Energia

Setor de carvão quer replicar programa de transição de SC para outros estados

Governo bolsonaro apoia extensão de térmicas a carvão até o fim da janela de descarbonização

Setor de carvão quer replicar programa de transição de SC para outros estados. Na imagem, Fernando Zancan, presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral -- ABCM (Foto: Divulgação)
Fernando Zancan, presidente da ABCM, espera que a estruturação da transição para o carvão passe por regulações estaduais, que permitam, por exemplo, fundos para novas tecnologias de captura de carbono (Foto: Divulgação)
BRASÍLIA — O planejamento para este ano para o setor de carvão mineral é, após a aprovação de legislação federal e estadual em Santa Catarina, replicar as normas em outros estados para viabilizar uma política de transição justa para o combustível.

Em entrevista à agência epbr, o presidente da Associação Brasileira de Carvão Mineral (ABCM), Fernando Zancan, explicou que os próximos passos para a estruturação da transição energética para o carvão passa por marcos regulatórios estaduais que, dentre outras ações, permitam a criação de fundos para incentivar novas tecnologias de captura de carbono — mirando em uma descarbonização de fósseis para acompanhar os novos acordos climáticos internacionais.

A ideia é que haja articulações com os estados do Rio Grande do Sul e do Paraná, onde há maior concentração de jazidas carboníferas no Brasil, para que seja possível criar políticas de modernização do setor e, simultaneamente, evitar impacto negativo no mercado de trabalho na cadeia produtiva.

As regras estaduais dialogam com a criação do Programa de Transição Energética Justa (TEJ), criado a partir do projeto de lei aprovado no Congresso e sancionado pelo governo federal nesta quinta (06/01).

De acordo com o presidente da ABCM, a única coincidência entre a lei de Santa Catarina e a federal foram as datas de aprovação e sanção. “As leis se falam. Foram planejadas e estruturadas para isso, a coincidência são as datas que estão batendo”, pontua.

Transição Justa

A legislação federal define a criação do Plano de Transição Justa, que terá até um ano para estipular quais ações, prazos e fontes de recursos, quando for necessário, em esfera federal. Um dos projetos estudados pelo governo é a criação de uma ferrovia para ligação da serra ao mar para escoamento da produção de carvão ou produtos derivados.

Já Santa Catarina fará em nível estadual outras ações para complementar a atuação pela transição energética. O governo trabalha, por exemplo, na integração do segmento de carvão com resíduos urbanos com o conceito de resíduo zero, na recuperação ambiental e na criação de um roteiro de visitação de uma mina de carvão em Criciúma.

O próprio governo de SC participará do conselho do programa federal. Também compõem representantes do governo federal — Casa Civil e Ministérios de Minas e Energia (MME), Meio Ambiente (MMA) e Desenvolvimento Regional (MDR) — e associações e sindicatos ligados à cadeia do carvão mineral. Não há previsão de participação de associações ou entidades ambientalistas.

O governo, na verdade, já tinha dado um primeiro passo com o foco na transição energética do carvão ao editar uma portaria que criou o Programa Para o Uso Sustentável do Carvão Mineral Nacional, em agosto do ano passado.

Dentre as ações de incentivo de pesquisa e desenvolvimento em novos produtos para o carvão, o Programa prevê a inclusão do combustível no Repetro e no REIF, da indústria de fertilizantes — o que ainda não foi colocado em prática.

A maior mudança da portaria foi permitir a contratação específica nos leilões de energia para o carvão e fortalecer o desenvolvimento de novos produtos do carvão além do uso para geração de energia.

No caso da legislação federal recém sancionada, a criação de instrumentos para incentivar a transição energética veio junto com a obrigação de contratação de usinas térmicas.

Na última quinta (6/1), o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou, sem vetos, a lei 14.299/22, que cria uma política de ajuda ao setor carbonífero de Santa Catarina. A União prorrogou a autorização do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina, até 2040.

O contrato de compra de energia de reserva, a ser assinado pelo MME, deve contar com uma receita fixa suficiente para cobrir os custos associados à geração de energia à carvão — considerada a mais barata das termelétricas, porém a mais poluente das fontes de energia.

Estimativa da Associação de Grandes Consumidores de Energia (Abrace) calcula que a nova lei deve gerar um custo anual de R$ 840 milhões para os consumidores.

A Engie, que controlava o complexo de termelétricas, vendeu as usinas para focar na expansão de fontes renováveis e na geração a partir do gás natural. Desde outubro de 2021, a gestão do complexo foi transferida para a Diamante Geração de Energia. 

Energia eleva demanda por carvão

Segundo Zancan, a prorrogação do contrato da térmica faz parte da transição ao evitar a “destruição de um valor social enorme” com a cadeia produtiva brasileira do carvão que ainda não está preparada para novas tecnologias, como a geração térmica a carvão com captura de carbono.

“A gente tem que ser um país responsável, tem que ter uma política pública para que haja essa transição. A gente tem que ter um plano que começa hoje, não em 2050. Santa Catarina saiu na frente e fez uma lei que visa uma transição tecnológica e do modelo econômico para manter a economia de R$ 4 bilhões a R$ 5 bilhões que gera hoje a cadeia toda”, defende.

Globalmente, a desativação de termelétricas a combustíveis fósseis, especialmente o carvão, é um processo em andamento no mundo inteiro, como parte dos esforços de descarbonização.

Entretanto, segundo relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) publicado em dezembro do último ano, a demanda por carvão em todo o mundo — incluindo usos além da geração de energia, como produção de cimento e aço — deve ter crescido cerca de 6% em 2021.

Dentre as causas estariam a elevação da demanda por eletricidade devido à acelerada recuperação econômica pós pandemia, além das sucessivas altas dos preços do gás natural, deixando o carvão financeiramente mais competitivo.

No último ano, o crescimento aproximado da geração de eletricidade a carvão foi de 9% na China, 12% na Índia e 20% nos Estados Unidos e União Européia.

Setor também aguarda marco regulatório para captura de carbono

Com o compromisso brasileiro de reduzir pela metade as emissões dos gases associado ao efeito estufa até 2030 e neutralizá-las até 2050, o governo federal prepara um marco regulatório para a captura e armazenamento de carbono.

A legislação que está sendo articulada faz parte do programa Combustível do Futuro, capitaneado pelo Ministério de Minas e Energia, e vale para combustíveis fósseis — incluindo o carvão.

Segundo o presidente da ABCM, a regulamentação da atividade é um passo importante para o desenvolvimento de novas tecnologias no caso do setor carbonífero.

Há dúvidas, por exemplo, de qual agência seria responsável por fazer a regulação, já que a captura do CO² pode ser feita com o uso de tecnologias combinadas.

No caso do carvão, por exemplo, o uso do combustível para geração de hidrogênio azul pode exigir uma atuação tanto da ANP — que hoje é responsável pela regulação do hidrogênio azul e cinza — como da ANM, responsável pela regulação das atividades minerárias do carvão.

“São detalhes técnicos que, se resolvidos, fazem o país mais estruturado para planejar e, lá na frente, poder atuar. Senão, pode ficar tudo amarrado”, diz Zancan.

Recurso é o principal problema para transição do carvão, diz associação

Uma das principais ferramentas do marco regulatório de Santa Catarina, que deve ser sancionado nos próximos dias, é a criação de um fundo de transição energética do carvão.

Zancan explica que o fundo está apto a receber aportes dos governo federal e estadual ou do setor privado, mas o foco principal são os investimentos de outros países — uma porta de entrada já desenhada que pode receber, por exemplo, doações de países desenvolvidos que ainda buscam cumprir a meta de US$ 100 bilhões anuais em ações de mitigação e adaptação ao clima para países em desenvolvimento, através do Fundo Climático Verde.

“De onde vai vir o recurso para o leilão de energia para carvão, por exemplo? O BNDES não financia projetos a carvão sem abatimento, vai ter que ser recurso externo, e ele só vem se tiver projetos que venham a neutralizar o carbono”, aponta o presidente da associação.

Para ele, essa é a principal questão para o setor: quem vai financiar esses projetos iniciais para criar as condições de investimento em empreendimentos menos poluentes.

Zancan não pensa que seja necessário verba pública para isso, mas que seria possível, num futuro, ter a ajuda do governo para mediar investimentos internacionais.

“Não precisa de dinheiro público para nada. Mas precisa ver quem vai financiar esses projetos porque o mundo inteiro está caminhando para deixar de investir em geração sem abatimento. O governo pode de repente buscar lá fora recursos para fazer plantas de demonstração de CCS [Carbon Capture and Storage]”, pontua.

Não é um problema apenas do Brasil, segundo o presidente da associação. “O financiamento está estrangulando os fósseis como um todo: carvão, gás e petróleo. Isso estrangula também a oferta, o que sobe o preço da energia, como está acontecendo hoje com o preço internacional. E isso é uma temeridade para o planeta”.

Para ele, o mundo ainda está numa curva de aprendizagem de abatimento de CO², com alguns países como Japão e Estados Unidos investindo em tecnologias para baratear os custos dos projetos. E que as ações que vêm sendo tomadas no Brasil, incluindo a aprovação da legislação federal, estão alinhadas com o que foi discutido em tratados internacionais em Paris e Glasgow, recentemente.

Essa mudança, na opinião de Zancan, não tem como ser feita de uma hora para outra. “Não é um trem de criança que você pode de repente mudar a direção completamente”, exemplifica.