Biocombustíveis

RenovaBio: aprimorar para evoluir

TCU aponta desafios e riscos do RenovaBio, como dificuldade na certificação dos produtores e na definição das metas anuais de descarbonização, escreve Aurélio Amaral

RenovaBio: aprimorar para evoluir. Na imagem: BioFlex, usina de etanol celulósico da GranBio, em Alagoas (Foto: Divulgação/GranBio)
BioFlex, usina de etanol celulósico da GranBio, em Alagoas (Foto: Divulgação/GranBio)

O Tribunal de Contas da União (TCU) realizou recentemente uma auditoria nas principais políticas públicas federais de biocombustíveis com a finalidade de verificar se os objetivos a que se destinam estão sendo atingidos. Entre os programas que ficaram sob o crivo da corte de contas está o RenovaBio, instituído pela Lei nº 13.576/2017.

A política busca contribuir para o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris e promover a expansão dos biocombustíveis na matriz energética do país.

Apesar de concluir que o RenovaBio apresenta potencial para estimular a produção e o consumo de biocombustíveis no Brasil, o TCU apontou no relatório final da auditoria desafios e riscos a serem enfrentados, como a falta de transparência e controle dos dados utilizados para a certificação dos produtores e a definição das metas anuais de redução de emissões.

Em termos de desafios, o TCU consignou que a política pública apresenta (a) riscos associados à geração insuficiente de créditos de descarbonização (CBIOs) para cumprimento das metas; (b) pouca capacidade de fiscalização quanto ao controle do lastro dos CBIOs; e (c) necessidade de melhor sinergia entre os biocombustíveis e o setor automotivo.

Sobre estes aspectos, os auditores da corte de contas ponderaram, respectivamente:

  • que as metas compulsórias anuais sofreram alterações substantivas desde 2018 e pode haver o risco de ocorrer seu descumprimento no futuro, por conta de insuficiência na oferta de CBIOs;
  • que a ANP tem enfrentado dificuldades para organização de um banco de dados relativos aos processos de certificação dos produtores de bicombustíveis e o estabelecimento de um melhor lastro dos CBIOs;
  • e que há necessidade de melhorar a sinergia entre RenovaBio e a política do setor automotivo, na medida em que este último não tem incorporado parâmetros de redução de carbono na metodologia de eficiência energética.

CBIO+

Quanto ao primeiro apontamento, relacionado à geração insuficiente de CBIOs, entende-se que é possível avançar na proposta de criação do Crédito de Descarbonização Plus (CBIO+), que consiste em um incentivo adicional aos produtores de biocombustíveis que adotarem práticas de manejo florestal sustentável em suas propriedades ou promoverem maior aproveitamento do biogás e desenvolvam Técnicas de Captura de Carbono no seu processo.

Existem diversas técnicas que podem ser utilizadas para produzir créditos de carbono e contribuir com a redução das emissões de gases de efeito estufa. Essas técnicas incluem a produção de biometano a partir do biogás — que pode ser utilizado como combustível renovável em veículos ou injetado na rede de distribuição de gás natural –, gerando créditos de carbono e aproveitamento do resíduo da digestão anaeróbia do biogás, conhecido como biofertilizante.

Isso tornara o CBIO elegível a outros mercados de créditos de carbono, ampliando a demanda pelo instrumento, além de permitir que o CBIO+ seja compatível com outros ativos representativos de redução ou remoção de gases de efeito estufa, nos termos de regulamento próprio.

Deve-se estabelecer as diretrizes para a migração do RenovaBio para o Marco Regulatório do Acordo de Paris, com a definição de fatores de emissão de gases de efeito estufa para diferentes tipos de biocombustíveis, de um limite máximo de emissões de gases de efeito estufa para a geração de CBIOs, e de critérios para o cálculo das reduções de emissões de gases de efeito estufa geradas pelos biocombustíveis.

O CBIO+ poderia ser concedido em conjunto com o CBIO tradicional, como forma de incentivar a adoção de práticas sustentáveis na produção de biocombustíveis, aumentando assim o potencial de créditos de carbono do setor de biocombustíveis.

Lastro e sinergia

Quanto ao segundo ponto, que trata da capacidade de fiscalização, importante destacar que o controle do lastro do CBIOs tem sido um desafio para a ANP, na medida em que a agência ainda não logrou êxito em estabelecer uma base de dados estruturada, o que não só pode afetar a validade desses créditos como também a prestação de contas.

Além disso, a ausência de critérios de materialidade e risco para essa certificação tem causado incertezas quanto à confiabilidade do lastro.

Em relação à sinergia com o setor automotivo, há a necessidade de se adotar metodologias que observem as emissões acumuladas, e não somente aquelas referentes à queima do combustível no quesito eficiência energética, de modo a se alcançar uma melhor métrica para a intensidade de carbono, levando em consideração não só aspectos econômicos e técnicos mas também ambientais.

Parte obrigada

Para além dos pontos elencados pelo TCU, outra questão a se considerar diante do cenário desvelado pela auditoria é a reavaliação do mandato obrigatório de aquisição de CBIOs, transferindo a obrigação dos distribuidores para os produtores de combustíveis fósseis, refinadores e importadores — primeiro elo da cadeia de fornecimento –, que poderiam reduzir suas metas ampliando o uso da biomassa na produção de combustíveis, bem como investindo na produção de novos biocombustíveis.

Manter a obrigação nos distribuidores gera uma assimetria regulatória, pois exige destes agentes esforços desproporcionais para se atingir as metas de descarbonização, enquanto os produtores de combustíveis fósseis — responsáveis por investir em novas tecnologias de produção — não têm a mesma carga de responsabilidade.

Além disso, manter a obrigação apenas nos distribuidores pode resultar em preços mais altos para os combustíveis fósseis devido à lógica de mercado que repassa a obrigação ao consumidor final.

Por deter os meios mais relevantes para impulsionar e garantir a efetividade da transição energética, os produtores primários devem assumir a responsabilidade pelo cumprimento das metas de descarbonização, promovendo as novas rotas tecnológicas, a exemplo do HVO (Hydrotreated Vegetable Oil, óleo vegetal hidrotratado), o diesel verde, e do etanol de segunda geração (ou simplesmente 2G), combustíveis mais avançados produzidos com diversas fontes de biomassa vegetal (matérias-primas não destinadas à alimentação humana, com alto teor de fibras, ou resíduos de cana-de-açúcar, milho e trigo).

O TCU tem razão quando pondera que os objetivos energéticos de diversificação e desenvolvimento de novas biomassas não estão sendo alcançados satisfatoriamente e que há excessivos custos de transação e prejuízo à livre competição no formato atual do programa.

Por isso, as propostas apresentadas carecem de urgência em serem implementadas, devendo ser levadas em consideração pelo governo federal para aprimoramento da dinâmica dessa política pública, incentivando tanto a expansão do mercado de biocombustíveis como suas contribuições para o enfretamento das mudanças climáticas.

Aurélio Amaral é sócio no Shmidt Valois advogados e ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Este artigo expressa exclusivamente a posição do autor e não necessariamente da instituição para a qual trabalha ou está vinculado.