Gilson Abreu/AEN-PR)

Apesar de todos os alertas da comunidade científica mundial, o sistema elétrico brasileiro ainda não tem uma política efetiva para enfrentar os desafios climáticos, correndo um risco de enorme repercussão econômica.

Com o aquecimento global ocorrendo a uma taxa sem precedentes – e no Brasil com mais intensidade do que no resto do mundo –, um plano para garantir a resiliência do sistema elétrico é urgente.

Mesmo tendo mais de 60% do fornecimento com origem hidrelétrica, o planejamento elétrico nacional continua se apoiando em séries históricas para dimensionar o volume esperado de chuvas e a operação dos reservatórios, o que, dadas as mudanças climáticas, significa esperar e contar com uma água que pode faltar.

A incorporação do potencial de crescimento de utilização das fontes primárias advindas do vento e sol também é falha. E por pressão política e de agentes econômicos, o país continua colocando no radar grandes hidrelétricas sem armazenamento e termelétricas desnecessárias.

Como resultado, continuaremos reféns de contratos emergenciais a preços exorbitantes em momentos de crise hídrica, como ocorrido em 2021.

Esse é o quadro geral que encontramos ao analisar as principais pesquisas e estimativas do setor, em um levantamento encomendado pelo Instituto ClimaInfo e lançado pela Coalizão Energia Limpa.

Cenário internacional

O cenário é ainda mais preocupante se considerarmos a agenda internacional.

Enquanto o mundo faz ginástica para se afastar da eletricidade fóssil e de suas oscilações de preço ao sabor da geopolítica global, o Brasil pode confortavelmente estabelecer um competitivo sistema hidro-solar-eólico.

Essa energia barata e livre de emissões seria a chave para destravar a economia e reduzir as desigualdades sociais históricas.

Não há dúvidas de que as energias renováveis continuarão crescendo no país, mas o planejamento energético necessário para garantir nossa segurança energética não virá do mercado e nem se materializará por inércia.

E como as mudanças climáticas estão se agravando, um bom planejamento deve conter estratégias claras de adaptação, com foco em resiliência a partir do mapeamento das vulnerabilidades.

Uma estratégia essencial para garantir energia barata, limpa e segura para todos os brasileiros no futuro é aumentar a diversificação das fontes de energia, mantendo o foco em novas renováveis.

Adicionalmente, convém descentralizar o sistema por meio da geração solar no local de consumo.

Transição energética justa

Novas hidrelétricas a fio d’água, principalmente no Norte e no Nordeste, devem ser reconsideradas diante dos prognósticos de alteração na média de precipitação e na intensificação da sazonalidade

É preciso fazer isso de forma a desenhar outra história de projetos energéticos para as comunidades.

Isso porque temos vários exemplos de como sistemas de energia deterioraram direitos sociais e destruíram terras inteiras.

Agora, temos a oportunidade de fazer uma transição com respeito aos territórios tradicionais, sejam eles indígenas, ribeirinhos ou quilombolas.

Não devemos extrair recursos destas regiões sem levar o progresso e a oportunidade aos seus habitantes.

Papel do gás natural

Já o espaço para energia fóssil na matriz elétrica futura do Brasil deve ser o menor possível.

A ideia muito propalada de usar o gás como uma ponte na transição energética envelheceu rápido – os europeus, que a propuseram, estão fugindo do gás e da sua instabilidade política e de preço.

Diante do anacronismo dessa concepção, o uso desse combustível atualmente estaria mais corretamente associado à regressão energética, especialmente em um país que tem sol e vento em abundância.

De forma geral, as termelétricas fósseis têm pesado na conta dos brasileiros e só devem ser consideradas de forma temporária e emergencial e em contextos específicos de crise – principalmente porque elas intensificam as mudanças climáticas, o que agrava o suprimento hídrico.

E quando a próxima seca inevitavelmente chegar, a melhor resposta para seu enfrentamento será a gestão massiva e coordenada da demanda, tanto de água, como de eletricidade, o que não foi feito em 2021.

O Brasil também precisa aumentar o investimento em reserva de potência para o curto prazo e em armazenamento de energia para enfrentar períodos de pouca precipitação e de aumento do consumo.

Em um contexto de franco crescimento solar e eólico, os próprios reservatórios podem assumir um caráter de “bateria”, a partir de uma gestão calculada que guarde a água para momentos em que há menos vento e sol.

O país precisa agir rápido e sobretudo precisa fazer direito. Com diretrizes ESG no encalço de todos os investidores, os projetos de renováveis devem observar salvaguardas socioambientais e de governança, calibrando a velocidade dessa expansão para evitar riscos de judicialização e de reputação.

O debate sobre nosso futuro energético deve ser como o fornecimento: cada vez mais descentralizado, diverso e coerente com o contexto climático em que estamos inseridos.

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Luiz Eduardo Barata Ferreira é presidente da Frente dos Consumidores de Energia e ex-Diretor Geral do ONS.

José Wanderley Marangon Lima é professor titular voluntário da Unifei, consultor da MC&E e secretário de P&D do Inel.

Este artigo expressa exclusivamente a posição dos autores.