Regulação do hidrogênio: falta tudo, mas futuro é promissor

Apesar dos desafios pela falta de regulação, a produção de hidrogênio verde no Brasil já atrai investimentos de multinacionais, afirma Mariana Campos

Regulação do hidrogênio: falta tudo, mas futuro é promissor. Na imagem: Mariana Campos, sócia do Souto Correa Advogados (Foto: Divulgação)
Mariana Campos, sócia do Souto Correa Advogados, fala sobre desafios para regulação do hidrogênio (Foto: Divulgação)

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Diálogos da Transição

eixos.com.br | 24/06/21
Apresentada porlogotipo eneva

Editada por Nayara Machado
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A agenda do hidrogênio como uma solução para a transição energética ganha força com os países reestruturando suas economias para sair da crise causada pela pandemia de covid-19.

Mas, para se estabelecer no Brasil, esse mercado depende de uma estrutura regulatória atualmente inexistente.

Em entrevista à Diálogos da TransiçãoMariana Campos, sócia do Souto Correa Advogados, avalia que, embora as iniciativas para desenvolver uma cadeia para o hidrogênio no Brasil não sejam tão novas, o país ainda está em um nível jurídico muito embrionário em termos de regulamentação para viabilizar este mercado.

“Muitos países veem no hidrogênio uma possibilidade de retomada da economia sem se descolar da premissa de transição energética”, reforça.

De olho nesse mercado em potencial, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) aprovou em abril deste ano a elaboração do Programa Nacional do Hidrogênio.

O Ministério de Minas e Energia (MME), junto com os ministérios de Ciência e Tecnologia e Desenvolvimento Regional e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) deverão apresentar até julho as diretrizes para o programa.

Entre as questões que precisam ser respondidas pelo governo, Mariana destaca as competências regulatórias.

“O nosso problema jurídico é quem tem a competência. A gente vê a possível competência da Aneel, da ANA (Agência Nacional de Águas). Mas ainda está tudo incerto. Essa incerteza gera uma cautela dos investidores para desenvolver um mercado aqui no Brasil, que ainda está em um estágio muito inicial”, avalia.

Apesar da ausência de normas, a produção de hidrogênio verde no Brasil já atrai multinacionais.

Os projetos buscam aproveitar geração eólica e solar e infraestrutura portuária para levar o novo combustível ao mercado europeu.

Na semana passada, a Qair Brasil, do grupo francês Qair, iniciou os estudos de viabilidade para construção de uma planta de hidrogênio verde no Ceará. O investimento no projeto está estimado em US$ 3,9 bilhões.

A companhia vai fazer parte do hub de hidrogênio verde na Zona de Processamento de Exportação (ZPE) do Porto do Pecém, que já conta com o apoio de outras três empresas: White Martins, Fortescue e Enegix.

As duas últimas calculam investimentos somados de mais de US$ 10 bi.

A seguir, os principais pontos da entrevista com Mariana Campos:

O que falta hoje, em termos de segurança jurídica, para o hidrogênio acontecer no Brasil?

Respondendo objetivamente o que falta nesse mercado: falta tudo. Porque não tem nenhuma norma que regule.

Não tem uma base normativa que regule todas as atividades econômicas relacionadas ao mercado de hidrogênio.

Se não tem uma segurança normativa que diga quem são os agentes que podem produzir, se precisa ou não de autorização, em quais categorias os agentes precisam se enquadrar para poder comercializar, isso pode ser interpretado como um sinal vermelho para os investidores.

Como colocar dinheiro em um mercado que não está estruturado? Como investir nesse combustível se é um mercado que não tem base jurídica nenhuma ainda?

Quando nenhum eixo econômico do mercado está regulado, fica muito difícil efetivamente colocar o mercado para começar a rodar.

A resolução nº 6 do CNPE, que deu prazo para o MME, MCTI e MDR apresentarem uma proposta de diretrizes, é um primeiro passo para pensar a estruturação desse mercado. 

E qual o principal gargalo nessa regulamentação?

Um exemplo do nível jurídico inicial que a gente está é que existem vários tipos de hidrogênio.

Internacionalmente, há uma preferência pelo hidrogênio verde, produzido a partir de fontes renováveis. Essa é a produção mais cara que a gente tem, mas ela é a mais sustentável.

Mas existem outras formas de produção de hidrogênio: a partir de carvão mineral, gás natural, biomassa ou biocombustíveis, entre outras.

Todas essas formas de produção são diferenciadas.

Quando o combustível é produzido a partir de gás natural, a competência atraída é a da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), que é a agência que regula a produção de combustíveis derivados do petróleo. Só que o mesmo não acontece com o hidrogênio verde, porque ele vem da água.

Então não temos hoje um panorama de qual agência vai regular isso, que vai estudar o mercado para colocar no papel os requisitos necessários para produzir e armazenar o hidrogênio.

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Quem poderia ter essa competência?

Muito provavelmente, várias agências poderão ter.

O gás natural é um derivado do petróleo, então era mais fácil. A gente sabia que essa bola estava com a ANP.

Agora o hidrogênio é um ponto de interrogação, porque pode ser ANP para alguns, pode ser Aneel para outros, ou até a ANA (Agência Nacional de Águas).

Também há possibilidade de criação de uma nova agência reguladora porque é um combustível que pode ou não ser derivado de fóssil.

Além dessa questão da competência, quais são os outros gargalos?

Temos, por exemplo, o armazenamento. Essa parte tem um pouco de questão técnica porque o hidrogênio é um gás muito leve. Para armazenar precisa ter pressão muito alta. Então é preciso estudar a melhor forma de armazenar o hidrogênio.

A logística também pode ou não ser um gargalo, porque tem a pergunta: pode misturar o hidrogênio com o gás natural nos dutos para transporte?

Tecnicamente é possível. Até o novo marco regulatório do gás dá a entender que é possível misturar outros gases junto com a tubulação de gás natural.

Mas quem é a agência que vai fazer os estudos para dizer se pode?

No final, sempre recai para a questão de quem vai estudar e regulamentar isso.

Há também o risco de uma disputa pela água na produção de hidrogênio verde?

A molécula H2 do hidrogênio não é encontrada sozinha na natureza. Para conseguir produzir o H2, é preciso retirar de alguma coisa. A água é uma dessas fontes primárias.

Para fazer a eletrólise, que separa o oxigênio do H2, realmente será preciso destinar uma quantidade de água para produzir o hidrogênio, o que entraria nessa questão mercadológica de uso de água.

Então entraria como mais uma possibilidade de uso da água, e competiria com os demais usos.

O governo tem manifestado que a estratégia brasileira não terá foco só no hidrogênio verde e vai incorporar todas as cores…

Lá fora, na Alemanha e em outros países da Europa, há essa necessidade de descarbonizar a economia, mas eles não têm, como a gente tem aqui no Brasil, fontes mais limpas como a hidrelétrica.

Para eles é muito importante o hidrogênio verde, que é o que realmente vai fazer a diferença ambiental.

Aqui no Brasil, o governo teve uma percepção desde o início [desde 2002] de que nem sempre o que querem lá fora é o melhor para o nosso contexto. A orientação é que se aproveite as vantagens competitivas do Brasil.

Aqui a gente tem etanol, hidrelétricas — que pode aproveitar para eletrólise da água –, tem eólica, solar, biogás, nuclear e outras biomassas.

A EPE chama essa estratégia de hidrogênio arco-íris.

Eles não estão focados no verde, estão focados em todas as cores, justamente reconhecendo que a política nacional tem que aproveitar as vantagens competitivas do Brasil para que se tenha vantagem competitiva na transição energética com hidrogênio.

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