O estado de Santa Catarina estabeleceu como meta alcançar a neutralidade de emissões em 2035 – 15 anos antes da meta brasileira – e quer atrair investimentos em inovação sustentável com um plano “provocativo” de transição, classifica Luciano Buligon, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico Sustentável.
A região faz parte do reduto carbonífero do país, ao lado de Rio Grande do Sul e Paraná, e enfrenta o dilema de fazer a transição para a economia de baixo carbono, sem deixar as pessoas para trás.
“Para fazer a transição justa, tem que ter outras fontes de energia que sejam limpas e elas terão que financiar a transição do carvão (…) Com o nosso plano, queremos incentivar as novas energias renováveis, e que essas novas usinas possam usar parte dos seus recursos para financiar a transição”, explica.
Na semana passada, o governo encaminhou à Assembleia Legislativa (Alesc) um projeto de lei que institui a Política Estadual de Transição Energética Justa – considerada a nova política estadual do carvão.
“O que nós temos que parar é de queimar carvão. De produzir carbono com o carvão. Mas também não é uma medida que possa ser feita em um estalar de dedos”, afirma o secretário.
Projeto prevê criação de Fundo de Transição Justa
Segundo o secretário, a ideia é incentivar a instalação de novas usinas de energia renovável, como a eólica, e que essas novas usinas possam usar parte dos recursos para financiar a transição.
O dinheiro aplicado neste fundo seria então utilizado para projetos de inovação, soluções para os trabalhadores e municípios que dependem da atividade carbonífera, e encontrar uma nova vocação para o Complexo Termoelétrico de Jorge Lacerda.
“É preciso ter um projeto. Isso passa por ter um programa institucional. Ele precisa ser em lei e não pode deixar ninguém para trás. Por isso a gente chama de transição justa”, diz Buligon.
O desafio de atrair recursos para essa transição será grande.
Em junho, líderes do G7 se comprometeram a interromper, até o final do ano, os subsídios públicos para a geração térmica a carvão. Faz parte da agenda compartilhada do grupo para tentar limitar o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C.
No Brasil, o Banco Nacional do Desenvolvimento Sustentável (BNDES) definiu que não dará mais crédito para usinas térmicas a carvão. O setor foi adicionado formalmente na lista de exclusão do banco esta semana.
No Congresso Nacional, há também uma discussão sobre a destinação de recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) para o setor, prevista para acabar em 2027.
Mas, para Buligon, é possível deixar de emitir carbono e encontrar outros caminhos para o carvão e, assim, atrair investimentos internacionais.
“Sabemos que a Alemanha tem os olhares voltados para nós, esperando um plano governamental que seja confiável para receber recursos”, afirma.
ENTREVISTA- Luciano Buligon, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico Sustentável
A desativação de térmicas a carvão é um processo em andamento no mundo, principalmente nos países ricos. Já Santa Catarina segue um caminho de transição com o carvão. Por que?
Nós entendemos que o carvão não é o vilão do carbono. Na verdade, temos que fazer a transição com o carvão. Santa Catarina tem um agronegócio forte e precisamos muito de fertilizantes. O carvão é um mineral muito rico nesse aspecto.
Podemos, por exemplo, investir em tecnologias para transformar essa riqueza mineral em fertilizantes e deixar de trazer de fora esse insumo para atender nossa cadeia produtiva do agronegócio. Hoje a gente importa mais de 80% desse insumo.
O que nós temos que parar é de queimar carvão. De produzir carbono com o carvão. Mas também não é uma medida que possa ser feita em um estalar de dedos.
É preciso ter um projeto. Isso passa por ter um programa institucional. Ele precisa ser em lei e não pode deixar ninguém para trás. Precisa entender que a Jorge Lacerda é importante para o sistema elétrico hoje, principalmente na crise hídrica que o Brasil vive.
Ouvindo todos os atores deste teatro real da energia é que vamos encontrar o caminho da transição.
Por isso a gente chama de transição justa. A justa medida para descarbonizar e potencializar o carvão.
Alemanha, Espanha, Japão e Chile têm bons exemplos. E também têm maus exemplos para encontrarmos o que não fazer.
Temos observados diferentes movimentos para interromper os investimentos na indústria carbonífera. Como esta política se encaixa nesse cenário?
Dentro deste amplo diálogo, estou muito esperançoso de que SC possa ter um plano institucional, e com ele nós criarmos um fundo e atrair, por exemplo, recursos internacionais.
Sabemos que a Alemanha tem os olhares voltados para nós, esperando um plano governamental que seja confiável para receber recursos.
Diante desta perspectiva de ser um plano permanente, criado em lei, tenho uma esperança muito grande de atrair recursos internacionais depois que o projeto for sancionado.
Esses recursos vão financiar projetos de inovação, ciência e tecnologia do carvão.
Então sonho em ter, a partir desse nosso plano, um centro de inovação em Criciúma, que já tem um embrião, para estudos avançados voltados para o carvão.
A [necessidade de] descarbonização do carvão é consenso mundial. Um plano para isso consegue atrair investimentos.
Por exemplo, para fazer a transição justa, tem que ter outras fontes de energia que sejam limpas e elas terão que financiar a transição do carvão.
É isso que a gente espera. Criar uma economia circular de transição.
O que eu vejo no Brasil, e no mundo, é que existe muito discurso e pouca prática de colocar isso no papel e na vida cotidiana dos estados.
Com o nosso plano, queremos incentivar as novas energias renováveis, e que essas novas usinas possam usar parte dos seus recursos para financiar a transição.
Mas isso não quer dizer que eu tenha que exilar o carvão, porque ele é um recurso mineral que serve para outras soluções que não é produzir carbono.
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Então a ideia é buscar outras aplicações para o carvão, que não seja a geração de energia?
Exatamente. O carvão é um recurso mineral riquíssimo em fertilizantes, por exemplo.
Eu só não quero transformá-lo em carbono. Mas existem milhares de outras atividades em que ele pode ser aproveitado.
E como vocês veem esse cenário em que usinas estão sendo fechadas porque já não estão mais viáveis economicamente, como o que aconteceu nos Estados Unidos, mesmo com as tentativas da gestão Trump de promover o setor?
Elas ainda são um backup importante do sistema brasileiro.
Aqui em Santa Catarina, por exemplo, a Jorge Lacerda representa mais de 20% da energia que se produz no estado.
Mas se ela não vai mais queimar carvão. Ela pode queimar gás. O gás Bolívia-Brasil passa na frente dela.
O que nós precisamos é parar para conversar sobre isso. E a gente só para par conversar quando tem um plano.
Só vamos chegar a algum lugar com isso no papel, incentivar uma grande indústria a vir se instalar e que ela tenha uma usina eólica e que parte desses recursos seja colocado neste fundo de transição.
Só vamos conseguir entender esse processo quando conseguir colocar recursos em um fundo para algo que a gente definiu como prioridade.
Esse fundo seria para melhorias tecnológicas?
Melhorias tecnológicas, descobrir uma nova vocação para Jorge Lacerda, o que fazer com as mais de 20 mil famílias que vivem no entorno, fazer uma transição justa para a dezena de municípios próximos, financiar o centro de inovação que vai pensar tudo isso.
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A ideia de um polo de transição justa tem alguma relação com o que a Espanha está fazendo, com o Instituto de Transição Justa? Isto é, incluir os trabalhadores na discussão dessas transformações.
Exatamente. É transferir a mão de obra dos mineradores para uma nova vocação regional.
Essa transição precisa ser pensada, precisa ter recursos e ganhos econômicos.
O plano traz algumas questões como outorga de recursos hídricos e conexão à rede elétrica que também são de competência federal. Como está o diálogo com o governo federal?
Queremos provocar o governo federal com o nosso plano. Precisamos provocar os outros atores nesse processo de transição.
Tu deves estar pensando, ‘vocês são audaciosos. Santa Catarina é uma parte pequena do território brasileiro e está querendo fazer o que o Brasil não conseguiu fazer’. Mas é preciso que seja feito.
Alguém precisa começar. E como isso influencia muito uma região, estamos sendo audaciosos sim.
O plano não é perfeito, mas é o início.
E é provocativo para a região, para as universidades, autoridades, empreendedores e governos.
Entendo que será um marco importante, não só para Santa Catarina, mas talvez para o assunto inteiro nacionalmente.
A nossa meta é descarbonizar até 2035. Queremos provocar também os empreendedores, trazer aqueles que têm iniciativas inovadoras, renováveis, para investir no estado. Esse é o ambiente que o governador quer criar.
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