Glasgow – No mesmo dia em que atualizou as metas de redução de emissões de carbono, o Brasil anunciou um compromisso para diminuição do desmatamento ilegal — justamente um dos principais pontos de crítica internacional em relação ao governo Bolsonaro.
O país é visto como permissivo com o setor agrícola, até mesmo por setores do agronegócio.
Os ministérios do Meio Ambiente e da Justiça estabeleceram o objetivo de reduzir o desmatamento ilegal a partir de 2022 em 15% por ano até 2024, 40% em 2025 e 2026, e 50% em 2027. O governo diz que será possível zerar o desmatamento ilegal em 2028.
Não fala, no entanto, em acabar com o desmatamento como um todo. O governo deixa claro que as metas são para desmatamento ilegal.
Especialistas acreditam que isso abre uma brecha para a legalização do desmatamento em diversos casos hoje considerados ilegais, o que faria com que as metas não fossem suficientes para o combate à destruição de cobertura verde do território nacional.
Como parte da ambição em relação às florestas, o governo pretende restaurar e reflorestar 18 milhões de hectares de florestas para múltiplos usos até 2030.
O anúncio faz parte do Plano Nacional para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020-2030, também lançado nesta segunda (1/11), na abertura da COP26, em Glasgow.
Em entrevista à Estratégia ESG e à epbr, o secretário-adjunto de Clima e Relações Internacionais do ministério do meio ambiente, Marcelo Freire, disse que este ano o orçamento para o combate ao desmatamento deverá ser de aproximadamente R$1 bilhão.
O presidente Jair Bolsonaro já havia anunciado no fim de semana, na cúpula de líderes G-20, o aumento de pessoal voltado para a fiscalização, com o dobro do orçamento do Ibama para operações.
Adicionalmente, estão sendo utilizados 700 homens da Força Nacional, com apoio do Ministério da Defesa com a logística.
Questionado sobre a execução de uma parte pequena do orçamento do Ibama até outubro, em torno de 20%, o secretário-adjunto rebateu.
“Você acha que custa quanto manter os homens da Força Nacional? É um investimento robustíssimo, um orçamento super robusto. Temos 700 homens da Força Nacional e estamos prevendo aumentar, além do Exército,” disse, em relação aos recentes anúncios que deverão elevar os gastos da pasta.
“Mais do que dobramos o orçamento do Ministério do Meio Ambiente. Só do começo do ano para cá a gente chegou em R$1 bilhão de investimentos novos em [combate] ao desmatamento”.
Apesar de os números do desmatamento virem subindo há anos e terem aumentado a velocidade durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, houve uma pequena redução nos números de 12 meses até julho de acordo com dados do INPE. Essa redução levou o governo a acreditar ter entrado em uma tendência de queda.
“Romper a tendência [de alta do desmatamento] já foi um grande esforço. A ideia é que, agora que rompeu a tendência, vai começar a cair, com um investimento pesado,” disse Freire.
Críticas sobre as metas
A postura brasileira nesta edição da conferência climática ignora o passado recente de desregulamentação e paralisia de programas ambientais.
A postura ignora o aumento do desmatamento no governo Bolsonaro, mesmo com aumento das despesas para bancar a ação conjunta do Exército com os órgãos civis, enquanto o orçamento do Ibama é reduzido ano a ano, por exemplo.
“A gente tem um problema gigantesco porque o tamanho do nosso território é gigantesco (…) A gente fica bastante incomodado com algumas críticas que são feitas ao nosso país, críticas de países que não tem a menor noção do que é o problema, do tamanho do problema e do tamanho do Brasil”, justificou o ministro da Justiça, Anderson Torres.
Como as metas para o desmatamento não falam em desmatamento total, apenas em ilegal, povos originários demonstram preocupação com a real ambição do governo.
“Não tem mais como a gente falar em 2028, 2030, 2050. A gente tem que fazer isso agora, tem que ser agora,” defendeu, Txai Surui, do povo indigina Paiter Surui, que vive nos estados de Roraima e Mato Grosso.
“O governo fala mais uma vez em desmatamento ilegal. A gente tem que ter muito cuidado com essas palavras porque aquilo que é ilegal pode virar legal. A gente tem vários projetos no Brasil para acabar com as terras indígenas”, diz.
Ela lembra, inclusive, políticas correntes do governo Bolsonaro, na contramão de maior preservação ambiental. “A gente tem o marco temporal, tem o PL490, vários outros projetos que querem acabar com as terras indígenas e tornar essas terras que têm desmatamento como ilegal, em [uma área onde o desmatamento seria] legal”.
“A gente não tem que acabar com o desmatamento ilegal, a gente tem que acabar com o desmatamento. Tem que demarcar as terras indígenas, tem que fazer com que os direitos dos povos indígenas, que são previstos na Constituição, previstos em acordos internacionais como OIT169, sejam cumpridos”.
Por outro lado, apesar de o anúncio do Brasil não especificar a quantidade de carbono a ser evitada, o presidente da COP26, Alok Sharma, congratulou o país pelas novas metas, em sua conta no Twitter.
“Muito bom ver o Brasil confirmar emissão zero para 2050 para a UNFCCC, um aumento de sua NDC em 50% e um reforço nas metas para lidar com desmatamento. Isso é um progresso real e vai ajudar a impulsionar as metas em direção a 1.5o C,” publicou Sharma.
A pressão pela redução do desmatamento vai além dos ambientalistas. Grandes indústrias, setores de energia e infraestrutura enxergam na conservação de florestas uma oportunidade para a descarbonização de produtos e no desmatamento, um obstáculo para negócios no Brasil.
Desde 2020, após a crise de seu primeiro ano de governo, Bolsonaro defende nos fóruns internacionais que o país vai manter a floresta em pé, o que alimenta o ceticismo com as políticas locais.